4.12.06

Da vida

Entrou.

Fechou a porta atrás de si. Inebriou-se com o cheirando a guardado que reinava no cômodo antigo. Ensaiou passos trôpegos em direção à cama. Sentou-se delicada na beira do velho móvel de madeira escura. Como que não querendo despertar aquela que ali repousava.

No centro do colchão gasto, aquele peso afundava a espuma já sem força. Pôs suas mãos rosadas sobre a outra pele – pálida como a morte. Observou indiferente as unhas amareladas e compridas. O cabelo gasto. A boca enrugada e sem dentes. Os olhos descansando cerrados. As mãos unidas em forma de oração. A pele flácida depois dos anos. Pouco tinham se visto. Mas agora se sabiam mudas. Íntimas no silêncio imperativo. Atravessadas pelo fio de vida.

Não proferiu sentimento. Tomou o estilete na mão. Despedaçou a roupa que cobria o corpo de sua companhia com uma força violenta. Não rasgou uma lágrima sequer. Jogou fora os trapos impregnados pela naftalina. Abandonou a lâmina. Pulsou vida para brincar de boneca com a tépida presença. Com seu toque de sangue quente, revestiu aquele peito nu e vazio. A camisa era aquela que esperou as grandes ocasiões que nunca vieram. Vestiu, uma por uma, as pernas frias dentro da calça alva. E os pés magros, um por um, dentro das meias. Fez alinhados os fios e faceira as maçãs.

Não cogitou a dor. Ou o remorso por não supor a dor. Desaguou em sequidão. Sobrava ainda um pouco de café. Restavam alguns cigarros. A vela do Santo que não tinha sido acesa. E uma sensação inóspita que não cabia no quarto apertado. Logo depois ligou para a funerária.

Rio, 04/12/2006.

10 comentários:

renata disse...

ps: façam uma criança feliz com alguns goles de cevada! afinal, é quase Natal, deixem-se embriagar pelo espírito de solidariedade tão em voga em tempos como esse!

o que vcs acham dessa semana/fim de semana???

renata disse...

ah, só não posso na sexta.

Isaac Frederico disse...

o intrigante é que nos textos da renata é quase impossível afirmar com exatidão as ações concretas das personagens, enumerá-las, defini-las.
fica um toque de comichão, por não saber o parentesco, não conseguir definir as relações dentro de um âmbito corriqueiro.
isso é um trunfo imenso, creio. ou um talento de tê-lo aplicado com maestria. !

aaaaaaah o que eu não faria por uma cerveja agora?!

Guto Leite disse...

Fica também minha vontade pela cerveja! Bebam, por favor, amigos, uma garrafa por mim? Rezinha, ando descobrindo grandemente sua prosa!! Meus parabéns!

renata disse...

william, me passa teu email?
acho que és o único com quem nunca "conversei" - se é que emails podem ser chamados de conversa....
preciso fazer minha apresentação "oficial", rs.
bjos.

Isaac Frederico disse...

aí guto, dizem à boca pequena que em breve virá tomar umas cervejas junto aos trovadores cariocas ...?

william galdino disse...

Reina um clima de silêncio, de abafo. O início; da vida, o fim; onde a mesma termina. Renata é garantia de alta qualidade. Aqui vai o e-mail: williamgaldino@yahoo.com.br
Beijo

renata disse...

quinta? 20h? lapa? arco-íris?

renata disse...

eu só dei a sugestão pq o arco colorido tem cerveja de garrafa. mas se vcs quiserem, a gente pode ir em qualquer outro lugar. pode mandar!

renata disse...

EEeeeeeeee, renata presente!
mas no cachaça vende cerveja? veja bem, eu não tenho "condições" de tomar cachaça. hahahahahaha.
até lá gente!
beijo