”Vamos, irmão … Por quê ascender tanto? Para quê?” e, por Deus, ascendeu de forma imediata; pássaros cortejavam-lhe despreocupados, na primeira camada da atmosfera terrestre, o filme aeróbico que envolve a superfície da superfície do nosso planeta. O polo setentrional mudou-lhe a direção vetorial, o meso-centro atlântico de alta pressão esqueceu-lhe e as próprias estrelas notaram por si, no intervalo semi-aberto pós-estratosférico. “Cheguei ao fundo do poço”, pensou, triste, entretanto há já longos anos ciente de que subir, por força de necessidade, é o mesmo que descer, na nossa absoluta falta de referencial cósmico e relativa lacuna de interpretação.
Era ser cognoscente de turbilhões de sensações diametralmente opostas se alternando, turbilhões de diâmetros sensacionalmente alternados se opondo e etcétera, são só palavras. Ser cognoscente e sujeito do predicado divino manifesto, menos por vontade própria que por absoluta falta de escolha, fibras encarnando e desencarnando alheias, inteira e dramaticamente alheias à vontade dos homens.
“O que verdadeiramente importa agora? Arrumar um grande objetivo condutor de todas as atitudes, catalisador de todos os esforços e posturas, ou ir tocando as pequenas coisas, aguardando o momento oportuno do grande boom …nem ao menos disto sabes, seu grandíssimo paquiderme inútil”, condenou-se, severo em demasia. “Preciso achar o balanço entre o desejo genuíno a médio prazo, passando incólume pelos desejos sectários inflamados de um momento e pela cessão completa à lógica da modernidade. As oscilações serão normais, saiba disto.”
E então abriu-se o céu encarnado, trezentos e sessenta graus de visão em seu estado de superciência e supra-cognoscência, um céu que podia ser chamado de concrético, fosse o inferno metálico, ou plúmbeo, fosse o limbo isotônico. O céu encarnado e vivo, aliterativo, flutuabilidade negativa, espasmódico em reações provocadas, plástico em seu leiaute.
Abriu-lhe o ventre, à aproximação final de seu corpo, tentação superlativa de adentrar, tentacíssima de voltar ao ventre da mãe, mas… hesitou. O magnetismo quase bipolar apresentava-lhe, entretanto, a chance de ser aquilo tudo a Grande Babilônia escravizante, chance equilátera ao ser aquilo a Redenção Derradeira, o berço das sensações ampliadas de entrega e acolhimento irrestrito.
Claudicou, olhou as horas no relógio de pulso, um desânimo latente, no geral.
Então, ascendeu a satélite, orbitou e passou-se uma época, um terreno onde se desenvolveram eventos, que abriam caminhos para novas portas, assuntos pantanosos, retórica em jaulas, caminhos pouco confortáveis, oxigênio reduzido. “Quais mil hipóteses poderiam ter sido se não fosse esta?”
Sentiu-se desconfortável, doente, moribundo; literatura densa, labirintos kafkianos, que rumo tomar, que escolhas fazer quando nenhuma postura é boa ou sólida o bastante para merecer a unanimidade do soberano conselho de juízes da sua cabeça?
Deixou-se entristecer, desconfortável, doente, nauseabundo, mais pela grande esforço que teria de efetuar que pela inevitabilidade da química da depressão, verteu uma lágrima, a única sem controle, encabeçando um grupo de todas as outras ainda represadas sob os olhos lassos, por ligações químicas fortes jorraram logo em seguida, formando riachos delicados na batimetria de seu rosto, “vamos então adiante na maratona, adiante na maratona vamos nós, pouco importa se importar, a juventude é fátua”, pegou fôlego e seguiu, aguerridamente – “o domingo não sendo santo, a segunda não dá ressaca.”
“As nuvens são de marzipan, na falta de outros materiais plausíveis de ser, e então são cortadas pelas montanhas lindas e afiadas do Pontal do Atalaia, às ordens de um certo xamã zen chamado Quem, encarnado Frederico o Lunático – respira, pega fôlego – chegamos à segunda-feira outra vez, se não santa beata, coisa de instantes atrás, a última segunda, quantas horas de sua vida você ainda vai vender? Deus é a grande pena na folha da alma, ora letras grandes (veja), ora pequenas (cegue), ora itálicas (frise), ora cirílicas (incompreenda).”
Desejou morar na Slow Europe, a versão lenta do Velho Continente, seqüelada, enrolada numa smoking de proporções rastafáricas, e admitiu em seu âmago, com expressão resignada, que pessoas que gostam de verdades mais sólidas é um grande eufemismo para pessoas que necessitam de dogmas para viver e que expressam gosto pela tragédia e torcida por acontecimentos bruscos, mal desconfiando que isso nada mais é que a manifestação implícita da vontade de mudança reprimida, tem que ser reprimida, se formos nômades e/ou reconsiderantes, como poderemos trabalhar na linha de produção da Volks, como poderemos ser esmagados na linha de produção, onde haverá de se achar as engrenagens mal-lubrificadas da Grande Máquina ?
“Isto aqui é o inferno metálico, concluo”, o ventre ansioso do céu já violeta fechando-se-lhe lentamente, escapando-lhe por entre os dedos, fenômeno de causa, ou não. Havia vento polar, há que acreditar, havia cajados à venda em Ollantaytambo, por quê não haveria de haver, de houvera, de houvesses ou haveríeis ?
As pessoas são de marzipan, por falta de material melhor, ainda que dulcíssimo, ainda que dulcíssimas, portanto.
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