Já havia postado algumas ilustrações e pinturas do Fábio aqui no presença, agora é a vez de apresentar o bom trato dele com as palavras.
Copo d’Água
Inclinou o copo d’água e surpreendeu-o o contato do líquido com os lábios. Pareceu-lhe algo absolutamente novo e irreal, como se fosse recém-nascido para a maciez do mundo. Sabia, por experiência, que estes estados de fascinação costumam passar rápido e este pensamento o entristeceu no mesmo instante intelectual em que a fascinação o deixou. Nestas horas lhe era inevitável lembrar que, realmente, pensar é estar doente dos olhos. Porém quanto mais evitava pensar mais mergulhava na escuridão fria das reflexões.Adentrou o banheiro sem acender a luz. Queria apenas as sensações. queria sentir mais, queria sentir-se vivo por mais alguns instantes. Girou apressadamente a torneira, encheu as duas mãos em concha e atirou água fria ao rosto. Mais e mais. E quanto mais atirava e se esforçava em sentir, menos sentia e parecia que se distanciava do próprio corpo, assistindo àquela cena patética de fora, como um espectador estupefato.Entrou novamente, lembrou de Teresa e do peso bom, do peso que o faz sentir-se vivo. E lembrou também de como ela se olhava, nua, no espelho por longas horas – a fim de ver aflorar a alma em seu corpo. Pensou em fazer o mesmo. Ergueu rápido a cabeça e mirou seu rosto no espelho. Sua expressão de pavor assombrou-o mais que o pavor em si. Afinal, do que se tratava? Seria loucura, epifania ou simples solidão? Que pensamentos absurdos, que agonia mais sem-propósito!Uma brisa passou por seus pés descalços no piso frio, e se fez sentir um suspiro em seu peito. Só então notou, sem assombro, que seu banheiro não tinha espelho. Que o Sol já estava alto e a luz acesa. Embuçou-se em sua sombra predileta e foi dormir. Os pensamentos mantiveram-se a uma distância respeitosa.
Fábio Portugal.
Copo d’Água
Inclinou o copo d’água e surpreendeu-o o contato do líquido com os lábios. Pareceu-lhe algo absolutamente novo e irreal, como se fosse recém-nascido para a maciez do mundo. Sabia, por experiência, que estes estados de fascinação costumam passar rápido e este pensamento o entristeceu no mesmo instante intelectual em que a fascinação o deixou. Nestas horas lhe era inevitável lembrar que, realmente, pensar é estar doente dos olhos. Porém quanto mais evitava pensar mais mergulhava na escuridão fria das reflexões.Adentrou o banheiro sem acender a luz. Queria apenas as sensações. queria sentir mais, queria sentir-se vivo por mais alguns instantes. Girou apressadamente a torneira, encheu as duas mãos em concha e atirou água fria ao rosto. Mais e mais. E quanto mais atirava e se esforçava em sentir, menos sentia e parecia que se distanciava do próprio corpo, assistindo àquela cena patética de fora, como um espectador estupefato.Entrou novamente, lembrou de Teresa e do peso bom, do peso que o faz sentir-se vivo. E lembrou também de como ela se olhava, nua, no espelho por longas horas – a fim de ver aflorar a alma em seu corpo. Pensou em fazer o mesmo. Ergueu rápido a cabeça e mirou seu rosto no espelho. Sua expressão de pavor assombrou-o mais que o pavor em si. Afinal, do que se tratava? Seria loucura, epifania ou simples solidão? Que pensamentos absurdos, que agonia mais sem-propósito!Uma brisa passou por seus pés descalços no piso frio, e se fez sentir um suspiro em seu peito. Só então notou, sem assombro, que seu banheiro não tinha espelho. Que o Sol já estava alto e a luz acesa. Embuçou-se em sua sombra predileta e foi dormir. Os pensamentos mantiveram-se a uma distância respeitosa.
Fábio Portugal.
4 comentários:
o conteto traz umas referências interessantes ("pensar é estar doente dos olhos") e uma mistura sensorial honesta, do tato com a água e a imagem pouco explorada de teresa.
gostei sim.
Muito bom texto, quase senti eu mesma a água no rosto. Linda é a pintura.
Lindo!
Gostei do corte narrativo "Os pensamentos mantiveram-se a uma distância respeitosa."
Bom,bom mesmo!
Carácules, não é que ele postou mesmo! rsrs
Obrigado a todos pelos elogios. Me pegaram de surpresa porque nunca pus muita fé nos meus textos.
Um grande abraço!
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