1.9.10

Escrever para todo o sempre





"Incursões wittgensteinianas", poderia também ser o nome.
Pra mim, o termo "wittgensteiniano" está para um rolo compressor de palavras, semânticas e sintaxes não necessariamente providas de sentido mas possíveis de serem escritas (ou faladas) como o termo "orwelliano" está para o estado onipresente de total repressão e policiamento.

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Escrevo por livre associação e por caligrafia, por aperfeiçoamento da letra, da conexão de cada letra, da conexão ortográfica dos ditongos, a ditadura dos ditongos, a grande dádiva dos ditongos deletérios, veja você, aliterativamente falando.
Minhas letras são diferentes das tuas, não por protesto meu ou mal-querença, senão que apenas por discrepância de experiências vividas, um acorde menor aqui, gravado por força motriz do acontecimento em si e por força da importância concedida pelo ego ao fato per si.
Posso praticamente continuar ad libitum, versar ao infinito sendo infinitas as possibilidades, a qualquer prazo, em qualquer retidão de ângulo possível, duas vezes infinitas as chances de agregação de palavras sem chances de efetivamente serem, saem correndo, não cumprimentam, são filhos bastardos, párias.
Eu penso, logo existo. Logo, logo computo. Calmo. Frugal.
Alexandrinos são meus passos efêmeros, remetendo-me efetivamente ao dom clemente de pôr sóis, “pôr sóis” é uma pérola estética e palatável. Eu não vou mudar. E nem você. Porque não conseguimos mudar. No fim, é só o nosso próprio cerne que nos interessa, o caroço do abacate, indigesto, exigente.
Há pouco espaço físico, e nós aqui tartumelando palavras, inventando colóquios, preenchendo espaço em branco, só pela frívola mania de nunca quedar-mo-nos satisfeitos com coisa alguma, seja grão seja grã. A política, a previsão do tempo, a briga na esquina, o bar bêbado – são só subterfúgios, sinistramente só.
Micróbios e bactérias imunodeficientes, são só recursos, recursos semânticos que mexem com nossas sensações, como uma paleta faz vibrar a corda de um violão. São só recurso que te fazem cagar de medo.
O que você queria? Esperar para sempre? Esperar para todo o sempre e sempre por respostas metafísicas? Pouco existe além do mero preencher, o Nero a empreender com afinco a queimada triunfal de todas as possibilidades de sucesso que temos de sair do labirinto da retórica, chuva metafórica, venha nos salvar, venha nos ajudar no medo desproporcional que sentimos do vago, do não catalogado, da conta com casas decimais – até quando?
A dinastia do predicado governa com mão de ferro, poucas são as chances avulsas de escaparmos ao roteiro pré-conformado, prévio, pré-socrático. Teria Raskolnikov sido punido caso não houvesse eu lido o “Crime e Castigo”? Responda rápido, tolo, rápido. Atira-me a estante dos livros cabeça adentro ou admite de uma vez que a cabeça não tem dentro e que não há nem livros, nem filosofias, nem partidos capazes de te impor regras através da linguagem.
Levantai as sobrancelhas ao escrever, ínfimos, e admitai que o que vós alcançastes tão pouco valor tem por ter sido alcançado, e que mesmo bom é o que não temos – e que não haveremos de ter jamais.
Por quê associar imediatamente códigos a todas as imagens que vejo, numa espécie de pré-julgamento inevitável, infinito?
Escreve aí, apenas para nunca chegar a lugar algum, nunca mais, nunca houve lugar, agora dorme com um barulho desses, gentileza…


(Aos 12 de janeiro de 2006)

2 comentários:

william galdino disse...

Grande texto marujo, taí caminhos a serem mais explorados aqui no presença, a prosa, o ensaio ... e isso vale pra ti também Vinicius, sei que tens coisas pra colocar em jogo.
E que a insatisfação permaneça nos calcanhares para que as palavras continuem vindo a tona, já que "mesmo bom é o que não temos".

Abraço.

william galdino disse...

Incrível essa foto. lembo dela da capa de um dos tomos do acontecente.