28.4.07

Rafael Elfe

“A s s i m c o m o n ó s”



Eu fui aquele sujeito,

sem jeito

que um dia deixou

de encantos cair

e por ti

num conto

permaneceu fadado.

Aquele que cruzou a rua, num mar de gente

e esbarrou teu ombro, e nem sabia o que diria

e você a pensar na família

dentro de outros problemas

Fui aquele sujeito perdido

numa noite apática

num sinal vermelho

a lhe pedir informação

e bêbada, ao som da época

trouxe-me a metafísica do teu frio olhar de soslaio

E eu, o olhar vazio que te segui à fio

nas Áfricas nebulosas de tua mente

e reverdeceu o pasto colorindo as vias

enxergando a primavera febril de teus lábios

as alfazemas

que brilharam no ardor

que borbulhara ao sol de julho.

Fomos aqueles desconhecidos que se conheceram

num sábado de aleluia

pagãos órfãos de pai

a nova contra-cultura do país

os comunas anti-horários

os novos olhares pseudo-aristocráticos

éramos sós naquela manhã

uma pulga de ouro na avalanche da vida.

Fomos aqueles que desmudaram o destino

o mesmo que nos uniu e nos separou

pelas forças estranhas da paixão coletiva

da rudimentar forma de se pedir, num adeus que seja

e levantar as mãos orando pela compaixão de cristo

nas suas lavandas brancas e seus riachos de lágrimas e sangue.

Onde por horas estivemos?

Quando a bastilha caíu, quando berlim se separou

quando as torres gêmeas desfiguraram um dia inteiro

Onde por horas estivemos?

Quando o cão suicida do vizinho

mordeu o baço do velho

e caídos, ambos, gritaram de uma forma cômica

e tiveram as línguas adormecidas pela ambulância.

Onde por horas estivemos?

Quando harley cruzara o zênite, 67 anos depois

quando as janelas finitas dos subúrbios

de um ponto ao outro fez estrados azuis dobrarem-se

e deixaram os olhos maculados pela vida inteira.

Onde foi que nos deixamos?

naquele relógio amaldiçoado?

sempre 35 minutos para às uma de algum tempo

enfeitiçado, congênito, dentro de todas as formas da casa

descrevendo a nossa doce e amarga despedida.

Onde foi que nos deixamos?

naqueles beijos intermináveis

no final do banco dos coletivos irrisórios

cheios de estrelas nos cabelos

e canelas de areia e mar de ipanemas noturnas?

Onde foi que nos perdemos?

a avenida brasil está parada agora

e nos aguarda àquela tarde

quando o sol castigáva-nos

e entorpecia-nos de amor eterno

como se a eternidade fosse séria

ou qualquer tábua de nietzsche no jornal alemão

Onde foi que nos deixamos?

lembra?

quais fotografias foram reais?

quais as imagens mais cruéis agora?

onde fomos deixar as alegrias

que nos permeavam de dias sem indultos

de horas sem pêndulos de flores em nossas capelas

Quais refeições? Quais talheres destrincharam

o que as bocas adorariam dizer

e engoliram apenas

ou mastigaram todo o infinito rude dos nossos mudos olhos

quais copos de vinho nos cederam a verdade

pra quando deitamos lesos de algum pedido

e deixamos o corpo responder aos instintos

ou tão somente dormir, aquecido um pelo outro.

Quantos dias?

Quantas horas contadas?

Nada, diria...

nada mais do que a máquina fria da vida

nada mais do que a voz indizível do tempo

Fomos e seremos ainda, muitos outros

e nunca deixaremos de ser o que somos

e o que fomos será sempre o que deixamos de ser

quando o que somos será sempre um passo atrás

do que desejaríamos

e esta réstia de seres está à perambular em nossos espaços

e deixar pegadas fundas nas praias espirituais

e nada, diria novamente

nada poderia ser tão mágico e simples.

2 comentários:

Isaac Frederico disse...

caraleo, brodinho ...
que tiro. uma verdadeira avalanche de muitos sentimentos, sensações e aqueles pensamentos escondidos que tantas vezes não permitimos aflorar mais, porque sabemos que se o fizessem trariam guarda-chuvas amargos goela abaixo...
sensações belas também, coloridas; mas me chamou mais atenção aqueles pequenos temas que nem chegamos a pensar como temas, não deixamos, são difíceis pra nós, tantas vezes. fodão.

Lígia disse...

É... Incrível capacidade de mostrar o que por vezes insistimos em calar...
Árido e ainda assim com alguma doçura... O que não impede de perceber também uma certa "amargura"...
Não mais do que é.
Bom, muito bom...