Os escritos de Iberê Camargo estão à altura de sua pintura.
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Mistérios
da vida
Astronauta de uma nave cultural, a Terra, pendurado de cabeça pra
baixo ou para cima, sem teto nem assoalho, navego num espaço que a
imaginação não consegue limitar. Como um marinheiro embarcado à
força procura ler o livro de bordo, para descobrir o roteiro desta
inquietante viagem, consulto o mar, as pedras que são os documentos
mais antigos e os alfarrábios amontoados nos cantos da nave. Alguns
são de uma clareza obscura, outros de uma certeza incerta. Há
muitas rasuras nesses velhos escritos. Sempre lhes falta a última
página. Pergunto então aos viajantes mais antigos, mas nenhum deles
viu os sinais que, dizem, outrora no céu apareceram. Olho para
aquela Lua pisada pelo homem. Penso que ela seja falsa. A Lua, a
minha Lua, é aquela que traz sobre a face Nossa Senhora montada no
burrinho, carregando nos braços o Menino Jesus. É a minha Lua e a
Lua da Chata, minha irmã de criação. Se isso não for verdade,
então os velhos mentiram para nós.
Inquietante é a viagem da nossa nave, correndo pelo espaço sem
fim...Nesta viagem, neste meu durar renovam-se os passageiros. É um
embarcar e desembarcar azafamado. Muitos não se preocupam em
conhecer o roteiro da nave nem o seu próprio durar, considerando que
essa indagação rouba o prazer da viagem. Comportam-se como
turistas. Eu não estou entre esses. Embora saiba que, abrindo uma
porta, encontro uma outra fechada, continuo a abri-las uma após
outra, indefinidamente. O homem quer conhecer.
Esse mistério que veste as coisas está presente também na arte.
Jamais consegui explicar a alguém o algo misterioso que existe na
obra de arte. Esse mistério está no quadro, nos olhos do gato, nos
olhos do homem e na vida. E a tudo envolve e a todos confunde. É o
real na sua concreteza.
Quando à noite, na minha cidade, ouço o trotear de um cavalo no
asfalto da minha rua, eu imagino um ser fantástico a galopar no
escuro pelo céu, pela Via Láctea. Este pensamento, que talvez
pareça absurdo e pueril, é menos fantástico do que o cavalo
troteando por essa rua, desta nave.
Porto Alegre, 6 de maio de 1970
Do livro gaveta dos guardados.
2 comentários:
Sensacional o texto ... uma leitura muito peculiar da nossa existencia, somos passageiros nessa nave inacreditavel. adorei o texto, muito bom.
Olha me respondam uma coisa, que estou cafufado ate hoje,
Por que a maioria das obras de artistas sao tipo um momte de rabiscos, de tintas jogadas ou tal., por que e sempre algo que parece que foi um cego que pintou ou algo asim,.,..,.eu garanto se fosse um macaco que pintasse vcs nao iam dar moral.,. ou se fosse uma criança que fizesse um monte de rabisco., ai sim eu acho que vcs ia dizer.,.nossa que bonito.,e tals,,.,.,podem dizer que nao sei oque e arte.,. mas pelo contrario .,.eu gosto de arte.,. mas so queria saber como pode isso.,.as vezes um monte de rabiscos vira uma arte
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