Que posso eu esperar,
Se
Deste teu olhar oblíquo e dissimulado –
Mal ancorado entre o riso e esta
Seriíssima ruga –
Cuja ranhura mais me prende que assusta,
Cujo vazio mais me instiga que envolve,
Não prevejo o que vai roubar-me;
Se
Ao preencher-te tenho a plácida
Ciência de que o mosaico que formarão as palavras
Será a prova de teu crime hediondo.
E, por fim,
Essa será parte tão primitiva de mim
Que me livrar da culpa provocará um doloroso remorso?
Que posso eu dizer,
Se
Tuas artimanhas levam a forma do meu cinismo;
E teu cinismo o benefício da minha angústia;
E tua angústia o receio pelo meu reinado;
E teu reinado a indiferença pela minha alma;
Se
O tumulto dos meus pensamentos
Enlaça tão bem o seu corpo;
E minha pólvora, ao revestir-se da tua brancura,
Explode naturalmente a muralha
Do mais medíocre entre os meus temores?
Que posso eu, doravante, considerar exclusivamente meu,
Se
Neste duelo no qual te encaro e me desmorono
Naufrago sempre junto a ti;
E renasço tão outro
que não sei onde termino eu e onde começas tu;
Se
Meu mundo tece as sombras que rabisco sobre teu relevo
E teu relevo ilumina o breu de onde saem esses seres
Híbridos, pluriformes;
Fotografias infiéis das desavenças e harmonias
Que tivemos,
Nós,
Poeta e papel.
Amotinados de tão parcas possibilidades?
(Vinicius Perenha – dezembro de 2006)
2 comentários:
Luta árdua em certas vezes. Partir do íntimo pro mundo, " que não sei onde termino eu e onde começas tu",tarefa as vezes ingrata esta de lutar com palavras,mas também gratificante quando nos proporcionam belos poemas como este. Deste conflito Vinicius,saistes vencedor.
caro ourives, quando sai impresso outro catálogo de suas jóias?
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