16.12.06

Anatomia de um conflito


Que posso eu esperar,


Se

Deste teu olhar oblíquo e dissimulado –

Mal ancorado entre o riso e esta

Seriíssima ruga –

Cuja ranhura mais me prende que assusta,

Cujo vazio mais me instiga que envolve,

Não prevejo o que vai roubar-me;


Se

Ao preencher-te tenho a plácida

Ciência de que o mosaico que formarão as palavras

Será a prova de teu crime hediondo.

E, por fim,

Essa será parte tão primitiva de mim

Que me livrar da culpa provocará um doloroso remorso?


Que posso eu dizer,


Se

Tuas artimanhas levam a forma do meu cinismo;

E teu cinismo o benefício da minha angústia;

E tua angústia o receio pelo meu reinado;

E teu reinado a indiferença pela minha alma;


Se

O tumulto dos meus pensamentos

Enlaça tão bem o seu corpo;

E minha pólvora, ao revestir-se da tua brancura,

Explode naturalmente a muralha

Do mais medíocre entre os meus temores?


Que posso eu, doravante, considerar exclusivamente meu,


Se

Neste duelo no qual te encaro e me desmorono

Naufrago sempre junto a ti;

E renasço tão outro

que não sei onde termino eu e onde começas tu;


Se

Meu mundo tece as sombras que rabisco sobre teu relevo

E teu relevo ilumina o breu de onde saem esses seres

Híbridos, pluriformes;

Fotografias infiéis das desavenças e harmonias

Que tivemos,


Nós,

Poeta e papel.

Amotinados de tão parcas possibilidades?


(Vinicius Perenha – dezembro de 2006)

2 comentários:

william galdino disse...

Luta árdua em certas vezes. Partir do íntimo pro mundo, " que não sei onde termino eu e onde começas tu",tarefa as vezes ingrata esta de lutar com palavras,mas também gratificante quando nos proporcionam belos poemas como este. Deste conflito Vinicius,saistes vencedor.

Anônimo disse...

caro ourives, quando sai impresso outro catálogo de suas jóias?