14.4.08

Visitação e enterro do eu ausente


Pintura de Milton Jeron

Visitação e enterro do eu ausente

“mudamos sempre mudamos para trás e para a frente sem fim à vista
não há memória memórias só há coisas que mudamos ou inventamos.”
Carlos Alberto Machado, Mito.


Amanheço
Atravesso pontes entre lados opostos

Banhos de sal

Mergulhos de chuva

Noites de agosto sem beijos de lua
Um edredom de nuvens sobre a cabeça

Véu de paisagens passadas
entre árvores de calçada
na calmaria das casas mudas
onde os cães preguiçavam de latir

Tardes de diaristas limpando vidraças

E zeladores com seus rádios de pilha.
e seus ouvidos de ouvir o mundo

(e olhos de regar canteiros)

Prédios de janelas adormecidas

Folhas secas sentadas no balanço enferrujado
Caminho com o movimento do mundo no peito
Paro em respiro
Colo as costas ao banco da praça
com os olhos ao alto
Sob uma árvore de cinco mil dedos
me dizendo sombra

Vaza por entre suas mãos
um céu azul de fogo

E assim me ponho
paralelo aos meus mortos
e os aceno em despedida

Pra que repousem serenos
no esquecimento preciso.

Abril de 2008.

3 comentários:

Guto Leite disse...

E dale Will, poeta pintor de palavras!

Isaac Frederico disse...

porra nego esculachou os arredores, com esse.
os poemas recentes vêm apresentando mais e mais a característica da digressão reflexiva, marcadamente pelas ruas do rio de janeiro, pintadas antropologicamente com tintas de palavras, como o guto falou.
a imagem descrita sob a árvore é linda.

FlaM disse...

uauu
Vc é bom mesmo, rapaz!
neste não sei se flanei, flutuei ou me afoguei.
Sua poesia é substância psicoativa!
viajei...
um beijo, Flávia