12.5.08

Destilado

Above deep waters, pintura de Hans Hoffman



Então caminho trilhos
por fora.

Invado as janelas que meus olhos alcançam.
Visito livros, cinemas, multidões, horizontes de praia,
num qualquer coisa de esquecer-se.

Os dedos batucam impaciência.
Em bancos de espera,
pelo toque esperado que não toca.

Laço bondes.
Devoro ondas.
Crivo olhos a dentadas nas nuvens (que parecem dragões de lata).
Assisto almoços de família.
Desdenho pingando numa pontada
misto de ira e inveja.

Choro escondido
ao ver dois enamorados incrustando corações a canivete
na pele dura de uma amendoeira.

Rompo o azul , abarco o amarelo, comungo em vermelho.
Num relâmpago,
num vôo
entre os píncaros da euforia e os pastos fundos do abismo,
trezentos e sessenta e cinco anos ao dia.

Repiso o chão
onde os pés eram pares duplos .

Você pode estar na rua paralela
passar dois minutos depois ou uma curva acima.

Desencontro dado numa fração de segundo.

O presente- ausente trinca devaneios na minha ânsia.
Enfileiro um milhão de motivos
Trago rancores enumerados,
mas basta uma lembrança de sorriso e tudo se dissipa.

Em excesso de ti me afundo.
Adentro mares
estrangulo sereias
ofendo netuno
estou surdo.

E volto à terra arremessado contra as pedras.
Retorno ao dia da semana
ao passo calmo
a quase aceitação.
Até ser renovada a procura...
Até um novo mergulho atrás de um aceno
que já não diferencio se sonho ou realidade.

Embriaguez tumultuada,

O quase transe do inóspito.


E quem pode calar o irremediável chamado do coração?


Abril de 2008.

6 comentários:

Unknown disse...

"trezentos e sessenta e cinco anos ao dia"

Este é o tempo dos que vivem repletamente apaixonados.
Agora vi no meu amigo essa força esquisita que nos faz prensar em símbolos, imagens.
Teu poema tem uma sede enorme de gritar. E grita dentre os silêncios inesperados e comuns do dia-a-dia. Consigo visualizar-te cruzando a rua da tua casa, descendo para a nossa velha praia eterna.
O destilar-se torna-te único Will.
Tua arte agora, pra mim, toma o maior gole.
Sentir... sempre foi o melhor poema.

Anônimo disse...

Que lindo, Will!
Também falei sobre destilados em um poema que escrevi hoje.
Sincronicidade?
Beijos poéticos!
Carol.

Anônimo disse...

Caramba, falei também sobre corações em árvores em outro poema!
Adoro essas coincidências inevitáveis! :)

Priscila Milanez disse...

Gosto das imagens e do que elas dizem. Gosto da escrita que joga com as palavras/imagens fazedo-as soarem alto para além das próprias palavras/imagens. É a poesia, não é mesmo?! Se assim não fosse, nao seria...
beijos e até

Guto Leite disse...

Gostei bastante, poeta. Muito do meio do poema para antes! Tem realmente o grito de quem sente e sabe dizer bem o que sente. Grande abraço e arte!

FlaM disse...

E este? era um poema? ('brigada, Guto) Achei que era uma nuvem... (evolo-me ao lê-lo).

Prazer, Flávia