Arrastava as correntes e temia pelo barulho que elas poderiam fazer. A pele em atrito contra o muro sangrava, mas ele já não sentia a dor. Ser visto, esse era o seu maior receio.
Queria fundir-se a algo inerte. Queria deixar de ser. O peso das correntes curvava ainda mais o corpo ferido. Não lembrava qual era a cor do céu, há anos os olhos só vislumbravam o que estava abaixo de sua cabeça. Meteu nos bolsos as mãos sujas (por mais que as lavasse, elas nunca estavam limpas) e encontrou o pequeno espelho. Ao encará-lo, teve novamente diante de si uma imagem embaçada, indecifrável. E desta vez, resolveu encarar-se até o limite e assim fez até os olhos queimarem, mas de nada adiantou, os segundos a mais não lhe trouxeram novidades. Arremessou o espelho contra o chão e o que sobrou foram milhares de cacos minúsculos. Queria chorar, não conseguiu, estava seco. Agarrou com força o aço das correntes e num golpe brusco, as lançou contra o pé esquerdo. Soltou um grito assutador. O sangue manchou a calçada. Continuou a caminhar, dizendo coisas sem sentido. Ao chegar à ponte, a madeira rangeu, sob seus pés, em uma das tábuas, estava escrito uma frase: Ninguém se livra do que é. O corpo estremeceu, fechou os olhos e lançou-se ao precipício. A queda durou mais do que imaginara. Ao alcançar o solo, abriu os olhos e viu seus braços ilesos no centro da multidão. Ergueu o olhar e nada. Só haviam gargalhadas a lhe estuprarem os ouvidos.
Rio de Janeiro, abril de 2005.
Queria fundir-se a algo inerte. Queria deixar de ser. O peso das correntes curvava ainda mais o corpo ferido. Não lembrava qual era a cor do céu, há anos os olhos só vislumbravam o que estava abaixo de sua cabeça. Meteu nos bolsos as mãos sujas (por mais que as lavasse, elas nunca estavam limpas) e encontrou o pequeno espelho. Ao encará-lo, teve novamente diante de si uma imagem embaçada, indecifrável. E desta vez, resolveu encarar-se até o limite e assim fez até os olhos queimarem, mas de nada adiantou, os segundos a mais não lhe trouxeram novidades. Arremessou o espelho contra o chão e o que sobrou foram milhares de cacos minúsculos. Queria chorar, não conseguiu, estava seco. Agarrou com força o aço das correntes e num golpe brusco, as lançou contra o pé esquerdo. Soltou um grito assutador. O sangue manchou a calçada. Continuou a caminhar, dizendo coisas sem sentido. Ao chegar à ponte, a madeira rangeu, sob seus pés, em uma das tábuas, estava escrito uma frase: Ninguém se livra do que é. O corpo estremeceu, fechou os olhos e lançou-se ao precipício. A queda durou mais do que imaginara. Ao alcançar o solo, abriu os olhos e viu seus braços ilesos no centro da multidão. Ergueu o olhar e nada. Só haviam gargalhadas a lhe estuprarem os ouvidos.
Rio de Janeiro, abril de 2005.
4 comentários:
salve william ! bom te-lo de volta hermano.
e voltou em estilo que deixaria kafka impressionado... um pequeno conto carregado de afliçao e pungencia, de valor literario bastante claro, entretanto.
uma secura sentida no leitor.
e ele então ergueu-se e saiu andando, abrindo caminho por entre a multidão, extasiado ao ver-se como pela primeira vez livre das correntes, limpo - como o céu, que viu enfim, azul...
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