André Luis é uma figura ímpar que parece saída de algum livro, o conheci no segundo grau, tinha eu então quinze anos e ele quatorze, convivemos juntos por um ano, ele é daquelas pessoas que basta uma conversa de meia hora para te deixar sem chão. Desses caras que te fazem crescer ,que vêem pra te sacudir, te pôr do avesso e partem te deixando cheio de questionamentos, um cara que aos quatorze anos dizia coisas que só hoje entendo. As últimas notícias que tive dele datam de uns quatro anos atrás, continuava sua vida de andarilho, tinha então 22 anos e trabalhava como barman em Montevidéu.
O texto abaixo faz parte do seu “diário sem floreios”, foram os primeiros textos que ele me enviou, escritos quando ele tinha uns dezesseis anos.
Como ele dizia “literatura de baixo calão”, algo como um cruzamento juvenil de Dalton Trevisan e Bukowski (autores que na época acho que ele nem conhecia).
Raiva juvenil numa prosa seca e de cortes bruscos.
Reveillon
Como um sorriso de dentes podres no horário nobre da tv. O incômodo. Algo que fedia no meio da aparente alegria do plástico brilhante e colorido. Toda espécie de párias, gente feia e solitária, bêbados e moleques de quinze anos balançando seus pintos murchos pra posar de iconoclastas. Mendigos cantando canções de verdade. Blues que vencia toda merda que era cuspida pelos autofalantes. Nem tudo era sol, algo de podre pairava no ar, algo que tentavam empurrar pra baixo do tapete. Voltariam pra casa trêbados, tocariam uma punheta ou chorariam, e alguns deles talvez dessem uma foda mal-dada e adormeceriam em seguida. E depois voltariam aos horários de empregados, ao esquecimento e ao sofrimento silencioso. Enquanto isso algum outro subiria num prédio bem alto, olharia para longe e soltaria uma gargalhada. Ou empurraria as paredes para o mais longe que pudesse e ergueria a cabeça na tentativa de engolir o máximo de ar que nos pulmões coubesse.
André Luis Pontes, diário sem floreios, 1997.
2 comentários:
irado.!
mais real, mais suficiente de poesia que as alucinações mal-escritas que não são nem poesia, nem textos, nem merda nenhuma.
tento com poesia e com a dose exata para se ter uma idéia do que era querido que se tivesse uma idéia.
eu fiquei chocado com a coisa desse andré.
rapaz, me lembro, só que com outro charme, o raphael vizeu:
essa coisa: maluco, out-sider, o rafhael hoje é marinheiro num navio que ia pra turquia no começo do ano, agora sei lá onde tá.
E é a mesma coisa, prosa firme, viu , rapaz, firme!
legal, adorei. fiquei resolvido aqui.
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