29.5.07
Pluma
Perder chão, carregar só distância
Que pesa tal pena,
Um grama apenas – e errante,
A pluma do tão-somente,
O ser edificante
Do mero acontecente –
Eis o dicionário
Da língua dos pássaros,
Do rumor das árvores ao vento,
Do meu mor-preenchimento,
A molécula que vai,
Á água e ao ar –
Vão o vento e o rio
Pois que não sabem ficar.
(21 de maio de 2006, extraido da parte 5 do livreto "Acontecente")
25.5.07
20.5.07
Rafael Elfe
Quando eu morrer,
paguem aos violeiros, os mais antigos
pra na fumaça das violas
meus restos evocarem...
Dêem meu violão ao primeiro menino pobre que surgir...
minha alma vai estar lá dentro,
e ele vai saber exatamente o que fazer,
eu já tive a idade dele...
e também nunca tive um tostão.
Façam chorar o couro dos banjos...
Deixem voar os corvos!
As galopadas do bumbo
me levarão junto às rodas marginais de blues,
e saltarei de dentro das gargantas dos que cantam com dor,
onde eu me ilumine.
Deus está em cordas novas!
Deus está em meus acordes!
Deus é minha voz dizendo essas coisas...
Minha poesia!
É o breu e a luz!
É a rabeca chorando...
A gaita que rasga!
E eu sou o breu e a luz.
Digam a eles que eu não volto mais...
peguei um trem que vai pr´além de mim,
pr´além desse mundo de fábricas e feriados...
e mesmo quando tocarem o último acorde,
enfim, continuarei por aí,
rolando e assobiando com o vento.
19.5.07
Minha mulher e o céu
Cobre-te as espáduas um vestido roçagante
E enlanguesces, toda minha, ancorada em meus braços,
Afagando-me a fronte e beijando-me, possante…
A delicadeza célica em meus sonhos crassos.
Apenas rudes em seus ensejos animais
(Meus cálidos instintos ao segurar-te as ancas)
Mas românticos nos veementes madrigais,
Ditirambos ao picante amor que me alavancas.
Galante, a alcova deixas, o céu aurirrosado
Acende-te todas estrelas e um teu gracejo
Reconhece-lhe o estro deveras arrojado
Enquanto que a esta cumplicidade doidejo,
Uma quimera de mulher e o celeste estrado
Haurindo o torpor do mar de amor onde velejo.
(14 de dezembro de 2006, extraído do livro "Madrigais", lançado pelo Presença em 2007)
15.5.07
7.5.07
Tranquilo
um verdadeiro divisor de águas no continente africano, onde os velhos quase que inexistem.
* * *
Você é velho,
Usa aquele óculos geriátrico.
Orelhas e nariz imensos, não param de crescer,
Nem por um minuto.
Vem ao meu escritório
Mostrar o banco de dados
Da sua empresa de engenharia.
O jeito de quem nasceu há séculos
E aprendeu informática com esmero.
Um hálito amargo abominável
Sentido a três metros de distância
De quem tomou café a vida toda,
O estômago fodido.
Um bom velhinho informático,
Sem coragem de deletar um documento.
Engenharia é rapidez radical.
Celeritas, neuro-cibernética, anfetamininformação.
zzrrt zongingsocingsoc frrr
Não leitinho na mesa de cabeceira.
Seu velho, seu merda.
(Afonso Nives, Johannesburgo, em 2004)
3.5.07
É o que se tem
posto mais uma pérola niilista do Fábio Alves, que tem surgido com surpresas impressionantes.
creio que o poema é carregado de uma reflexão comum a muitos.
* * *
Um quadro negro
E um caderno em branco
Por que estás sentado neste banco
Oh! Juvenil criatura?
Filho de uma mãe a mais
Por que não vive sua vida?
Por que não cura a ferida
Que o mundo se incumbiu
De te dar?
É que você já nasceu devendo
E só falam em dividir
Você quer multiplicar
Passa feroz o tempo sujo
E o que é que você tem?
Nada.
(Fábio Alves, 2007)