29.9.09

Diário do México - 4

Painel de David Alfaro Siqueiros, retratando os mortos por ocaisão da invasão norte-americana


Monumento a los Niños Heroes, cadetes adolescentes heróis no episódio da tomada norte-americana da Cidade do México


Representação artística de indígenas aztecas, no Museu de Antropologia, um dos mais conceituados do mundo, na Cidade do México





.....Me chamou a atenção, na casa, a austeridade vivida (escolhida?) por Trotsky, os cômodos muito simples, bem como a mobília, a biblioteca com muitos volumes em diversos idiomas, a erudição de um dos mais presentes líderes da Revolução Russa de 1917.

.....Após subir ao poder, Stalin, paranóico e implacável, começou a perseguição a seus camaradas do Politburo, o comitê central do Partido Comunista da União Soviética. A partir desse momento caíram figuras de atuação eminente na revolução, como Kamenev, Zinoviev, Bukharin e Trotsky, considerado o herdeiro natural do poder de Lênin e que foi banido da antiga URSS e perseguido, tendo ao longo dos anos toda sua família sido assassinada aos poucos, filhos, sobrinhos, esposa, netos; após estar em constante rotatividade no exílio, passando por Cazaquistão, Noruega e França, Diego Rivera e Frida Kahlo intercederam junto ao então presidente mexicano Lázaro Cárdenas no sentido de conceder asilo ao perseguido revolucionário.
.....Após alguns ataques de agentes stalinistas, finalmente Trotsky foi assassinado em 1940 em sua casa por Ramón Mercader, um stalinista que havia se infiltrado no seio do restrito círculo de Trotsky, se envolvendo sentimentalmente com a moça que cuidava da casa. Mercader fingiu mostrar um documento a Trotsky e, enquanto este analisava-o, sacou de seu sobretudo uma picareta e cravou-a por trás do crânio de Trotsky.

.....Reavivadas estas memórias – no México, curiosamente – fomos caminhando pela calle Abasolo em direção à Plaza Hidalgo, que deve seu nome a Miguel Hidalgo, o padre que lançou a guerra pela independência do país.


# # #

.....Seguida da queda de Tenochtitlán – rebatizada de “México” pelos espanhóis – a América Central também foi conquistada na década de 1520 por forças mexicanas e do Panamá e na década de 1540 a subjugação da Península de Yucatán estava completa; na década de 1550 foi abolida a escravidão indígena, que foi parcialmente substituída pela escravidão dos negros.
.....O lugar de uma pessoa na hierarquia social da sociedade colonial do México era determinada pela cor de sua pele, parentesco e lugar de nascimento; colonos nascidos na Espanha (chamados peninsulares) eram uma parcela ínfima da população mas estavam no topo e eram considerados nobreza, por pior que houvesse sido sua situação social na Espanha; em segundo lugar vinham os criollos, de pais espanhóis mas nascidos no México. Pelo século XVIII alguns criollos haviam feito fortunas na mineração, comércio e agricultura. Abaixo dos criollos estavam os mestiços, indivíduos de ancestralidade misturada e, por último, vinham os indígenas e os escravos africanos.

.....Em 1810 o criollo Miguel Hidalgo y Costilla lançou o grito de independência “Morte aos espanhóis!” e a rebelião cresceu, tomando diversas cidades; Hidalgo, porém, hesitou em tomar a capital. Em 1811 Hidalgo e os líderes do movimento foram capturados e executados; Hidalgo é hoje um dos heróis nacionais, como Pancho Villa, Zapata e Cauthémoc.

.....José Maria Morelos v Pavón, ex-aluno de Hidalgo, assumiu as rédeas, bloqueando a Cidade do México por diversos meses e realizando um congresso onde foram debatidas as linhas gerais do movimento, mas em 1815 foi também capturado e executado.

.....Em 1821 o general das forças reais Agustín de Iturbide conspirou com os rebeldes e foi declarada a independência do México em relação à Espanha; Iturbide se tornou o primeiro e único rei do México, em 1822, pois logo em 1823 um exército rebelde liderado por Antonio Lopez Santa Anna o depôs. Em 1824 uma nova constituição estabeleceu o México como uma república federativa.

.....Santa Anna recebeu certa glória após rechaçar uma nova tentativa de invasão espanhola em 1829 mas é atualmente recohecido como o presidente que ajudou a perder vários territórios do México para os EUA; inicialmente foi o estado do Texas. Entre 1846-1848 ocorreu a guerra mexicana-americana e os EUA capturaram a Cidade do México. Ao fim da guera, o México cederia aos EUA não apenas o Texas mas a Califórnia, Utah, Colorado e grandes partes do New Mexico e Arizona. Santa Anna veio a cair em 1855.




# # #




(Continua em 02.10.2009)

25.9.09

Diário do México - 3

fotos enquanto jovem de Trotsky, que foi assassinado no México em 1940.


Altar para Frida Kahlo







.....Na metade do século XV os Aztecas, também conhecidos como mexica, formaram uma tríplice aliança com outros dois estados do Vale do México – Texcoco e Tlacopan, a fim de guerrearem contra Tlaxcala e Huejotzingo, estados a leste do vale. Data desta época a tradição de oferecerem os guerreiros aprisionados ao deus Huizilopochtli em verdadeiros sacrifícios em massa, a fim de manter a ascensão do sol dia após dia, como era crença corrente.
.....A tríplice aliança, ainda que não tenha conseguido subjugar Tlexcala, atingiu o controle sobre uma população estimada em 5 milhões de indígenas; o propósito do império, voltado inteiramente para a guerra e culto de seus deuses, era coletar tributos como jade, turquesa, algodão, papel, tabaco, borracha e cacau, necessários para a glorificação da elite asteca.

.....À ocasião da chegada de Hernán Cortés na costa do Golfo do México, em 1519, o imperador asteca era Moctezuma II Xocoyotzin, um personagem reflexivo e supersticioso que acreditou, de forma fatal, que Cortés poderia ser Quetzalcoátl, o deus-serpente de plumas. Desse encontro traumático surgiu o México moderno.

.....Os espanhóis foram bem recebidos nas comunidades de Zempoala e Quiahuiztlán, ressentidas pelo domínio azteca. Cortés montou então o assentamento de Villa Rica de La Vera Cruz, onde deixou 150 homens, e rumou para Tenochtitlán.

.....No dia 8 de novembro de 1519 Cortés adentrou Tenochtitlán com 6.000 aliados indígenas; a capital do império Azteca era então maior que qualquer cidade espanhola. Foram recebidos com luxo e pompa de deuses, por um Moctezuma ainda hesitante, a despeito dos relatos de barbaridades dos espanhóis com povos locais e da destruição de ídolos aztecas pelos espanhóis.

.....Com os espanhóis há cerca de 6 meses em Tenochtitlán, chegou em Villa Rica uma nova esquadra, enviada pela Espanha para prender Cortés; este deixou 140 homens em Tenochtitlán e rumou para Villa Rica, onde destroçou os homens enviados por Diego Velázquez, cujos sobreviventes se juntaram a ele. Cortés retornou então a Tenochtitlán com seu novo contingente e pôde se juntar aos homens que havia deixado, sendo logo em seguida presos, todos.

.....Encarcerado, Cortés convenceu Moctezuma a acalmar seu povo mas este foi logo assassinado, não se sabe se pelo povo descontente ou pelos próprios espanhóis. Os espanhóis foram varridos de Tenochtitlán em 30 de junho de 1520, quando muitas centenas de espanhóis e alguns milhares de indígenas aliados foram assassinados, no episódio cohecido como La Noche Triste.
Os espanhóis restantes se reagruparam em Tlexcala e prepararam o contra-golpe, contando desta vez com cerca de 100.000 aliados nativos, ressentidos pelo domínio azteca.

.....O imperador azteca então no poder era um dos sobrinhos de Moctezuma, o hoje herói nacional Cauthémoc que resistiu aos espanhóis mas foi mantido prisioneiro e torturado para que revelasse a locação de um suposto colossal tesouro azteca escondido.

# # #


.....Chegamos à Cidade do México por volta das 0530hs após longa e cansativa rotina alfandegária, de imposição norte-americana em seu eterno pesadelo contra o consumo de drogas de seu próprio mercado interno, trocamos alguma plata e pegamos um taxi para o Hotel Bristol, na zona Rosa. Entre a apreensão pelo tenso momento da ida do aeroporto para o hotel, em virtude do medo do desconhecido, e alguns papos sobre a copa de 70, chegamos ao Bristol e ficamos aliviados pelo quarto limpo e agradável, após a noite de cansaço do vôo.

.....Arrumamos as coisas e após algumas dúvidas sobre pra onde rumar decidimos ir pra Coyoacán, bairro que abriga os museus que foram as casas de Frida Kahlo e Leon Trotsky.
.....Pegamos o metrô estação Insurgentes; o metrô cobre uma extensa parte da grande capital e recebe um imenso fluxo de pessoas, não tão sentido, porém, neste final de ano, com as férias e feriados. Os nomes das estações remetem a aspectos históricos do México, como Cauthemóc, Niños heroes e Balderas; os vagões e as estações não primam pela limpeza.

.....Ali pudemos ter um pouco mais de contato antropológico direto com o grosso da população; os traços são em sua maioria absoluta indígenas, em algum grau similares ao que eu já havia observado na Bolívia e no Peru. A maioria das pessoas têm uma constituição baixa e forte, atarracada. Notamos diversos vendedores ambulantes, de CDs de música local, lanternas, doces etc. A certa altura vimos também uma performance de salteado dentro do vagão onde estávamos, de um rapaz com uma pequena plataforma quadrada de madeira, que ficava na piso do vagão, na mochila um pequeno sound system e caixa de som. Foi muito tocante ver a performance e coragem do rapaz, que após a dança ganhou muitos pesos.

..... A cena me chamou a atenção pela relação do característico machismo latino com a elevada aceitação a gays e lésbicas, em especial na chamada zona rosa, dos bairros mais badalados da capital.

.....Em Coyoacán andamos um pouco e logo chegamos à casa onde Frida Kahlo viveu seus últimos anos de vida, em companhia de Diego Rivera.
A Lígia estava em estado de êxtase; o museu estava bem cheio, turistas europeus e orientais. Na casa, espaçosa e com jardins, pintada toda de azul e vermelho, hava alguns trabalhos da Frida (poucos), esboços, correspondências com Diego e personalidades como Einstein e Trotsky, objetos do casal, de forte inclinação socialista.

Em seguida rumamos para o museu da antiga casa de Trotsky. Foi então minha vez de cair numa espécie de torpor, relembrando a história incrível deste velho revolucionário, na acepção mais puramente bolchevique do termo.



(Continua em 29. 09. 2009)

22.9.09

Diário do México - 2



Ah Puch


Pirâmide do Sol, Teotihuacán


30 dez - parte 1

.....O México se apresenta como um país muito curioso em função de elementos insólitos de sua história, como o massacre levado a cabo pelo colonizador espanhol Hernán Cortés em seu contato com as civilizações indígenas que aqui existiam e como o contato próximo e as estreitas relações socio-econômicas com o todo poderoso vizinho do norte, os EUA.

.....Do início, surge naturalmente a pergunta: Como pôde uma tradição de quase 3 milênios, envolvendo Olmecas, Aztecas e Maias – todos intelectualmente sofisticados, ainda que alguns envolvendo tradições sangrentas – sucumbir ao contato com algumas centenas de aventureiros espanhóis?

.....A civilização ancestral do México, os Olmecas (termo cunhado em 1920, significando “povo da região da borracha”), prosperava na costa do Golfo do México, próximo à atual cidade de Vera Cruz. O primeiro grande centro olmeca floresceu nas proximidades de Vera Cruz entre 1200 e 900 BC. O segundo grande centro olmeca floresceu nas proximidades de Tabasco, entre 800 e 400 BC. Ambos os centros olmecas citados, San Lorenzo e La Venta, respectivamente, foram violentamente destruídos mas aspectos da cultura olmeca prosperaram, como a divindade da serpente de plumas, que perseverou por todo o período pré-hispânico.

.....A primeira grande civilização da região veio a ser o centro conhecido como Teotihuacán; durante seu apogeu, entre 250 e 600 AD, Teotihuacán contava com estimadas 125.000 pessoas. A maior das construções desta locação – a Pirâmide do Sol – foi construída cerca de 150 AD e a Pirâmide da Lua, quase tão grande quanto, foi construída em algum momento entre 250 e 600 AD.

.....Por volta de 400 AD provavelmente Teotihuacán adquiriu contornos imperialistas, focando no recolhimento de tributos em detrimento à conquista pela força. Por volta do século VIII Teotihuacán conheceu sua derrocada, tendo sido saqueada, incendiada e abandonada.

.....Na península de Yucatán floresceu a civilização maia, cujo período clássico foi de 250 a 900 AD, tendo atingido áreas da Guatemala e Belize. O colapso do império Maia começou no próprio século IX e pelo século X os diversos milhões de habitantes maias haviam virtualmente desaparecido, num cataclisma conhecido como o “colapso maia”.

.....Os principais motivos para este fenômeno ainda são debatidos mas acredita-se que a superpopulação causada pela explosão demográfica dos maias entre os anos 600 e 800 AD tenha levado à escassez de água, deflorestamento e conflitos políticos pela disputa dos recursos da região. Outra possibilidade pode ter sido uma seca desastrosa, hipótese respaldada por descobertas geológicas na região.

.....O conhecido calendário maia possuía perfeição a ponto de possibilitar aos maias a previsão de eclipses solares e movimentos da Lua e de Vênus. Era crença corrente que este mundo seria apenas mais um na sucessão de mundos fadados a terminar em um cataclisma e ser sucedido por outro. O caráter cíclico desta crença possibilitava a previsão do futuro através do estudo do passado.

.....Deuses maias incluíam: Itzamná, deus do fogo e criador; Chac, deus da chuva; Yum Kaax, deus do milho e da vegetação e Ah Puch, deus da morte.

.....Outras civilizações surgiram no local, com forte influência maia, como é o caso dos Toltecas. Acredita-se que Tula, 65Km a norte da Cidade do México atual, tenha sido a capital do império Tolteca. Tula foi abandonada no século XIII, aparentemente destruída pelos Chichimecs, em um período de intensa atividade bárbara. Posteriormente, porém, alguns povos mexicanos reverenciaram a era tolteca como uma época de abundância.

.....Posteriormente vieram os Aztecas, cuja capital Tenochtitlán foi fundada por volta de 1325 na região da atual Cidade do México


(continua)

- - - - -








18.9.09

Diário do México

Árvore da Vida, artefato tipicamente mexicano






Aloha Presença !



Darei início à publicação, em estilo folhetim, do diário de bordo da viagem que fiz ao México, em janeiro de 2008 com a Lígia.

Publicarei às terças e sextas, até o fim do diário, que não é muito longo, a viagem durou 3 semanas.


Grande parte dos apontamentos são de ordem antropológica e social, aspecto que de forma geral mais me interessa nas viagens, a relação dos indivíduos com seu governo, sua religão e com a posição no tabuleiro onde seus antepassados os deixaram.

Presença !



- - -



29 de Dezembro de 2008


Chegou enfim o dia de partir para o México. Como é bom voltar à estrada outra vez...

Tínhamos marcado o vôo para Guarulhos (escala) às 2140hs mas chegamos com boa antecedência ao Galeão, a fim de conseguir fazer tudo com calma, e acabaram nos embarcando no vôo das 20hs.


Foi excelente, ganhamos mais tempo para fazer o check-in em Guarulhos, do vôo da Aeroméxico para Mexico City DF. Às 2330hs já estávamos no interior da aeronave, aguardando sua partida. Vôo cheio...

Viva México !

16.9.09

A ruta


Foto do autor, em Ago 2009.


A faculdade não me ensinou
O que fazer
Diante de um Zimbabwe,
diante de Cartoum desfalecida pela raiva;
Uma centelha seria suficiente
Para detonar esse nó no peito,
A culpa de sabermos consumidos
Tudo e todos fora das fronteiras
Do que chamamos metaforicamente de lar.

Em Adis Abeba tirarei a tampa
da pasta de dente mentolada?
Serei gigabytes no Chade?
Pendurarei um Hopper na parede, em Ruanda?
A faculdade me fez amigos,
A ruta me fez sonhos de cura,
Cicatrizantes,
Alhures.


(Aos 13 de abril de 2009)

8.9.09

O que somos



Perco-me no pouco que somos;
Porra, já nem dá pra saber
se somos muito ou pouco -
Somos muitos mas pouco,
Poeira mas muitos,
Planeta mas pouco,
Longe ou perto ?
Dormindo ou desperto ?
Sãos ou loucos ?
Muitos ou poucos ?
Na sala somos poucos mas muito
significativos em nossos versos, que são ...
Pequenos ou grandes ?
Imensos ou micros ?
Divinos ou pagãos ?
Somos poucos loucos ou sãos ?
Muito pouco ou muito loucos ?
Irmãos ?
Benção, poucos ? muitos ?
Alguém ?
(Aos 25 de janeiro de 2009)