25.2.14

Soneto VI


Não lamentes, oh Nise, o teu estado:
Puta tem sido muita gente boa;
Putíssimas fidalgas tem Lisboa,
Milhões de vezes putas têm reinado:

Dido foi puta, e puta dum soldado;
Cleópatra por puta alcança a c'roa;
Tu, Lucrécia, com toda a tua proa,
O teu cono não passa por honrado:

Essa da Rússia imperatriz famosa,
Que ainda há pouco morreu (diz a Gazeta)
Entre mil porras expirou vaidosa:

Todas no mundo dão a sua greta:
Não fique, pois, oh Nise, duvidosa
Que isto de virgo e honra é tudo peta.


Manuel Maria Barbosa du Bocage
(1765-1805)

Do Livro Poesias Pornográficas, Presença & Editora Cozinha Experimental, 2012.

5.2.14

Estrela da manhã


Quero que tenhas um vento sujo
A entrar por tuas janelas
Varrendo, fétido, teus papéis e máscaras.

Quero que em teu pomar cresçam larvas
Maiores que maçãs
E que tenhas fome e as devore
E que limpe os cantos dos lábios, imundos
Com lenço alvo de agradável perfume.

Quero que sangres o bastante
Pelo nariz, prefiro
Diante dos teus mais audazes juízes
Diante dos teus santos patrões
E sob o olhar enojado das crianças.

Sim, quero que sintas a estocada
Quando estiver distraído
Quero que tua tosse possa doer por meses
Quero que teus amigos sejam cruéis
E que teus dentes apodreçam, mas permaneçam, impuros
Na boca que irá buscar, sublime, o amor. 
  
Só assim a alegria e o júbilo
Te sorrirão quando a ti derem as migalhas com que nos contentamos
Nós, de tão pura alma e tão escasso saber.

Aproveite o dia, irmão
Mastigue as agradáveis pedras que te forem dadas
A virtude não virá sob o doce aspecto da satisfação
Mas sob o áspero jugo humano
Da fome.

Vinicius Perenha, do Livreto Torres Homem, 278.