25.4.08

O Mekong e a pequena menina lao

filhos da viagem ...

- - -

A passos vacilantes
a pequena menina lao
desce de encontro ao Mekong;

em seu interior
orando a Buda que lhe ampare
entende que mesmo as calmas águas
da Pérola da Ásia
lhe são ameaçadoras.

A passos decididos
molha os pés na turva água
que boas-vindas lhe refresca
e lhe oferece
uma pequena flor de lótus,
vinda na correnteza,
sabe-se de onde.

Podia ser do norte
ou mesmo de Burma
ou mesmo da China,
flutuando forte
com o intuito quem sabe
de regalar, gentil,
a pequena menina lao.

Os ninos olhos de amêndoa
avistam a bela flor
que se aproxima,
alvoroça-se a pequena menina
deleita-se com a visão
da inesperada pérola
que vem lhe ter
aos joelhos imersos –
que a esta altura
a pequena já refrescou os pés
e adentrou até o limite
de seu delicado equilíbrio.

A pequena menina lao
resgata a flor
e diz “ korp jai lài lài ! “
e o Mekong se vai
infindo em seu curso,
enorme em seu encanto,
milênios de fluxo
abençoando a Ásia.


(Siem Reap, Cambodia, aos 01 de abril de 2008)

Agora 2

Um poema do Rafael sem meio termo. Um esbravejar de amor colérico, num cenário que varia das explosões cromáticas ao preto e branco, como cenas nonsenses de um filme de Buñuel .

"Agora 2"

Já ninguém mais lhe espera
filas de hospitais, reservas de restaurantes.
Ninguém mais te ferra!
Que passos de piolho burro!
Agora amassa o cão,
amai-vos vocês tão vãos!
Já ninguém mais te deseja assim
era tarde tão tarde que amanhecemos
Ninguém nas fotos abraçando-te
nem aqui, nem ali, nem em mim e nego.
E agora?
Que idiota vai te sorrir sempre?
Que imbecil vai te telefonar pra ouvir a tua voz - apenas.
Quem vai querer ver tua bílis golfada?
Quem vai arder por ti num inferno diário?
Quem vai vender tuas vendas tuas sendas imaginárias de algum porto lúdico
das tuas mentiras escrotas?
Quem vai ser o seu escroto e dor quando te chutarem?
É o amor meu bem!!
Quem vai vomitar tua cara no meio da sessão,
e levantar sorrindo suas pernas para lhe meter um taco de baseball
colorido te fazendo um filho?
Quem vai dizer que te gosta tanto que merecia uma vagina de cólera e
ligaria um fusca com tuas remelas vivas?
Sou tão inocente amor! Veja...
Aqui desenho tua goela.
Aqui marco tuas unhas... quero ser um santo!
Você trastejaria outras canções
não as minhas!
Quem te enfeitaria de músicas?
Compra outra moléstia... as minhas terminaram.
Quem?

R. Elfe , sem data.

22.4.08

Água lisa

Interferência digital sobre técnica mista, 2008.


Desce o riso pela nuca
Numa linha curva
E repousa entre a brancura das costas
E as coxas em que me deito

Levante de cílios
Abraço de mundo em fim

Canto de boca

Olhar úmido

Música de ponta de dedo

Nome em sussurro deslizando pelas orelhas

E sobre a mesa
descansam juntas as mãos

Entre os pratos dos nossos quereres.

2007.

18.4.08

a peste

the third hand, 1947- pintura de Hans Hoffman


Há algum tempo atrás reencontrei-me com os rituais de ver e olhar, e fiquei com alguns versos do poema a peste ressoando em mim, "não há esperança sem dor" e "só há o que se ama e o que se pode desesperar" são bons exemplos de versos certeiros deste que considero um dos melhores poemas do livreto. Assim como o último poema do Vinicius publicado aqui no Presença pelo Isaac, o título do poema também faz referência a um livro de Camus.
Consciência e revolta a favor da vida..

a peste



Somos todos assassinos, minha filha.
Só nos restam pequenas escolhas,
matemos portanto,
só os heróis.

Quando sabe-se muito,
e eu sei,
não há salvação,
não haverá salvação,
meu amor.

Mas trabalhemos na cura,
sem distração.
Cuidados com a contaminação,
felicidade sem termo, nem medo.

Os muros vão se abrir um dia,
Mas já está tudo aqui,
ao alcance.

Não posso esquecer o que amo,
nem um instante,
nem um momento,
não há esperança sem dor.

Eu e o flagelo
nos aproximamos demais.
Vi meus olhos vazados,
perdi a fé.
Não há sono nem descanso.
Só há o que se ama,
e o que se pode desesperar.

Vinicius Perenha, Rituais de ver e olhar, 2003.

15.4.08

Aos olhos verdes


Quisera eu há tempos

Ter aquilo que agora tenho

E um tanto acanhado de tanto contento

Ao incompreensível agora ascendo

Qual mal assola o fanfarrão?

Qual suposta força eu tinha até então?

Ao supreender-me a cada lance que te vejo

Furto-te minhas vistas por receio

De tão bela imagem que recebo

Venha a ser tudo aquilo quanto almejo

Sou então um barco - um bocado torto

Que da tempestade chega ao calmo porto

Desorientado e pouco descontraído

Acanhado como hóspede - com o ego reprimido

Não tenho medo de falar-te

Do quanto estou contido

Quero-te tanto!

Desejo-te!

Então, por fim - que tudo tenha

Qual não é o verniz que se acabe e mostre a vil madeira?

Da qual sou feito e não se empena

Quando exposta calma ao seu sereno

CONFESSO-TE

SINCERO-TE"

14.4.08

Visitação e enterro do eu ausente


Pintura de Milton Jeron

Visitação e enterro do eu ausente

“mudamos sempre mudamos para trás e para a frente sem fim à vista
não há memória memórias só há coisas que mudamos ou inventamos.”
Carlos Alberto Machado, Mito.


Amanheço
Atravesso pontes entre lados opostos

Banhos de sal

Mergulhos de chuva

Noites de agosto sem beijos de lua
Um edredom de nuvens sobre a cabeça

Véu de paisagens passadas
entre árvores de calçada
na calmaria das casas mudas
onde os cães preguiçavam de latir

Tardes de diaristas limpando vidraças

E zeladores com seus rádios de pilha.
e seus ouvidos de ouvir o mundo

(e olhos de regar canteiros)

Prédios de janelas adormecidas

Folhas secas sentadas no balanço enferrujado
Caminho com o movimento do mundo no peito
Paro em respiro
Colo as costas ao banco da praça
com os olhos ao alto
Sob uma árvore de cinco mil dedos
me dizendo sombra

Vaza por entre suas mãos
um céu azul de fogo

E assim me ponho
paralelo aos meus mortos
e os aceno em despedida

Pra que repousem serenos
no esquecimento preciso.

Abril de 2008.

"Últimas palavras"

Os meus?
Maus poetas!
Não andam por aí cobrindo falhas.

os amantes da escura escuna, de esqueletos,
vossos esqueletos, mortos - afundemos no verão.

os que não vieram,
não tiveram amigos ao redor farfalhando asneiras,
senão fantasmas de amigos que não existiram,
e a caveira de Cristo, senhor de todos nós -
mesmo que não queiram.

que não vieram, como Cristo,
mas amaram e morreram mastigando um ódio sujo de luz.

que não ousaram estradas turvas
pra dizer que foram turvos;
mas turvaram cada estrada marcada por seus passos
e desapareceram com a chuva.

que não deixaram de marchar pra morte
uma vez se quer, em toda vida.

e não escreveram poemas fáceis,
mas sonharam ser poemas fáceis.
e escreveram livros de porta de escola
desvendando os risíveis "poetas"
que facilmente se confundiam com poetas,
mas estes, jamais serão medíocres.
(não falo de pessoas que escrevem)

que não rimaram para não se assemelharem aos bons,
e rimaram pras urnas onde depositaram seus dedos,
com toda a maldade que Deus lhes oferecia.
e foram rimas inteiras, no sexo, nas traves do paraíso,
nas marcas da peste, nas antigas urticárias do espírito...
mesmo sentindo a maquinaria verbal enorme
e em segundos explodia, mil palavras iluminadas,
já rimava então, mais que vivia.

que falaram de Deus como uma força mágica
e tocaram Deus nas colheitas e nos invernos escuros -
e ninguém admitia, mas contaram histórias pequenas,
contra os pedaços de cabeças sitiadas.

foram deuses em cada inferno que inventaram
mas sempre com olhares venenosamente livres.
e jamais penderam da genialidade,
e da crença na genialidade.

e cogitaram duelar com qualquer um
com espadas de feno, olhos de tinta vermelha,
que chamaram todos para ver na lua seus escritos
e ninguém enxergava,
ninguém mais alto que eles.

que nebularam próximos,
tão próximos que morreram por longas distâncias.
e jamais saíram de casa;
e cuidaram dos irmãos, da mãe, das paredes...

Não ousaram brincar do que chamavam poema,
mesmo a pena mórbida que levaram até que o céu,
deitou sobre seus devotos ídolos.
que pisaram cabeças, que beberam cabeças sitiadas - novamente.

Os índios do oriente!
As crianças assombrosas!
nenhum deles fez com que o amor rejuvenescesse
mas optaram por navios de verdade, sem oceano algum.

que sob cascos e rascunhos de sóis, engendraram o cio real.
que foram os melhores amantes, com olhares de partida
que nunca ousaram suspender seus dedos temerosos contra a musa
dela, todo o ar que lhe faltaram, quando deixaram os primeiros
nacos de terra sobre os seus olhos.

Enfeitaram, queimaram e morreram, tão felizes...
agora, onde as flores gritam seus nomes esquecidos, escrevem poemas coloridos
acreditando e fazendo com que as cores sejam louvadas.
Qual de vocês pintaria uma flor?

13.4.08

A queda

um clássico de uma época de precisas penas do Vinícius, "A Queda" tem seu próprio cartão de apresentação.

- - -

Velocidade, vertiginosa decadência das fibras.
Os dejetos do homem,
prendem-se aos dedos
que acenam um último adeus...

Desmembrado garoto,
seco, sem lágrimas.
Arremessando memórias em fúria
contra um rosto envelhecido, e olhos opacos.

No fundo, o grito que antecede o derradeiro respirar, confunde-se
ao som de ossos partindo.
Desespero mudo,
infância,
memórias.

A carne berra a dor do consumo,
Os vermes (daqueles que riem) consomem.
A morte, e seus malditos minutos.

Salve a manhã!!
A louvável realidade do agora!!


(Vinícius Perenha, do livreto "Rituais de ver e olhar" lançado em 2003)

10.4.08

Brisa

A ponta do carvão arranha o papel em branco.
Madeira queimada desenhando em atrito.

Esboço de rosto em perfil
Batizado com sombra de verão.

Sol cru
Flor de cacto
Ou
Ipanema colorida de realidade photoshop
Com suas ondas desnudando seios

Perfeita visão do paraíso.

Do outro lado do asfalto
Cipó seco.

E dama do lotação

Te arrastando avenida adentro
Pro seu sagrado inferninho de cada dia.


Abril de 2008.

7.4.08

Re-feição

Devido ao sucesso da estréia da Carol no presença, posto aqui mais um pra mostrar que ainda há muito mais pra ser lido.


Sai o sapo da garganta
para devorar a mosca
que entraria em minha boca
já mais fechada
fachada para o medo de cantar
fichada na polícia da palavra
pois, mesmo muda,
não consigo me calar
diante da beleza ab-surda
deste seu olhar
que me fita com laços
com lapsos
- COLAPSO! -
e com lápis aquareláveis colorindo a lagri-mar.

Paixão que me alimenta
- alho, menta...
E você dando sopa
de meia-tigela
prá minha mosca pousar
ou para o sapo entalado
se a-brigar
no seu brejo breve beijo
de boca entreaberta
e soltar
o soluço salutar
a(s)saltar
roubando o silêncio
e segue o sal do olho cego, em pranto,
temperando a fluidez do paladar
- com louros louvo!
Pois, para nutrir meu canto,
eis asuafeição,
de novo...

Carolina O.

5.4.08

Estrelas

Te vejo
E as respiracao te ve
Pois que suspende
Sua calma atividade
Para ver-te passar
E em seguida ferver,
Ofegar
Sem pedir permissao,
Corar-me a face,
Esperar que passe
Sua musa-estimulo;

Nevasse estrelas
Menos me impressionaria
Pois que tu es luz
(Que mais serias?)
E estrelas a tua volta
Apenas mornas calorias.


(Cidade de Ho Chi Minh (Saigon), Viet Nam, aos 4 de abril de 2008)

1.4.08

Cantiga pra ninar tubarões


Litografia de Darel Valença


Sua embriaguez derrama delírios
Delira palavra.
A mão receia
Anseia.
O lobo feroz se solta na madrugada.
Rosna.
Canino à mostra.
Agarra decidida
Põe coleira de dentes.
O suspeito se confirma.
Aceita seca investida
Planta-flor-carnívora
Que pede mais e não sacia.

Fevereiro de 2008

Inebriante

leitores e poetas do presenca !
aproveitando a escalada no nosso rol de leitoras e ainda na serie de sucessivos poemas romanticos que aqui tenho postado - hora perfeita de lancar o "inebriante".
abracos a todos !

- - -

Era virgem.
Atè que, no limite,
Explodiram-lhe os hormonios.
Que libido resiste
Aos doces demonios
Clamando por sexo?

A primeira estocada
Abriu-lhe, dolorosa,
Os grandes làbios, inchados;
Tìmida mas fogosa
Gozou como se em guerra.

Estocou no ventre o fèrtil leite
Do macho que lhe fodeu
À alta madrugada;
E as gotas que lambeu
Da quente rola, jà cansada -
As poucas que sobraram.

Femea inebriante,
Linda mulher e jà completa,
Os bagos rocando-lhe as nàdegas,
Cadenciando a foda seleta
Dos gozosos e amantes seres,
Ofegantes nos tantos prazeres
Da còpula, de amor repleta.

Jà sem ar deitou-se, jeitosa,
Acomodou-se no peito parceiro,
Suspirou com uma graca felina
E fez-se um sonho fagueiro -
Total triunfo da Natureza,
Femea prenhe e feliz,
Em sua voluptuosa beleza.


(Siem Reap, Cambodja - aos 01 de Abril de 2008)