30.1.07

Wladimir Cazé

Conheci o Wlad em 2004, quando ele foi em Campinas lançar o folheto de cordel "A Filha do Imperador que foi morta em Petrolina" - que eu recomendo muitíssimo. Essa foi a primeira publicação do Wlad pelas Edições K, selo criado por um coletivo de escritores, do qual ele faz parte. Depois ele lançou suas poesias reunidas no "Microafetos", em 2005.
Wlad é daqueles que nasceu poeta e outro destino não poderia ter. É também um amigo de quem sinto muita falta.
Posto aqui um dos meus preferidos do Microafetos. Pra quem quiser saber mais sobre o autor e suas novidades: www.silvahorrida.blogspot.com

O lagarto-planta

"Lagarto leva o dia
tatuado nas costas,
roupa cor da pele.

Tem estilo versátil
durante a tarde toda:
réptil não se repete.

Logo ao sol que esquenta,
as vestes mais não mexe,
fica atrás da folhagem.

Mudo, quieto e terrestre,
passa para quem o vê
por ser parente de plantas.

Camuflado na grama
carcomida de escamas,
é parte da paisagem

Devagar sai da sombra
para perto da água
se sede tem de onda.

Se mestre se quer
de uma língua contrátil,
finge fome ágil,

fisga num visgo
insetos sem aviso.
Se alimenta de antenas.

Fixa o olho no céu,
comanda o desenho
imprevisto das nuvens.

através do deserto,
dirige quando a noite vem
se deitar sobre as pedras,

escorrega nas trevas
(carregado de cores)
para dentro da terra.

onde é guarnecido,
aninhada na cauda
a manhã inicia:

lagarto tem o dia".

(Wladimir Cazé, junho de 2005).

29.1.07

O torno na bancada da vida

O mundo passou mais devagar depois de alguns anos
ficou severo e menos ansioso
quis mais saúde, mais sabedoria, mais calma
e menos tempo acordado.

O mundo reconsiderou oposições
soou mais sensato e nunca mais esperneou.
Adquiriu uma face rígida, austera e às vezes sarcástica
porém mais generosa.

O mundo sonhou menos nestas últimas noites
e realizou mais – inevitavelmente
nestes últimos dias.

Esta não é, de fato, uma Terra Antiga e quiçá
possa ainda este mundo ser chamado jovem
mas amadureceu, sem dúvidas.
E hoje é menos turbulento.
Vê-se aos poucos que vai serenando.
Vê-se, que aos poucos torna-se aquilo que ninguém esperava.
O mundo mestres, envelheceu deveras
E eu duvido, e muito,
Que tenha sido só o meu.

Avante!

(Vinicius Perenha)

* * *

Um poema foda, de 2005 ou 2006.
Continuamos avante, desnecessário dizer.
A gincana bebe apenas êxitos,
ainda que repleta de fracassos.

26.1.07

Amálgama

aloha poesia !
poesia rumo a alfa-centaurus.
sensação,
frêmito pulsátil,
êxtase tátil

* * *

Cingo-te toda, o frêmito pulsátil
De teu dedicado ser, que passeia
Em meus braços, é o fator que incendeia
A nascente deste êxtase tátil.

Entrego-me na doçura insular
Da unidade total do que tu fazes
Com o que tu és, as graças loquazes
Que ecoas – a reação pupilar

Te define: tua ânsia de fluir,
Teu desejo nato de permitir
Se traduzem em teu toque saudável.

Intumesço-me em excitação pura
E o abraço genital que traz cura
Nos une em amálgama inseparável.

(Fernando de Noronha, 25 de novembro de 2006)

23.1.07

Referencial

fogo no milharal !
foguete rumo ao espaço sideral .
em que coordenadas ? em que referencial ?
tou em obras ...

* * *

Referencial

Aos átomos já fazemos visitas,
Infrenes medições das mais diversas
Impostas às suas nuances catitas
Do Todo misterioso egressas.

Dos planetas mapeamos a dança,
Inclusive de Saturno os anéis
Listamos, em escrutínio que cansa –
Cascatas de informações ouropéis.

Tolejamos nosso Logos excêntrico,
Eneários compêndios quase vãos –
Destilamos orgulho antropocêntrico !

Sempre quanto, nunca quem nem o quê
Iníquos, esquecemos dos irmãos
Minguados… e qual de nós quer saber ?

(13 de dezembro de 2006)

20.1.07

Soneto do amor roaz

aloha presença !
estou em terra de volta e poderei voltar a postar - volto imerso na fantasia do carnaval, do nada ser, fica sentado de sacanagem...
a fantasia é o alimento, pra sempre, o combustível do nunca.

Soneto do amor roaz

Principia-se a túmida quimera

Em meu juízo cheio de bulício

Quando te toco – e tamanho suplício

É te tocar e não te ter... quisera

Submergir no púrpuro desvario

De beijar-te em edênico torpor

E apascentar este roaz amor

Que me ferve em um delírio sombrio...

De modo que, infinito, assim perdura

O desserviço de minha impostura

Até que no púlpito de alva febre

Eu consiga moer a navalhante

Distância e tenha a coragem galante

Que esta putrescível prisão me quebre.

(Recife, 27 de novembro de 2006)


15.1.07

Vamos, irmão

”Vamos, irmão … Por quê ascender tanto? Para quê?” e, por Deus, ascendeu de forma imediata; pássaros cortejavam-lhe despreocupados, na primeira camada da atmosfera terrestre, o filme aeróbico que envolve a superfície da superfície do nosso planeta. O polo setentrional mudou-lhe a direção vetorial, o meso-centro atlântico de alta pressão esqueceu-lhe e as próprias estrelas notaram por si, no intervalo semi-aberto pós-estratosférico. “Cheguei ao fundo do poço”, pensou, triste, entretanto há já longos anos ciente de que subir, por força de necessidade, é o mesmo que descer, na nossa absoluta falta de referencial cósmico e relativa lacuna de interpretação.

Era ser cognoscente de turbilhões de sensações diametralmente opostas se alternando, turbilhões de diâmetros sensacionalmente alternados se opondo e etcétera, são só palavras. Ser cognoscente e sujeito do predicado divino manifesto, menos por vontade própria que por absoluta falta de escolha, fibras encarnando e desencarnando alheias, inteira e dramaticamente alheias à vontade dos homens.

“O que verdadeiramente importa agora? Arrumar um grande objetivo condutor de todas as atitudes, catalisador de todos os esforços e posturas, ou ir tocando as pequenas coisas, aguardando o momento oportuno do grande boom …nem ao menos disto sabes, seu grandíssimo paquiderme inútil”, condenou-se, severo em demasia. “Preciso achar o balanço entre o desejo genuíno a médio prazo, passando incólume pelos desejos sectários inflamados de um momento e pela cessão completa à lógica da modernidade. As oscilações serão normais, saiba disto.”

E então abriu-se o céu encarnado, trezentos e sessenta graus de visão em seu estado de superciência e supra-cognoscência, um céu que podia ser chamado de concrético, fosse o inferno metálico, ou plúmbeo, fosse o limbo isotônico. O céu encarnado e vivo, aliterativo, flutuabilidade negativa, espasmódico em reações provocadas, plástico em seu leiaute.

Abriu-lhe o ventre, à aproximação final de seu corpo, tentação superlativa de adentrar, tentacíssima de voltar ao ventre da mãe, mas… hesitou. O magnetismo quase bipolar apresentava-lhe, entretanto, a chance de ser aquilo tudo a Grande Babilônia escravizante, chance equilátera ao ser aquilo a Redenção Derradeira, o berço das sensações ampliadas de entrega e acolhimento irrestrito.

Claudicou, olhou as horas no relógio de pulso, um desânimo latente, no geral.

Então, ascendeu a satélite, orbitou e passou-se uma época, um terreno onde se desenvolveram eventos, que abriam caminhos para novas portas, assuntos pantanosos, retórica em jaulas, caminhos pouco confortáveis, oxigênio reduzido. “Quais mil hipóteses poderiam ter sido se não fosse esta?”

Sentiu-se desconfortável, doente, moribundo; literatura densa, labirintos kafkianos, que rumo tomar, que escolhas fazer quando nenhuma postura é boa ou sólida o bastante para merecer a unanimidade do soberano conselho de juízes da sua cabeça?

Deixou-se entristecer, desconfortável, doente, nauseabundo, mais pela grande esforço que teria de efetuar que pela inevitabilidade da química da depressão, verteu uma lágrima, a única sem controle, encabeçando um grupo de todas as outras ainda represadas sob os olhos lassos, por ligações químicas fortes jorraram logo em seguida, formando riachos delicados na batimetria de seu rosto, “vamos então adiante na maratona, adiante na maratona vamos nós, pouco importa se importar, a juventude é fátua”, pegou fôlego e seguiu, aguerridamente – “o domingo não sendo santo, a segunda não dá ressaca.”

“As nuvens são de marzipan, na falta de outros materiais plausíveis de ser, e então são cortadas pelas montanhas lindas e afiadas do Pontal do Atalaia, às ordens de um certo xamã zen chamado Quem, encarnado Frederico o Lunático – respira, pega fôlego – chegamos à segunda-feira outra vez, se não santa beata, coisa de instantes atrás, a última segunda, quantas horas de sua vida você ainda vai vender? Deus é a grande pena na folha da alma, ora letras grandes (veja), ora pequenas (cegue), ora itálicas (frise), ora cirílicas (incompreenda).”

Desejou morar na Slow Europe, a versão lenta do Velho Continente, seqüelada, enrolada numa smoking de proporções rastafáricas, e admitiu em seu âmago, com expressão resignada, que pessoas que gostam de verdades mais sólidas é um grande eufemismo para pessoas que necessitam de dogmas para viver e que expressam gosto pela tragédia e torcida por acontecimentos bruscos, mal desconfiando que isso nada mais é que a manifestação implícita da vontade de mudança reprimida, tem que ser reprimida, se formos nômades e/ou reconsiderantes, como poderemos trabalhar na linha de produção da Volks, como poderemos ser esmagados na linha de produção, onde haverá de se achar as engrenagens mal-lubrificadas da Grande Máquina ?

“Isto aqui é o inferno metálico, concluo”, o ventre ansioso do céu já violeta fechando-se-lhe lentamente, escapando-lhe por entre os dedos, fenômeno de causa, ou não. Havia vento polar, há que acreditar, havia cajados à venda em Ollantaytambo, por quê não haveria de haver, de houvera, de houvesses ou haveríeis ?

As pessoas são de marzipan, por falta de material melhor, ainda que dulcíssimo, ainda que dulcíssimas, portanto.

Isaac Frederico, no livro II da série Acontecente, de 2006.

13.1.07

Xeta

E foi lá que eu fui. Cacei, andei, rastejei. Os olhos tristes da vespa faminta em busca de um alimento. Alimentei a minha fome de sangue. Alimentei a minha fome. Minha sede de sangue. Meu sangue de fome. Seca da vida. Vida seca. Da minha espingarda saiu um girassol que se atirou em seu destino absurdo pelo mundo obscuro e por um mar de curiosos. O girassol girou bandido. Mas se fez de surdo quando alguém lhe chamou de sol. Ato, cato, rato, mato, o fraco tato do tatu tarado se desfez em maços de cigarros curtos de palha rala.

E foi lá que eu fui. Voei, flutuei, sobrevoei. Os dedos que se mexiam em forma espiral eram agora um pouco de tinta, de pinta, de pincel de madeira em verniz. Espiral de ar. Concordando com os movimentos do zéfiro, se fez um ato, uma música. Música do bam bam bam, tico taco, glena glino, hino ano, pota pota, guico guico, ram ram ram, potoc potoc. E o ato se fez bandido, banido, bajulado e abaixado. Em pequenas e grandes pernas tortas se fez o ato.

E foi lá que eu fui. Queria admirar tua flor. Queria ver teus olhos. Queria beijar teus lábios. Queria andar em teus caminhos. E foi lá que encontrei o espelho. Foi lá que entrei na água e descobri a leveza do meu corpo. Foi lá que virei criança. Foi lá.

Rio, mês 01, ano 2007.

11.1.07

As manias de Ítalo

Foram três facadas em pontos estrategicamente escolhidos. Ela era assim mesmo – meticulosa, presa a detalhes, pormenores, ponto e vírgulas.
Quando estavam juntos, Lúcia observava em Ítalo coisas que foram tornando a convivência impraticável. A maneira como ele pegava a xícara - o mindinho formando um ângulo de 45 graus com a asa. A maneira como ele lavava a louça – os pratos antes dos copos. A maneira como ele arrumava o armário - as camisas brancas misturadas às coloridas. Para ela, todas essas pequenas coisas eram absurdamente inaceitáveis.
Não sabia mais responder porque tinha se casado com ele, o desconhecido estranhamente metódico. Achava que o amor resistiria ao tempo e à má sorte. Mas as razões que justificavam o matrimônio já haviam há muito caído naquela rua, como era mesmo o nome? Desesperança.
“Alguém que gosta de feijão gelado é capaz de qualquer coisa”, pensava Lúcia. Com o passar dos meses, começou a ficar assustada, imaginando as atrocidades que Cícero poderia cometer. Mas, ainda assim, disfarçava. Para não tornar o curta-metragem do casal um filme de tolerância curta.

Em uma noite de valsa triste, ela chegou em casa e encontrou o esposo preparando um molho branco com a colher de mexer doces. Foi a gota d’água. Lúcia abriu a gaveta dos talheres e pegou a faca de carne. Chamou a atenção de Ítalo e deu o primeiro golpe, certeiro, no mindinho. “Esse você não levanta mais”. Depois foram as mãos. “Onde já se viu usar a colher dos doces para fazer molhos salgados?”. A terceira foi em um dos olhos. “Já que você não consegue diferenciar o branco das outras cores, talvez não precise de dois”.
Ítalo só perguntava a razão de toda aquela fúria. Ela respondia que tinha pavor do que ele poderia fazer com ela. Os hábitos do marido não eram os de uma pessoa normal. Ele disse que a amava. “Vá embora, Ítalo, aproveite que você ainda tem os pés”.
Foram três facadas em pontos estrategicamente escolhidos. Ela era assim mesmo – meticulosa, presa a detalhes, pormenores, ponto e vírgulas.
Rio, janeiro de 2007

9.1.07

Profilaxia Profícua

Mais um do Felipe "Adbul" (alguém vai contar o pq do Abdul, afinal?) Sandin.
Segundo reza a lenda, o Isaac musicou o poema há algum tempo.
Resta saber quando vamos ouvir essa pérola.


"Sofro de uma doença gravíssima
Sintomática pela razão que dói
Diagnosticada como incompreensão aguda
Contagiante por via da falsa lógica
Contagiosa por via do falso real

Unanimidade há, quando todos discordam
Divergências sobre a origem, são insolúveis
Remedia-se pela aplicação de loucura
Anestesia-se pela confecção de poesias
Previne-se pela introjeção de entorpecentes
Opera-se definitivamente pela revolta
inconseqüente contra toda opressão humana
Pelo desprezo do ocidente
Pela arte incongruente


Profilaxia profícua somente pela
Recusa do poder
Vergonha da ganância
Exercício da brandura
Desleixo com as leis e
Fé no amor"

7.1.07

Lígia Pinheiro

Títere
Data ?????

Ir andando,
me afastar.
Me afastar ao máximo,
do máximo.
E ainda assim, dividir.

Deixar para trás o lixo
O lixo vazio que me ensinaram
que eu precisava.
E ainda assim ter o que dividir.

Deixar para trás o cenário
Mas ainda me comportar como um boneco
sempre em cena,
Marionete Pensante.

Será que consigo
não querer e ainda pertencer?
Quando as dúvidas me assolam
Nada como dividir.
Que bom quando se torna mais leve
a vida da “Marionete Pensante”.


5.1.07

A véspera

Entre o último gole do café frio e o banho antes de dormir, o telefone tocou três vezes.
Engano. Engano. Engano.
Nem lembrava porque tinha telefone.
Sem família. Sem amigos. Sem credores.
Na cama, deitado. Olhar triste sem cúmplice.
Desejou que sua vida inteira passasse naquela noite. Seria encontrado morto de velhice na véspera de ano novo.
Sem despedidas. Sem choro. Sem lembranças.
Mas nem isso Deus faria por ele. Teria que criar coragem para dar um fim àquela espera.
Esperou a vida. Esperou o amor. Esperou a compaixão.
A morte, ele mesmo foi buscar.
Rio, janeiro de 2007.

4.1.07

Até quando quiser... o devir

e aí caros,

o ano de 2007 começou-me com este soneto do André Bentes - e com bons augúrios, portanto.

vamos tentar conseguir o espaço em santa teresa - será?
se depender da fibra e da energia motriz do "até quando quiser ... o devir", o caminho é sempre em frente...


Até quando quiser ... o devir

O olho esbugalhado vê tudo que passa
Seria redundante se não fosse outro
Seguindo adiante o tempo se escassa
O ser apavorado por ser tudo novo

Do arco e da lira, tensão permanente
Do absurdo o ente, choque das espadas
Contemplo a noite vinda como um bom lagarto
Que grato pelas pedras só observa e sente

E até quando quiser, enquanto houver desejo
Meu medo estará morto e meu olhar distante
Descubro no instante e no após esqueço

A voz no ouvido esquerdo só diz: adiante!
E rio sem moral dos que buscam começo
Percebo a gaivota e seu vôo rasante


(André Bentes, 2006)

2.1.07

Aparição

E, como só faltasse sorrires,
Sorriste;
O sorriso fulgurante
De quem domestica a fera
Pela candura,
De quem leva o razoável à loucura
Com um toque grácil,
Um trejeito airoso
Que rebomba no coração faltoso
De todo eu,
Imerso em querer-te posse.

E, como só faltasse (aconte)seres,
Foste;
Imarcescível,
Distinta,
Perjurando a premissa divina
De todos serem iguais,
Um sonho floral,
Alva e doce,
A revolução radical
Do meu tolo conceito
Do que vem a ser –
Meramente –
Perfeito.

(Isaac Frederico, em 10 de dezembro de 2006)


___________________________

Feliz 2007 aos colegas poetas e boêmios !

Vida longa ao Presença, com vários lançamentos previstos para o início de 2007, entre eles:

"Poemas ao vento" (Felipe Sandin),
"Levante" (Vinícius Perenha),
"Madrigais" (Isaac Frederico),

além do livreto em conjunto "Elementar" (Isaac Frederico, Vinícius Perenha e William Galdino).

_____________________________