26.1.05

Leonardo Schuery Soares

O Leo não tem o costume de fazer poesia. Mas desde nossa adolescência em Cabo Frio ele sempre teve uma das mais refinadas obras literárias que tive contato, incluindo aí algumas poesias.

Nunca publicou nenhum dos seus escritos, o que me faz triste - meramente pela ânsia que tenho de mostrar aos outros o entusiasmo quase dramático que permeia suas linhas, um amor pela vida (pelo dinamismo da vida) que não nasce de conceitos, não é descritivo mas sim explode por todas as veias, implodindo os muros da adestração psico-social com toda a carga de VIDA que um pisciano pode ter.

Ainda assim, alguns de seus escritos podem ser encontrados na compilação Desde um dia - memórias vivas de um mundo morto (Ed. Necas, 1996), uma brochura de prosa e poesia de quatro amigos e escritores cabofrienses, organizada pelos próprios, a saber: Felipe Schuery, Vinícius Marques, Leonardo Schuery e Isaac Frederico. A obra encontra-se disponível para reprodução, mediante contato.

A literatura do Leo é particularmente especial para quem lhe conhece, pela figura que é, humano demasiado humano, incrivelmente capaz de identificar e assumir as barreiras psicológicas que se vão erguendo em nós - em um processo compreensível, dentro da lógica em que vivemos - que surgem das fantasias que criamos, da relação que temos com os pais, do difícil processo de encaixe nas engrenagens sociais, o imediatismo, a cobrança por resultados.

Assim, o Leo - e isto refletido em seus escritos - tem uma visão particularmente afiada do funcionamento disto, e se permite tentar, tentar e sempre tentar achar seu espaço, se colocar de uma maneira aceitável, satisfatória ao menos, sempre no ritmo cadente do reggae - positivo e tranquilo.

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Louco por ser louco

Que isso, vida louca
Não faça assim com eles
Transgredir o que está escrito?
Não vale a pena.
Manifestar seu desejo?
Não, pode atrapalhar, bagunçar.
É, fique estático. Isso, tenha coerência condicional.
Esteja sempre atento às idéias das estrelas e listras.
Tenha a opinião deles, ame cotidianamente.
Pronto.
Faça o que eles querem.
Nunca seja você como realmente é.
Contrarie as leis naturais de expressão
E mergulhe nas verdades estipuladas, nos dogmas instituídos
Senão, será louco.
Figura repudiada, humilhada pelo sistema.
Mas, para ser feliz efetiva e plenamente,
Tem que participar
É, você, energia única de tudo o que há.
Enriqueça o Mundo expondo o que sente.
Vamos esquecer estas imposições à nossa manifestação sim.
E ser louco por ser louco.
Dê essa luz contida para o estático virar dinâmico
E sorriso fazer mais alegre a vida.

(14 de maio de 1995)


21.1.05

Quase, parte IV

Vê,
o quase é indestrutível.
Ficou próximo, mas fora de alcance.
Medíocre.
Magnífico.
Quase, parte III

Como a mancha
entre a espera da folha e o mergulho da tinta,
é só idéia.
Dramática, coitada.
Coisa ainda não inventada,
iminente.

19.1.05

Quase, parte II

Como a tinta, antes objetiva,
não toca também a folha.
Derrama-se enorme e permanece,
constante, inútil,
existindo só,
e somente em si.

Uma gota mergulha
e ao invés da queda a permanência,
perpétua.
E assim é também a espera da folha,
a inerte folha esperando,
folha e só.

17.1.05

Magik

O livro Magik (abril de 2004), do Vinícius Perenha, é dividido em dois atos, a saber: o Quase e o Cortejo dos Corpos.
Basicamente, cada ato é composto de um poema, sendo cada poema dividido em diversas partes.
Nos próximos dias vou postar aqui as 4 partes do Quase, um poema belíssimo que divaga sobre o que quase foi mas não foi, o que era uma possibilidade antes de ser, mas cuja saga não prevaleceu, permanecendo como uma possibilidade, sem o status de ter sido. O Quase, medíocre, magnífico.

PS. As quatro partes do ato Quase estão sendo musicadas pelo Loki, provavelmente a serem divulgadas no próximo cd da banda.

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Quase, parte I

Como gota, morna,
escorre às costas e, vejam:
Não toca a pele. Quase.
Não perceberam os olhos?
a própria pele o enxerga
com nervosismo. Ansiava pelo toque
e ficou na tentativa de sentir
uma gota ao menos.

Não pode também chorar
não vê que agora reside somente em
seu silêncio e suor.

Despede-se..
Vai, ou melhor, fica,
com suas escamas mortas,
esvaindo-se na própria renovação.

E também a água,
sem o toque da pele que a estraçalharia a forma
no momento exato do impacto,
e aos poucos
lhe tomaria existência e identidade
absorvendo-a,
também a água se entrega
e deixa de ser;
fica a possibilidade.

15.1.05

Pena

Éramos nós,
e mais nada,
nada além,
aquém,
só aquilo que éramos.

Fomos expulsos.
Nós, aquilo que éramos.
O que queríamos ser.
O que dizíamos,
as belas palavras.

Passaram-se os dias,
caíram as pétalas,
foi-se o perfume.

Criamos espinhos,
criamos mentiras,
criamos rotinas.
Críamos,
mas não mais.

Atamo-nos,
demos nas pontas, nós.
Ficamos sozinhos
na cama, enorme,
enormes,
e sós.

(Vinícius Perenha, Rituais de ver e olhar, 2003)

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O que me move a escrever este blog de poesias não é criar textos de reverência às poesias que gosto, de forma que possa influenciar os outros. E sim meramente me aprofundar nessas poesias que já li, digitá-las, conhecer suas esquinas e atalhos, perscrutar cada palavra e tentar tirar delas outros significados que porventura elas queiram passar.
Um poema de separação também é um poema de amor, se a separação é intrínseca ao amor, se amor e dor são faces de uma mesma moeda.
Este poema me é especialmente querido pela forma muito própria de abordar este assunto, tão familiar a quem já amou, quase revoltante pelo retrato simples mas, no fim, exuberante pela clareza do retrato.
O "Pena" está incluído na parte 3 do Rituais, e notar a interligação destas partes do livro também é uma viagem à parte, impossível de ser retratada aqui. Sugiro que os que gostam não se deixem acomodar e peçam o livro, já fora do mercado, aliás :)

12.1.05

Vinícius Perenha

A poesia em geral tem a propriedade única de, com poucas e precisas palavras, colocar diante da tela do nosso pensamento sensações "de fósforo": rápidas e intensas, que reconhecemos de imediato, como que levando uma pedrada na cabeça.

Os poetas que isto atingem, por si só, são talentosos. Não precisam se estender em palavras rebuscadas e muitas para nos tocar e impressionar.

Outros poetas, em nível acima daqueles, conseguem isto e ainda são capazes de nos proporcionar, com a mesma intensidade artisticamente fugaz, insights inteiramente novos, ou pelo menos antes inacessíveis mediante esforço consciente.

Eu posso aqui fazer descrições neutras sobre os poetas que mais gosto mas não tenho como fugir da parcialidade ao escrever sobre o poeta mais impactante que já li. Aqui, é claro que o impacto da poesia em cada um está diretamente ligado à similaridade de experiências vividas - ou percebidas.

A roupagem cinza do estilo particularmente seco do Perenha não deve ser encarada como pessimismo, interpreto eu. Ao contrário; seus dois livros "oficiais" - Rituais de ver e olhar (2003) e Magik (2004) - são muitas vezes um consolo, ao tirar-nos dos ombros a farse de que somos a raça campeã, num orgulho coletivo, ou o indivíduo sempre vencedor, no plano individual.

"Se eles venceram todos realmente os jogos,
porra,
aonde aqueles que, como eu, perderam alguns?"

Ganhar e perder, nascer e morrer, são lados da mesma moeda, e só pode ser dessa forma para tudo que está no Devir, ou tudo o que é.

Não quero prosseguir em descrições das viagens que a leitura constante de Perenha me traz. Isto seria estragar o caminho dos que ainda não o leram, ou dilacerar minhas próprias leituras de sua poesia. Quero, sim, tentar trazer a público o máximo de escritos que eu puder deste poeta, porque é a única coisa que me ocorre fazer diante do que se me afigura como uma estupefaciante obra, de inestimável valor filosófico e poético.

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Risíveis

Veja bem,
que não sei como proceder no meio do desfile.
Porque fatalmente,
sou um estúpido:
não compreendo a beleza dos modelos.

Fico sem ar com tantas cores,
e é incontrolável,
me irrito:
Todos sorriem !

Será que eu também vou ter que parecer um herói ?

O que me consola,
é sentir que algo cheira mal.
Se eles venceram todos realmente os jogos,
porra,
aonde aqueles que, como eu, perderam alguns ?

Sei que não têm culpa de dourar ao mesmo sol que me torra,
mas entediado me levanto,
e saio com a impressão de ter perdido o final da piada.


(Rituais de ver e olhar, parte 1)