24.9.06

Janeiro Encharcado

A cidade respira o fedor que goteja
Das calhas o que restou da chuva.

O sofisticado-caipira
Carioca da gema metropolitano cidadão do mundo
Desce do trono e chapinha na água que devia lavar
E asfixia
Que vejam: não é o mesmo que afogar.
E essa água aos poucos toma a cor do centro
que não sei que nome tem
Mas é aquela dos pombos e mendigos
Notas velhas de um real
Fachadas e advogados da Praça XV de Novembro.

A cidade vai se perdendo de si e na falta
De cores para distinguir o mar do asfalto
Fica a dúvida
Se olhando nos olhos do moleque
Conseguiria responder caso me fosse questionado
Onde terminam as mãos e começa a lata de cola.

Vinicius Perenha – Janeiro de 2006

21.9.06

Adoração

Me faz nuvem,
Inaprisionável –
A inesquecível visão
Incomunicável
Que temos de dentro do avião.

Me liberta da prisão irrevogável
Com tuas palavras
E tua doçura,
Sem que eu me sinta um adorador,
Tísico de crença.

Utopista, te peço foco,
A impossível convergência,
Efêmera
Mas simplesmente
Desestruturante,
De tão redentora.

Nano-eu,
Atordoado no amor
Giga-teu.

(Isaac Frederico, aos 20 de setembro de 2006)
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ilê, poetas e leitores - concluí hoje meu sexto libreto, o quarto solo, denominado "lanterna mágica". como prévia eis o poema "adoração", espero que gostem.
abraços !!

19.9.06

Soneto do Mal Entendido

Não me avise que vai dar errado
E, tire os cálculos da minha frente.
Ei, suma! Siga – o seu! – em frente;
Verifique a área do outro lado.

Tenho legítimo o meu direito,
De dialogar em paz comigo;
Subir qual moleque no parapeito,
Contente, ficar exposto ao perigo.

Não me cobre posições no poema
Que, posso também virar o jogo
E, sem vinho ou palavras de fogo,

Lançar o decreto duma noite serena.
Ouvir bossa nova, dançar como um tolo
E escolher uma nova fatia do bolo.

Vinicius Perenha - 19 de setembro - 2006

15.9.06

Rafael "Grego" Huguenin

As poucas poesias que conheço do Grego possuem características estruturalmente refinadas e muito bem trabalhadas, destoando do processo de composição usual dos "poetas de rua" universitários, por assim dizer - e nada mais natural, em não vestindo o Grego as peculiaridades destes.
De uma pungência aflitiva, o soneto decassílabo "Sentado à beira mágoa os montes vejo" representa bem o que quero dizer. Incisivo em sua expressão, o poema incute-me curiosidade em conhecer as demais composições do autor.

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Sentado à beira mágoa os montes vejo,
órgãos afiados que projetam cumes
e em cujos escarpados, feros gumes
encontro a mesma corda que ora arpejo.

Facas, espadas, dardos que dardejo
contra o céu que se fecha em mil negrumes
não bastam pra calar os pesadumes
que o coração me cortam, e assim doidejo.

As armas contra a dor de nada ajudam,
a cada golpe rudes se desnudam
diversos braços novos que não venço.

E só me restam lágrimas salgadas:
com sentimento tanto assim choradas
me lavam ao menos o meu rosto tenso.

(Rafael Huguenin)

13.9.06

O Grande Absurdo

Da sequência de seis livretos lançados pelo Isaac em fevereiro ou março de 2006, O Grande Absurdo é o primeiro, e inicia a obra com imagens - essa é a impressão que tenho - que desenham bem o conceito do livro. Não vou me estender sobre as impressões que tive durante a leitura do conjunto, e somente acho válido sugerir essas impressões com alguns poemas que pretendo lançar aqui.
O poema homônimo abaixo abre o primeiro livreto e acredito que possa ser um bom representante do conjunto da primeira parte, já que encerra em si o espírito da primeira parte: uma bola de espinhos descendo garganta abaixo.

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O Grande Absurdo

E eis que você nem lembra por quê
Trabalha e ganha dinheiro,
Pasteurizado,
Sem norte no formigueiro,
Ele próprio sem sentido de ser.
Porque dentro dos limites
Do Grande Absurdo
Há uma lógica própria,
Funcional, coerente,
Pra quem abdica de si,
Pra quem dentro dos limites
Fica
Não se consegue detectar
O ponto de desvio.

Isaac Frederico - 2006

12.9.06

Absinto

Valeu meu camarada!

ótimos festejos, com exceção óbvia das sádicas sessões impostas a nós dois, nas quais acredito que você tenha se saído melhor, embora para isso, tenha covardemente empurrado a faca pro meu lado.
Tem volta Isaac, tem volta...

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Na sexta feira passada lançamos a primeira leva do Absinto; o livreto é composto de duas partes individuais, com poemas do Isaac e meus, respectivamente.
Por desconfiar que as pessoas que de vez quando passam por aqui são as mesmas que têm ou certamente ainda terão o Absinto, não pretendo postar aqui os poemas que o constituem, no entanto, caso haja interesse, é possível obter o livreto através de e mail.

Para quem não sabe, o Absinto é o segundo livreto no qual trabalhamos em parceria, o primeiro - Poesia para toda obra - é de outubro de 2005 e também encontra-se a disposição para reprodução.

saudações absínticas!

8.9.06

Fogo

Parabéns, Vinícius !
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Rapaziada,
É fogo no milharal.


Fogo

O elemento do pânico
Para os que têm a temer,
A insanidade flamejante –
O fogo.

Utopista, o fogo é alma;
alma.
Nenhum limite lhe ceifa
O movimento nervoso
De sua graça,
A alegria anfetamínica
De sua impetuosidade.

Oxigenófilo e apaixonado,
Irredutivelmente absurdo,
Hipnose, ira, magia –
Energia solta,
Piroanarquia !

Ordenhe o fogo e obtenha cor,
A rubra fração de sóis;
Obtenha Nero, o fero imperador,
E a tragicidade incoercível
Da saga dos anti-heróis.

(Isaac Frederico, em 01 de setembro de 2006)

5.9.06

Singelo

Só pra constar,

hoje fiz a mesma escolha que fiz todos os dias, desde o primeiro.

Para Rachel


Singelo

É cedo.
Café da manhã, sempre.
Bem vindo de volta, penso com sono.

Provoco um atraso generalizado,
Cochilo,
E saio num escracho barbado,
Amarrotado e esquecido.
Ganho um beijo e um abraço.
Te amo também...

A manhã familiar é a parte
Que eu guardo
Pra lembrar na velhice, com um resto de sorriso
Saudoso e lacrimejar disfarçado, a ausência futura
Dos tempos de hoje.

2.9.06

Vinícius Rosenthal

Antes tarde do que nunca para proceder à apresentação aqui no Presença do "poeta de um poema só".
Conheci o Lobão no curso de Filosofia da UERJ e - em meio à produção poética local que contava com André Bentes, Guilherme Borges, Vinícius Perenha, Rafael "Grego" Huguenin e Felipe "Abdul" Sandin, Rodrigo Ajooz e eu mesmo, entre outros - o Rosenthal escreveu apenas um poema, chamado "Bandeira" - o único necessário, conforme brincamos na época.
Simples e analítico, o poema vai direto ao ponto, pouca disposição para poupar, sendo a estrofe final o aspecto intuitivo da poesia. A ausência do ponto final no último verso me é especialmente intrigante.

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Bandeira

Todos com suas bandeiras
Bradam, gritam, reclamam
Não querem mais se submeter
Querem ser OUVIDOS
querem falar falar falar...

Todos com suas bandeiras
Esqueceram que o homem
tem dois ouvidos, e uma boca
para ouvuir duas vezes
mais do que falar.
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Eu com minha bandeira...
sei que sou todos