14.6.09

Um domingo de Agosto


Hoje fez um calor da porra como há tempos não fazia. Domingão sacal. Merda nenhuma pra fazer e punheta pra aliviar a tensão. Foi foda pra dormir na última noite, um monte de lembranças, uma angústia terrível e aqueles relâmpagos de lucidez que me fizeram ver o quanto estou só. Foi preciso abrir as janelas. Agora a tarde tá chegando ao fim. Nos ouvidos o som alto do vizinho, todo fim de semana o filho da puta sai de casa e deixa o rádio ligado no último volume. Pelo menos hoje não tão rolando os pagodes.

Só saí da cama pra comprar pão e dar uma volta de camelo. Não tava dando, tentei levar um som no violão, não consegui, me achei o fracasso absoluto, tentei ler, também não deu. Impossível me concentrar. A poeira atacou-me a garganta e fiquei escarrando a manhã inteira. Me revirando de um lado pro outro...

Me levantei, peguei o camelo e me mandei. Mesmo sujas pra cacete as águas da praia conquistavam alguns banhistas. Sentei minha bunda conformista no cais e pensei nas melhores maneiras de se cometer suicídio. Em casa me sinto um merda inútil e parto pra rua, na rua me sinto um merda inútil e volto pra casa. E pra dar uma acalmada na angústia barriga cheia. Vou chegar rapidinho aos cem quilos.

No som alto do vizinho uma grata surpresa, our house do Madness, nunca tinha ouvido essa música tocar numa rádio, um pingo dealegria no oceano tedioso desse dia.

Pensei na Lu de quatro com aquela bunda imensa pedindo pra ser comida. Puta que pariu o pau levantou e mais umazinha...

Essa semana decidi me lançar á leitura de Marx, não consegui chegar a trigésima página, leitura difícil pra caralho, nesses meus bodes filosofia não rola, fechei as páginas do barbudão comuna e parti pro Rubens Paiva, consegui engrenar no livro, simples e direto, sem ser banal. Batidas na porta, “tudo bem aí?’ é a vizinha Dona Ana, volta e meia ela aparece pra conferir se ainda tô vivo. Respondo“tudo bem”. A noite começa a cair. O que virá daqui pra frente?


André Luis Pontes, diário sem floreios, 1997.

9.6.09

Quieto

Se há que, um dia
O fim do mundo
Dar a prova real, de ser

Será o dia em que
Poderemos nós
Neste mesmo mundo que
Se acaba
Ficarmos todos a par
De que a felicidade existe

E ironicamente,
Talvez seja ela apenas termos um fim
Ao alcance da mão.

seis de junho, 2009.

5.6.09

Recomendações

Em Siem Reap agradeci;
O chá quente e as nuvens disformes,
Os dentes apodrecidos de alguns,
Os tantos mortos de Pol Pot
Viraram fantasmas,
Plantados em cada família.
Em Ha Noi a dureza dos anos passados,
A imagem onipresente de Ho Chi Minh
Também fizeram fantasmas
Nos países ricos.

As torneiras abertas e secas,
Nem todos têm água,
Páscoas achocolatadas,
Reformas ortográficas
Nem lembranças felizes,
Como que nasceram, viveram e morreram,
Já tantas vezes.

Voltando pra casa
Veja seus amigos com filhos,
Volte na primavera,
Um marco positivo no ano,
Não veja o jornal,
Não chore o que passou;
Obrigado, estou vivo, um abraço caloroso,
Desligue a sessão da tarde
E seja a próxima primavera
Não comprando todos os desejos.


(Aos 13 de abril de 2009)

1.6.09

Familiar

Esse, meus caros, é um texto que acabo de buscar no Maná Zinabre, espaço coletivo de idéias das mais absurdas, por assim dizer, que aqui, imagino, dispensa maiores apresentações. Texto de estrutura óssea e conteúdo veloz, ou vice-versa; merece não pouco caso, acho eu.

O autor se chama Berimba de Jesus e, entre outros, pode ser visto nas páginas do Maná.
http://manazinabre.blogspot.com/
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Familiar


Meu pai tomou veneno de rato, enrolou a corda no pescoço e se matou.
Pra nós: só arroz.
Minha tia cansada do कासमेंतो, traiu meu tio com o vizinho, que deu o talento.
Se apaixonou.
Saiu de casa.
Desgraça é que nem banana, vem em penca. Apanhou na cara. Recebeu dois tiros na cabeça. Não morreu. Ficou triste.
Titio passou a ser freqüentador de boteco.
Meu irmão certinho que era conheceu a vida loca.
Eu conheci a pedra.
Minha mãe enlouqueceu.
De tudo que tínhamos um pouco, nada sobrou. Minha família deixou de ser.
Ficou osso.
Meu irmão se tornou periculoso, matou, roubou, estrupou…Tanto fez que mereceu, três tiros dados à gosto.
Foi pro saco.
Eu, bonitinha e rechonchudinha, fiquei só costela.
Rodei mais que nota de um real.
Engravidei. Enfiei citoteque garganta abaixo. Vagina acima. Mais do que o indicado. Minha vida passou por um fio.
O que não queria, era procriar.
Dar a vida é uma parada muito foda.
Tentei abortar diversas vezes.
Nenhuma deu certo.
O moleque nasceu. Perfeito. Dorme tranqüilo lá no berço, despreocupado. Tem a cara do meu irmão. Não o amo e quero matá-lo. Pode parecer mentira.
Chega de dar vida.


Publicado no blog-revista Maná Zinabre, aos 27 de maio de 2009.