28.11.06

Presságio ultra-romântico

muito bom ter encontrado estas poesias aqui. tem coisas muito boas circulando, na boa.
prossigo numa aproximação mais

Presságio ultra-romântico

Recolho-me frente à chama insuficiente
E arisca desta vela, o lúmen granzoal,
Imperador no atro arcabouço incomburente
Do asmático porão que me acolhe –e, demente,
Seco a testa, de uma febre insurrecional.

Lanço-me como um parvo ao tento irracional
De exilar de uma vez por todas a moente
Dúvida que me janta e noto, inaugural,
Empurrando-me, ultrajante, ao ato final,
A chuva que se precipita, consistente.

Que sangue espirro em tosse? Estou tuberculoso?
Que peste calcina minha saúde errática?
Que escrófula mina-me a defesa linfática
E traduz-se neste esforço assaz ominoso?

Que já tenho em simples respiração apática...
Revolto-me, amarguro-me em ódio nodoso
Inconformo mas, como um presságio tinhoso,
A vela – horror – responde: se apaga, enigmática.

Desespero-me ao inequívoco sinal,
Segundos grávidos de silêncio latente
E eis que o fogo, súbito, revive contente,
Ígneo permisso prum respiro inda normal.


(Recife, 27 de novembro de 2006)

27.11.06

Nuvens

“1.1 O mundo é a totalidade dos fatos, não das coisas.”

(L. Wittgenstein, Tractatus Logico-Philosophicus)


Distraído

Sob o peso do firmamento,

Vi um raio solar iluminar meus olhos.

A perspectiva, em miríades de imagens,

Abandonou a lógica.


Absorto,

Em tal névoa acolhido,

Procurei nas nuvens por algo palpável;

Mas eram somente nuvens.

Abandonei, então, a sintaxe.


A realidade semântica do possível

Resguarda meu mundo da loucura.


(Vinicius Perenha, 24 de novembro, 2006)

25.11.06

Rafael Elfe

Rafael é um amigo de longas datas, com quem compartilhei muitas afinidades literárias e musicais , além de alguns porres e tardes ao violão, entoando canções punks contra os domingos tediosos de nossas adolescências. Poeta de visões românticas e carregado de imagens simbolistas, caminha junto as palavras de Gullar e aos versos-visões de Rimbaud e Flávio Murrah, influências confessas, que enriquecem seu universo poético sem tirar o mérito de sua poesia, rica e segura pelos anos de constante criação e pelo inegável talento no trato com as palavras.


"Brioso Bocejo"
Geme o aquecedor
A casa, os prédios ao redor
Gemem as cadeiras solitárias na área
No fundo a alma geme junto, assim tão baixinho
E os segundos vão gemendo, passando...
Quem vê?
Enxergam fundo e vão urgindo em passos finos
Geme o cão na cozinha sob a cômoda de mogno
Os pratos gemendo de frio
A sopa na panela nem mais geme, ingerida fora, antes.
No estômago se espraia para do intestino germinar.
Fora da casa gemem as colunas de ar
O vento seco nos muros - pés de pixações
e passamos sem notar... ali grita um nome tremendo:
G E R M E S
facção do amor urbano,
irritavelmente abafado
vão indo atrás das colunas de ar - sulcos de luz
Antenas e sombras de vizinhos que na correria
subvertem a ordem,
e gemem sorrindo nos carros novos
Que inveja faz da glória um caminho?
Enquanto ela gemia, o mundo pairava exangüe
e ainda gemem:
pias,
manhãs brotando,
avenidas de tempo derretendo em relógios,
ali, aqui,
em cada ambulância estacionada - um silêncio,
assim gemia a alma bem no fundo, grosseiramente.
E ela nem percebia que n´um brioso bocejo,
sacolejava o mundo.


"Primeiro e último haicai"

Quando ela sonha
emudando a noite
varre as estrelas

24.11.06

Drika Duarte

Descobri os versos de Drika Duarte através da leitura de uma revista publicada pelos alunos do departamento de artes da UFRN. Além do papel como suporte para sua poesia, o palco também é morada para seus versos, através do Elegia e seus afluentes, grupo ceno-performático-poético-musical do qual Drika faz parte. O poema Deserto me laçou na primeira leitura, versos derramados numa queda de intensa musicalidade desaguando num deserto onde a consciência do passar do tempo se faz presente.


Deserto

Um espírito irrequieto
Tão tosco que ao cair no poço
Com olhos entreabertos
Encontra o pensamento admiravelmente belo.

Sorri, encantando as flores
Rasteja passos poucos
E pisa na delicadeza murcha
Com pés mortos de cansaço inventado.

Abram as cortinas
Que o fundo é mais lindo
Do que se imagina.

Enquanto consolam-se com meias palavras
Eu reescrevo a mesma velha página.

Busco alcançar a aura que escurece o sentimento.

A dor é não ser do tempo
E saber que ao passar morremos.

Eu deixo um pedaço meu
Cada vez que me derramo em verso,
Encontro o enleio certo:
O momento do fragmentado eu deserto.

23.11.06

Guto Leite II

O maior arranjo do mundo

Quando não tinha mais nada o que fazer, tomou todas as flores do mundo
e deu a ela. Certo que não lhe cabiam nos abraços cada begônia, lys,
bromélia, rosa, todas as outras vis. Ela soube ganhar o presente.
Retribuiu com beijo breve de mil gametas, fecundado, leve.
Este floresceu no peito infértil do jovem a tarde inteira
e só a noite pôde acalmar o unímpeto da semente.
No dia seguinte, logo de manhã, foi somente
esperando marcar a data que entrariam
no primeiro concurso. Só ela tinha
flores, afinal. Mas encontrou,
no mesmo arranjo: beijo,
outro homem, ela; e
desfez-se baixo,
muito baixo
como a
péta-
la.

21.11.06

Da Mediocridade

I

Ofereço-te um nu desespero

De viver

Se me puder despir a letargia da espera.


Espera tímida pelo momento certo

Espera flácida pelo espaço adequado.


Dadas as proporções mágicas entre possibilidades e realizações

O melhor deve ainda estar por vir.


Mas será este o tipo vil de otimismo

Enganador?

Será esta a sátira de um mote covarde

Encoberta por atitudes sensatas?

Ou ainda, o que me resta de diferença?


II

O cinismo artístico com que te ofereço

Mais esta falaz audácia

Deveria me ser cuspido de volta com a força de um rasgo na pele

Visto que te ofendo deliberadamente, leitor.


Mas por fim

Tuas fibras são frouxas

Serás amável

E gostarás – indiferente – de mim.


(vinicius perenha - 17 de novembro - 2006)

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É um fato, camaradas do Presença: dos muitos motivos que consigo imaginar pra encher a cara num dia desses, a entrada de dois novos integrantes no blog é o melhor. Entoemos tal coro; celebremos!

à boemia presente, sempre presente.

20.11.06

Por uma nova pele



Outono
ou outubro
outro nada
outro tudo.
E voltarás
a teu quarto
só como sempre.
Outra noite
outro susto
ouvindo valsas
ousando um salto.
E serás o mesmo.
Outro grito
outra face
outro gesto ensaiado
outro amor não declarado.
Até quando?

Aos clássicos

As trovas que dardejo e já publico
Em carnação de outros mestres beberam,
Tuberculosas rimas que edifico
Às clássicas penas que já houveram.

Sois de minh´átona harpa o exemplo,
Poetas mil que a língua sublimaram !
Em vossas clássicas messes contemplo
Auroras que o vernáculo adornaram.

Lúdico Caeiro, real Redol,
O brilho de Pessoa! Tal o sol
Me acolhem, na leitura outonal

De suas letras - oh! mestre Cesário !
Saúdo-te o inefável relicário,
Em gentileza transgeracional !

(Isaac Frederico, em 20 de novembro de 2006)

18.11.06

Guto Leite

Como vem colocando em largo fluxo o Presença, poesia boa se encontra também na "calçada", ou seja, há excelente poesia independente sendo feita, em concomitância com o que é lançado nas prateleiras de mercado (tantas vezes também excelente, diga-se).

Outra singela prova disto me chegou com as poesias de Guto Leite;
em composições de caráter mais para o clássico que para o informal, os poemas que li do Guto oscilam entre um rebuscamento fero ("seria a poesia a arte de não conseguir se expressar?", pergunta ele, na busca pela expressão mais exata dentro do poema) e um imaginário bastante tangível e feliz, como nesta :

Em busca do amor mágico

Há um truque perdido
em cada romance.
Sou o menino atento,
de vistas na cartola,

na ânsia da piedade, do erro,
da linha transparente,
do despeito, do fundo falso
ou da marca de cola.

Por mais que os dedos do mágico
movam-se inocentes
no espaço entre o fracasso,
o engodo e a glória,

é certo que não erra,
já que se expõe
somente após o tempo necessário
de treino. Agora

(digo agora no comum, erradamente,
como qualquer instante
depois dos silvos e das palmas)
repito o que vi fora,

internamente, muitas vezes,
obsessivo, sem gesto, quase em transe,
mas logo no momento preciso
nada colabora.

A mágica insiste em soar
como um oboé cortante
e desafinado. Nunca me canso, porém.
Fixo meus olhos na cartola.

E recomeço.

Há um truque perdido
em cada romance.

16.11.06

Pedro Lermann II

Meu Anjo
para Ignez


Quando derrubaram a porta, seus olhos vidrados miravam o mar, no reflexo de um espelho que, estrategicamente posicionado frente à janela, iluminava nos matizes da chuva que descia, o corpo franzino do anjo.

Uma imagem orgânica da enseada, emoldurada pela melancolia do irreversível, inspirava a leveza de uma beleza pura; diferente da ordinária plasticidade fugaz que envolve as coisas consideradas belas no dia-a-dia.

A atmosfera parada, inacessível ao pranto e assombro dos curiosos vizinhos, fazia jus ao paradigma da eternidade e suscitava paradoxos inconcebíveis, perceptíveis somente à pele.

Ela morrera há dias e, no entanto, viveria ainda sua mortalha sobre pernas vacilantes por décadas. Seus netos a abraçariam inconscientes do mar que coube um dia naqueles olhos sempre transbordantes e tristes.

Ao fim de poucas horas ela levantou-se e serviu, claramente desejosa de que os invasores sumissem, café e bolo e explicou, calma, que José se fora.

Um deserto tomara o trono da enseada; seus olhos continuaram úmidos até o fim, porém sem jamais sorrir novamente.

(Pedro Lermann - 20 de março de 1972)

15.11.06

Pedro Lermann

Conheci a obra de Pedro Lermann através de seu filho, George.
Pedro havia falecido há poucos meses e durante a retirada de suas coisas da casa onde vivia sozinho há alguns anos, foram descobertos dois cadernos que, entre contos, crônicas, poesias e textos filosóficos, têm os registros de mais de duas décadas.

Sob a condição de manter ocultas sua origem e história, por assim dizer, tive a autorização de seu filho para tornar pública a obra.

Sob a égide de um passado questionável - do ponto de vista moral e legal - a escrita de Pedro é dura, apesar de elegante; com um traço carregado nos paradoxos e na livre expressão de suas idéias - talvez decorrentes da decisão de não deixar que seus escritos saíssem da gaveta - o velho derruba alguns dinossauros do pensamento coletivista. Segundo suas próprias palavras: "hipócrita, cínico e nocivo, se de direita; fraco e ganancioso sob a pele de revolucionário, se de esquerda".

Pedro Lermann faleceu aos sete dias de agosto deste ano, aos cinquenta e dois anos.

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Universalis post res

Estas cores,

que temerárias ousam saltar

e improvisar seu concerto.

Exibem-se.

Cavalgam belos demônios e

subjugam a indiferença.

Primavera!

Triunfa primeira e afasta

meu espírito arriscado.

Que afoito,

encanta-se entorpecido

e dobra-se ao infinito.

(Pedro Lermann – 13 de janeiro 1978).

14.11.06

Espaghetti a la Pecadora


Brasa, fervia os homens antes do fatal balde de água fria. Os deixava com um eterno nó na garganta e uma sutil corda no pescoço. Se olhava no espelho e via alguém que gostaria de ter conhecido um dia. Trazia marcas no peito e nos pulsos. Saía vestida com sua melhor roupa para pecar. Porque o vermelho se reserva em sua mais forte tonalidade para aqueles que vivem de entranhas. No açougue, apontava os corações. “Quero a tripa mesmo”. No bar, pedia sopa de arame farpado. Porque era dessas que gostava de arranhar.

Acontece que um dia conheceu um que gostava de socar. Ele pediu um cheiro. Ela olhou assim. Pediu um beijo. Ela fugiu sem traquejo. Pediu perdão. Ela disse não. Mas, em um impulso inconseqüente, cerrou os dentes. Fez bico e abriu arestas, mesmo que improváveis:
- O que você quer, afinal?
- Te descobrir. Até que teu frio me peça um abraço
Ele continuaria com perguntas para as respostas dela por um bom tempo, mas decidiu tentar outra vez. Pousou os seus naqueles olhos – e era preciso um verão inteiro para haver um eclipse naquele olhar. Arriscou:
- Você me pediu 24 horas, baby. Passou.

Ela abriu o coração e nele escreveu: “somente tráfego local”. Resolveu ligar o foda-se. “Ou melhor, o foda-me” - mais por diversão que por necessidade. E assim, sem A nem B, disse na lata:
- Quero dar pra você.

O vulcão chamado desejo não parava de fazer barulho. Mesmo vestida de sombra, ela lhe iluminava o dia. E pouco importava a luz, se ela estivesse acesa. Ela lhe lambia os ouvidos. Passeava sobre a sua carne nua, crua. E inventavam uma nova língua - para traduzir o que não se explica. Depois, ele desfalecia em um ato egoísta. Pequeno suicídio diário. Ela não. “Quando eu dormir, vai ser de uma vez só”. Era nessas horas, então, que ela lhe sussurrava pequenos segredos de fronha e travesseiro. Permaneciam segredos.

Mas, como num passe de mágica, a mágica passou. Meio hora de sumir. Porque havia certas coisas que ele não podia evitar. Sua canalhice, por exemplo. Não queria mais nenhuma das mulheres que a habitavam:
- Sua companhia me faz o mais solitário dos homens. Saltei em um vôo livre de você. As idéias me têm.
Chegou a inventar uma úlcera fortíssima. Porque doença traz um certo charme ao efêmero. Dá credibilidade. Destilou veneno e bebeu vinho. Descobriu-se murcho, insano e monstruosamente leviano. Com o coração dela na mão, disparou:
- Dona, esse aqui já era.

Só que o último beijo é sempre o começo de uma outra história. Ela não julgou. Tampouco negou redenção. Mirou na testa. Pum. Acertou no coração. Imediatamente apaixonou-se pelo cadáver. Romântica, a canibal começou sua refeição pelo coração. “Escrevo nas paredes o que você rascunhou na minha carne”. Só a dor é fiel.

Goodbyes são always badbyes.

(Renata Dantas. Rio, dia 1, mês 11, ano 2006)

13.11.06

Filho do Vir-a-ser

O raiar do sol,
As montanhas, imensas,
O verde vivo,
A vida simples.
Isto já é
O Reino dos Céus
Sobre a Terra.

Que caixotes e alarmes
Te impedem de ver isto,
Tu que já és
O Filho do Homem?

Que fainas e distrações?
Que insidiosas invenções?

Que rotinas e sirenes
Te impedem de ouvir
As músicas perenes
Oriundas do Devir?

(isaac frederico, 31 de outubro de 2005, publicada no livreto "Jesus, o Nazareno", parte IV do Acontecente)

11.11.06

Fogo

Ha!
É a língua de fogo no lombo velhos!

- Move!

____________________________

Fogo

Se danças liberto

E atravessas intrépido com tuas trovas

Esferas quaisquer que interponham

Tua individualidade e o mundo ao redor

Se curvas a cerviz

Percebe derrotas em tuas tentativas

Todas

E teus braços raspam já de leve o chão

Se tuas ações terminam então

Num interminável novo começo

E apesar de cansado sentes que não há como estacar

Vais desconfiar a certa altura

De que a origem de cada atitude

É o fogo que queima teus pés sem permitir

Que até que seja dado o último passo

Terás de continuar.


(vinicius perenha outubro de 2006)



10.11.06

Terra

Terra

A terra é a mais formosa das mulheres
Que devém
Que acontece
Sem vírgulas
Impontual em seu chamado
Porque a ela vamos todos

Tão quente quanto fria
Onilingüe
Crepuscular e auroreal
Tudo ao mesmo tempo
Inexorável em seu chamado
Sobre ela vamos todos

A terra munge seus filhos
Nós mungimos ela
Navalhamos-na
Recebemos a benção do sólido
Do chão
Que mesmo o chão é bênção
Só aos tolos o chão é derrota

A terra permite
Mas quando exige
Quererá teus átomos
Teus ossículos
Partidos ou não

A terra é gestação
Com teus ossículos
Digeridos se renova
E sabemos bem o que é
A renovação

Fovente
Graciosa
Mãe
A mãe raiz
A grande raiz em comum
A grande raiz.

A terra –
O eterno
Regressar.

(Isaac Frederico, em 14 de setembro de 2006)

8.11.06

O Bocejo do Amor

Difícil conseguir abarcar toda a magnitude da obra do Abdul nos posts esporádicos deste blog.
A despeito de o Abdul não ter lançado um livreto "oficial", tenho muitas de suas poesias, algumas das quais tentei musicar, outras que simplesmente pedi pra guardar.
É sem dúvida um dos meus nomes prediletos da "poesia independente", como já pude expressar aqui antes, e fica claro o por quê, mediante o contato com a clareza e intensidade de suas poesias, como expresso em "O Bocejo do Amor".
Presença!

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O Bocejo do Amor

Quando de repente um bocejo revela
a preocupação com a vida,
Indisposta sua alma reflete amarguras do amor.
É triste perder quem se ama,
muito mais perder o amor em si,
e perceber que após tantos meses o passado consumiu os dias
lentamente. Depositando na memória os dias felizes
que hoje nos machucam, e menos as tristezas
que nos tornaram solitários.
Não importa os amigos, a família ou o trabalho,
a solidão sobressalta em nossos sentimentos como um bocejo
que simplesmente nos sai pela boca.
Boca esta que não toca mais os lábios tanto desejados,
não beija mais o corpo um dia desvelado, e tenta agora
na nudez da esperança aquecer novamente o espírito cansado.
O ego que se refaz no futuro,
na força da imaginação esquece os bocejos e desperta os olhos
para um destino grandioso. Longe não do amor;
mas do desejo ingrato que nos faz assim tão distantes dos
primeiros dias da paixão.


(Felipe "Abdul" Sandin, em 14 de outubro de 2005)

7.11.06

Renata Dantas, parte 2

Dos gracejos que eu fazia. Dos bocejos que você me escondia. Das coisas lindas que você me dizia ao pé do ouvido. Dos mentolados, dos lascivos, dos destilados, dos requintados, dos sentimentos, dos sofrimentos. Era disso nossa vida.

Era tão grande a culpa do sentimento, que não se permitia viver aquela história. A gente pulava muro, corria dos compromissos, escondia as cicatrizes das dores, ria de lado, mas mantinha a idéia. Era doloroso. Mas era gostoso. Mas era doloroso.

Do texto que ele me escreveu, só lembro umas poucas letras. Eram suaves e ele tinha um jeito estranho de me mostrar as coisas. Mas eu gostava. Nunca consegui dizer isso, mas eu gostava.

Ele me mostrou um vinho. Eu lhe mostrei uma música. No final erámos vinho e música numa taça velha cheia de manchas de própolis. Sempre o improviso.


( Renata Dantas, título e data desconhecidos - talvez desnecessários... )