17.11.12

Marcus Pereira e a paixão pela música

 
Revirando minhas caixas de papéis reencontrei esta matéria recortada de uma edição do Jornal do Brasil de agosto de 2006.

Marcus Pereira foi responsável pelo lançamento de discos de Cartola, Elomar, Quinteto Armorial, Arthur Moreira Lima entre tantos outros. Lançou nos anos 70 uma coleção de 16 LPs intitulada Música Popular, registro da produção musical de todas as regiões do Brasil, resultado de suas viagens pelo  país.

Os LPs lançados pela gravadora Discos Marcus Pereira têm um valor incomensurável para a música brasileira.

Como ele mesmo dizia “ um país que tem uma música como a nossa não merece dívida externa.”

Infelizmente Marcus Pereira nos deixou antes da hora, em 1981. Endividado e vendo-se impossibilitado de dar continuidade ao trabalho que tanto amava , suicidou-se com um tiro aos cinquenta anos.

O Homem se foi
mas suas realizações magistrais permanecem.

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15.11.12

Fábio Alves


A Rua
I
Caminhamos pela rua
Sempre tentando
Olhando em volta
E vendo como as coisas se resolvem
Como se encaixam as peças do jogo
Sob o jugo da entropia do universo
Que faz com que tudo se acomode
O homem usa da preguiça
E se faz alheio à vontade
Impulsionada pelo dentro
De ao próximo amar

II
Tentando e olhando – vês?
Buscando o que realmente importa
Que talvez seja a pureza humana
Que anda nas entrelinhas
Esmagada pelas linhas
Do egoísmo em negrito
E da maldade inata sublinhada
A qual vai aperfeiçoando-se
Na école do tempo
Internato vitalício
No qual é impossível
Visitar os pais nos fins de semana

III
E a nossa pequenez
Canalizada e balizada pelo próximo
Que cria regras mesquinhas de convivência
Visa ao material – O concreto infernal
De pleitos e desejos abstratos
Os quais jamais serão conquistados
Deixam pelo caminho as minas
Que serão esquecidas
Até que um outro homem
Alheio a esses – talvez até um homem puro
Pise-as e carregue consigo a morsa
De mutilações e pensamentos pós-traumáticos
A vida segue...

IV
Onde será que está?
Aquilo que foi perdido
Ou que talvez nunca foi criado
O amor verdadeiro e puro
Nos faz umedecer os olhos
Só de pensar que ele existe
E nossos lábios tremem
Ao descobrir que é impossível
Compreendê-lo por completo
Somos reprovados à prova
Da lição que Jesus nos ensinou
Continuamos ignorantes
Dando cabeçadas nas paredes
Da rua por onde caminhamos.

                                           (Fábio dos Santos – maio de 2007)  

5.11.12

Iberê Camargo


Os escritos de Iberê Camargo estão à altura de sua pintura.
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Mistérios da vida


Astronauta de uma nave cultural, a Terra, pendurado de cabeça pra baixo ou para cima, sem teto nem assoalho, navego num espaço que a imaginação não consegue limitar. Como um marinheiro embarcado à força procura ler o livro de bordo, para descobrir o roteiro desta inquietante viagem, consulto o mar, as pedras que são os documentos mais antigos e os alfarrábios amontoados nos cantos da nave. Alguns são de uma clareza obscura, outros de uma certeza incerta. Há muitas rasuras nesses velhos escritos. Sempre lhes falta a última página. Pergunto então aos viajantes mais antigos, mas nenhum deles viu os sinais que, dizem, outrora no céu apareceram. Olho para aquela Lua pisada pelo homem. Penso que ela seja falsa. A Lua, a minha Lua, é aquela que traz sobre a face Nossa Senhora montada no burrinho, carregando nos braços o Menino Jesus. É a minha Lua e a Lua da Chata, minha irmã de criação. Se isso não for verdade, então os velhos mentiram para nós.
Inquietante é a viagem da nossa nave, correndo pelo espaço sem fim...Nesta viagem, neste meu durar renovam-se os passageiros. É um embarcar e desembarcar azafamado. Muitos não se preocupam em conhecer o roteiro da nave nem o seu próprio durar, considerando que essa indagação rouba o prazer da viagem. Comportam-se como turistas. Eu não estou entre esses. Embora saiba que, abrindo uma porta, encontro uma outra fechada, continuo a abri-las uma após outra, indefinidamente. O homem quer conhecer.
Esse mistério que veste as coisas está presente também na arte. Jamais consegui explicar a alguém o algo misterioso que existe na obra de arte. Esse mistério está no quadro, nos olhos do gato, nos olhos do homem e na vida. E a tudo envolve e a todos confunde. É o real na sua concreteza.
Quando à noite, na minha cidade, ouço o trotear de um cavalo no asfalto da minha rua, eu imagino um ser fantástico a galopar no escuro pelo céu, pela Via Láctea. Este pensamento, que talvez pareça absurdo e pueril, é menos fantástico do que o cavalo troteando por essa rua, desta nave.

                                           Porto Alegre, 6 de maio de 1970

Do livro gaveta dos guardados.