22.9.07

Poema de asas


O poema sente –
Uma urgência de anteontem,
Um desespero de fluir
Pois que é chegado seu tempo
De rebentar asas
E partir.

Asas ……………………………..….… asas

“Eu não aguento mais
Ser na jaula de um papel;
Inconseguir para sempre
Num parágrafo vil;
Nutro

Asas ………………………………….…………….. asas

Que arqueiam aos limites da folha”


Asas ….. asas
Asas asas ………. asas asas
ASAS ASAS ASAS ……………………….. ASAS ASAS ASAS


Ruflando,
O filho não-servil
Do absurdo das palavras
E da caneta que lhes pariu.





(Isaac Frederico, aos 14 de setembro de 2007)

14.9.07

"Som das luzes"

O som das luzes,
dos refrigeradores
aquecendo.
Você não funciona mais!
O som dos olhos revirando
a noite
fazendo sombras na mente.
O som que fica - some.
O som das luzes
que não se pode abafar.
E dormir sem saber como,
sem peso
a-morte-cer na queda
e revirar poucas palavras.

Você não funciona mais!
não é o refrigerador,
não é a luminária,
nem o poço de silêncio receoso
não é o torpor dos seguranças
no meio da madrugada,
rangendo os pés e te acordando:
- Senhor, infelizmente...

Você não funciona mais, obrigado!
não tem o ruído sinfônico e cruel das luzes,
não tem o valor numérico de Cristo
quando acelera a máquina fria da manhã que surge
você não funciona mais pra mim
velho jogo de armar
que eu já nem armo
Nem o som das luzes,
você nem brilha
e eu acordando
de um
em
um
minuto
de
cinco em
cinco segundos
s
e
g
u
i
d
o
s
olhos roendo outra semente
no vaguear
de moscas
e de passos leves,
pequenos elefantes mórbidos
que não existiam.

O velho rebuscava o espírito
os jovens giravam
a noite de trabalho, escalas...
mas os cigarros nos cantos dos bancos
não me abrigavam.
E você não funcionava ali

O samba etéreo e vago que ficou ecoando
quando, dos letreiros eu pude trocar a pele
vi descosturar
a sopa de estrelas
e resolvi ficar pra ver onde iria.
Vem lá o trem negro outra vez
E o som das luzes adormecendo
tic
tac
tic
e o violão serviu de encosto
e o corpo serviu de barco
o mercado mais familiar,
cemitério imenso
nós, fantasmas, só luzes ruidando.
É o som das luzes ofuscando
e você?
Não, obrigado...
não funciona mais.

* Escrito depois de uma noite em claro,
perambulando, e tentando achar um canto pra dormir
num hipermercado 24 horas, da linda e triste zona sul.

12.9.07

O Trem

Há poucos podres anos
Comprei a passagem do trem
E com ela na mão
Não pude embarcar

Insuficiente bagagem

Alguém me falou com podres dentes
Que um dia tentara alegremente
Mas acabou frustrado e deprimido
E hoje mostra aos outros seu sorriso contido

Excesso de bagagem

Então, vi antes da porta fechar
Um homem de terno adentrar
Ao vagão da primeira classe
Sentou-se e foi servido com uisque

Subornara o bilheteiro.

(Fábio dos Santos)

"Sem título"

Tenho aprendido.

Aprendi a guardar gotas d´água na barba
e dali gotinhas de luz entre os fios.
E que a barba é um segredo bobo,
mas as mulheres jamais terão. (algumas)
Aprendi que sou mais chato com fome que criança com sono,
e que com sono, sou uma criança com fome.
Aprendi a atravessar os dias um à um
assobiando alto, fazendo algum barulho com as mãos
pra alertá-los.
Para os relógios não gritarem no meio-dia:
- É hora de abraçar!
E eu não abraço.

Aprendi que a solidão é esse gostinho amargo
da vontade de estar junto,
e se não fosse, seria o estar junto,
esse gostinho amargo
de não estar só.

Tenho aprendido.
Que quase nunca aprendo nada.
A não ser o que escrevo e releio,
boa memória fotográfica, salvas ao cerebelo.
E das músicas que façopoucas vão pro disco,
poucas vão ser cantadas novamente.
E que felizes são as que não são cantadas.
Pois, cada dor sabe a dor que é,
se não sabe, dói assim mesmo.

Aprendi que apêndice
é dor. (pr´alguns)
E adendo.
Qualquer coisa que se adicione ao texto depois,
mesmo que essa adição não tenha lá tanto sentido.
Aprendi:
Encher é sempre esvaziar.

Aprendi que ela é uma menina
que ela quer ser uma menina
e sonha ser uma menina
até age como uma menina
mas ralha como uma velha mulher cheia de câncrios.
E que nenhuma de suas perucas esconderá sua vontade de ter cabelos.

Tenho aprendido.

Ensinando só desaprendo
aprender é fingir que sabe
Só se aprende mesmo quando não entende
que se está aprendendo algo
Aprender é solitário
e tudo que é solitário faz bem
pois não depende de outrém
Sem egoísmos, no fundo sabemos
que no fundo mesmo,
estamos sempre sozinhos.

Tenho aprendido.
Que aprender a amar
é aprender a aceitar que mesmo
com tanto tempo,
ela é a mesma pessoa que conheci aquela tarde
e que todas as vezes me parece uma diferente.
E que dentro dos risos que ela larga
eu me apego aos mais sem graças
que são os que deixam os ossos de fora
e que mesmo com tantas aparências
estamos sempre buscando o verso das pessoas.
Mesmo sabendo que pra cada verso claro,
um lado escuro está pra ser mostrado.

Tenho aprendido,
urgentemente
que escrever é um remédio ofegante
e que nenhuma palavra guarda segredo da outra
e estão sempre contando seus meios
já os fins, estes nós mesmos os ditamos.

11.9.07

Discurso de Jesus, o nazareno

Salve salve Presença, não sou o Código da Vinci mas eis que tive acesso a este discurso de Jesus, proferido aos seus discípulos que, pra variar, não entenderam nada das palavras do mestre, eis uma das raízes dos equívocos que se perpetuam até os dias de hoje.

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O grande erro é crer ser Deus bom associando sua bondade à tua pessoal boa-ventura e êxito, havendo conflito em tua fé quando há dor e tragédia em teu caminho e no dos teus, quando tantas vezes o êxito de uns depende do malogro de outros, todos filhos de Deus que somos.
Deus não é bondade na ventura; sendo Deus o Devir, ele é a punição ao estático, em forma de decaimento e doença – e tua dinâmica, que só de ti depende, é teu prêmio na medida em que permite que tuas fibras possam acontecer, ir de encontro às chaves que te faltam.
A bondade de Deus é a dinâmica = permitir que nada seja definitivo, nenhuma derrota, tampouco nenhuma vitória.
O castigo de Deus é o estático = o Diabo, isto é, não-Deus = a fermentação nociva nas águas paradas, o sucesso de outros organismos e fibras que parasitam as fibras sedentas de hábito e preguiça de ser.

9.9.07

Bodas de inchaço

Salve a simpatia solta dos lábios
Que, úmidos e anelantes, se beijam
A pulsante paixão eterna sejam
Em poucos minutos, se forem sábios.

Tocam-se os corpos e, por muitas vidas,
Serão estradas de um amor titânico
Que, tal um bom flerte copacabânico,
Não durará as eras prometidas

Sem que nisso haja o gérmen do fracasso !
Amo-te ! Sem as bodas de inchaço
Da longeva aturança inatural

Que se vende na TV – e compramos!
O desgaste das pessoas que amamos
Por um engessamento irracional.


(Poema integrante do livreto "Cânion", Rio de Janeiro, em 10 de dezembro de 2006)

8.9.07

Não deixam

Também de volta às páginas do Presença a poesia do Grego (Rafael Huguenin), que entre sonetos virtuosos e estudos sobre poética, também traz a simplicidade, como em "Não deixam", abaixo reproduzida.
Abraços a todos !

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Não deixam o poeta escrever
Não o querem
O trabalhoapenas o trabalho
é a parte que lhe cabe.
Afogado em folhas
ele busca afago
em um poema estreito
todo interno
todo entranha
que não é luta nem é fuga

É artimanha.


(Rafael Huguenin)

6.9.07

Póstuma

Já não era sem tempo a volta da poesia do Felipe "Abdul" Sandin ao Presença, porque ficar sem os versos deste camarada aqui é prescindir de poesia libertária indispensável e, acima de tudo, agradável, renovadora e simples.
Tudo flui, Presença !

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Se a traça não devorar,
Se o fogo não consumir,
Se a água não desfizer
Minhas palavras serão a lembrança
De minha existência,
E poderão conhecer-me postumamente
E mesmo que ninguém se importe,
Elas ecoarão mudas pelo mundo
Não porque seja eu
Mais transcendente do que outros,
Mas porque o que estou sendo,
Basta como espelho de qualquer alma
As trilhas que meus pés fizeram,
A paisagem que mudei,
A energia que dissipei,
Tudo que sofri e as lágrimas que evaporei,
Ainda serão a contínua passagem invisível de meu espírito
Nesta terra oca de significados
Descobrirão que não há teleologia, não há verdade,
Não há matéria sem magia, e assim exaltarão os antepassados sem glória
Que conquistaram os dias tentando encontrar a si mesmos
Assim, minhas palavras farão o sentido que toda busca evoca;
Encontrar-se enfim,
Pleno com a vida que pulsa pelos séculos,
Em nós e no Universo.
PANTA REI ! TUDO FLUI !


(Felipe Sandin, do livro "Poesias ao vento", ainda por ser reproduzido e lançado)

3.9.07

Poema mecânico

Alo Presença !!
Da série "sonetinhos que eu compunha quando tinha 20 anos", saco este "poema mecânico", que escrevi para uma professora da faculdade.
Os sonetos desta época não são brilhantes, mas já eram todos decassílabos e fazem parte do aperfeiçoamento ao longo da trajetória.
A título de curiosidade, o poema foi entregue à minha musa acadêmica de então e ...
Vida longa !!

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Polimento, densidade, dinâmica,
Fluidez, resistência ao ar e à corrosão...
Estudo, porém dói-me o coração:
Sem ti estou neste mundo da mecânica.

Revendo temperatura e pressão
Fracassado sou na missão titânica
(Por entre aço inox, cimento e cerâmica)
De te esquecer e prestar atenção.

Vejo passarem lentos os segundos
E os escombros de estudos, moribundos,
Vazam com eles, desapercebidos.

E nada mais consigo imaginar
Senão tu, em tanta graça a me encantar,
Matando os raciocínios concebidos.


(Isaac Frederico, aos 06 de janeiro de 1999)