21.4.09

O insubordinado

................................................................................Antonie Tapies

Prazer em revê-lo.
As asas negras não voaram alto.

Viras teu corpo para o lado do vento
e junto dele te sentirás livre.

O mundo e suas estradas não se abriram.
Estremeces de frio em terraços estrelados
junto aos amigos que não enlouqueceram.

Tocas o chão com teus pés de barro
pesados como pedra
enquanto a mente dinamita impérios.

E de repente surge uma doce voz de criança
- Pai
Diz ela te sorrindo.

Teus olhos de águia se enchem d’água
e desabas em lágrimas
Num misto de amor e ceticismo.



André Luis Pontes, 1999.


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18.4.09

Marina Pachecco

...........................................................Desenho em luz e colagens



Em 2006 num encontro de estudantes de artes em São Luis do Maranhão tive a oportunidade de ver uma apresentação de dança da Marina no Teatro Arthur Azevedo. Fui laçado pela perfomance dela e depois de algum tempo as lembranças desta apresentação deram luz ao poema Bailarina do livreto Elementar. Até então não tinha trocado palavras com essa senhorita, só consegui entrar em contato com ela um bom tempo depois e descobri que além de se dedicar a dança a Marina também passeia pelas colagens/recortes/dadaísmos/fotografias e vídeos. Posto aqui alguns de seus trabalhos e o link de outros.

............................................................................... Involução

Mais da Marina em:

Suíte Dadá
Anestesia Efêmera
Fotos
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16.4.09

Conserto

Pintura do autor

Eis a chave de fenda, amigo.
A bitola do teu peito,
A mudança de conceito,
Uma ferramenta sóbria,
Conserta-te óbvia,
Atende-te, feito.
O hidráulico coração
Diz-te tanto,
Por que não ouves,
Que fazes que somes ?
O suado rosto, tenso,
Um medo imenso,
Uma diarréia desidratante,
Teu processo errante,
Teus cigarros na banca,
Tua banca indecente;
Sai daí, tou contigo,
Te ponho uma toalha molhada
Na testa inchada,
A febre demente,
O corpo débil sente,
A flama acetilênica
Do conserto urgente.


(Aos 13 de abril de 2009)

14.4.09

"CTRL Z"

Editar
a sede.
Derivar do seu,
o todo.
Deles, o fruto lasso -
reles.

Editar o oco
no espaço branco do nada
elevar ao centro,
culminar abaixo
mais ainda,
naufragar o nulo.

Retesar o gosto
aplainar o rosto
gasto,
acre, doido, num rasgo de quase
e passar adiante o célebre
do recomeço,
sim
dizer não
sim
pra frente, sem pensar.

Editar o amor,
prensar
no plano do apago:
devorar, deletar o dano
acabar por causar todo descuido humano
e crivar do negro a fonte vaga
deriva-lá ao não-cursor,
o rio destro
abominável, lastro incompreensível
cega leitura
página aplural de universos grãos de milho
letras roídas, obesas
fontes novas, ovas, lidas, indo ao fosso
e o intestino fino,
delegado ao grosso, mal educado.

Editar o curto
alargar o vulgo - seu ânus casto da rolha
despe-te dos salmos tal enganos
andas e comes teu silêncio
de espaço em branco, e nada.
Nada, que o mar é amar sem saber de onde.

13.4.09

"A vida, éter-na-mente"

Não o que dança firmemente,
este sabe bem onde pousar os pés.
Pois basta que a lua tarde, e já se faz manhã dentro da pele.

Motivemos então agora,
o que de menos limpo e novo há nessas taças,
agora rasas, que antes moldaram o melhor do gole:
suaves paragens de andarilhos.

Gole hirsuto e largo, vasto - tão que o bocal partiu-se em pedacinhos
e foi-se como vão os passarinhos
em cada osso e vértebra aninhar.
São mais que peças que te pregam teus amiguinhos,
pois estas pequenas aves não te negam.
E mesmo tu sem penas, já te ensinam a voar!
Porque é preciso homem!
E impreciso como tudo, mas é preciso - sempre! - No fim saberás!
O rio está sempre a inventar os mares.
E mesmo que te esfarele a face num vôo tonto,
toma, podes tomar como tuas as filigranas deste sol por de mais gasto.
Ainda uma brasa assim quase que morta,
pode bem explodir em fogo um grande pasto.

Basta então amigo,
que te relembre desta ilhota de paixão!
Eis que seja teu único brinde talvez, que propôs a vida.
Mas verdadeiramente!
Nada pode ser mais dúbio que a verdade.
Estuda com tua alma, ela não pesa.
A calma é mãe do desespero, saiba.
Não temos tempo pra tantos mapas.
E quem se perde, há de achar novos caminhos.

Vai!
Estende-se pr´além do corpo.
E com grandes olhos busca teu troco,
mas não o contes enquanto o tomas.

Ali, no final deste reduto cristalífico, expande-te - posso e digo!
Verás teu corpo reduzido
ao corpo comum de qualquer homem.
E talvez, se assim conseguir e puder, faz como eu, chora.
Chora que a vida é mesmo breve,
tal este olor pequeno em cada gole.
A vida é éter e se esfuma leve de vento em popa;
é breve assim como este vinho e evapora.

9.4.09

Fluvial

Pintura do autor

Prendi a respiração,
Tranquei o peito inteiro,
Incluso os rios
e os risos arredios
De medo sincero
das maçãs apessegadas do teu rosto,
do meu todo amor –
O rio dos rios posto à prova seca
Da tua art noveau,
tuas frutas de labirinto,
tua louça vitoriana.

Abri o peito inteiro
Forçando o fluxo
de ser o tempo todo
O que quero ser,
Respirar não apenas necessidade,
Dar a mão sorrindo,
Expor a cara convicto
vencendo-me enfim,
Deixar-me para trás,
Superar os eus que não somos.

Não abrirás teu aeródromo
sob placas de sol sintético;
Deixa de ser
teus pontos pré-sorteados.
Aceno-te com os rios do meu peito,
Deixo de ser pra acontecer,
Sublimar minhas moléculas
e nossos egos loteados
Num mar de abril perfeito.


(Aos 7 de abril de 2009)

7.4.09

Gabardina

Sorvemos de gole inteiro
O cálice desses ventos noturnos
Visitando, profundos,
os goles e nós,
Ávidos de viver e partir,
Repartir e ir;

Não quero mais acordar sozinho.
Somos o quintal escuro desta casa
quando no escuro pensamos,
Escurecemos nosso “quando?”
nos pequenos detalhes
que vão passando desapercebidos,
Assoreando nosso fluxo,
Conjugando meus e teus,
Assassinando vidas com calculadoras
e julgamentos esquemáticos,
Presos em nossos próprios umbigos,
Na cicuta de nossas rotinas.

Não quero mais ser essa gabardina
De 30 anos, memórias falhas,
Ter peso de passado,
Películas de um futuro promissor,
Uma carcaça escorada
nos encontros desmarcados com todos,
Votando no candidato eu,
Tento após tento,
Uma carcaça escorada e um copo de rum,
Sempre isento
no quintal escuro dos ventos noturnos,
Sabendo, no fundo,
Um dia acordar sozinho,
Expulso,
como nascendo.


(Aos 5 de abril de 2009)

5.4.09

Saudade internacional

Estou fora.
Liga pra mim.
Penso em ti de Lisboa,
penso em ti de Saigon –
Que latinoamericano sou ?
De que raça sou ?
Não dá pra saber, comendo tacos em Tenochtitlán
ou vivendo o dharma em Vientiane,
Sendo o caos de um organismo,
a assembléia de uma mente,
Pensa em mim no Rio,
escreve um e-mail pra mim,
Me manda um beijo,
me manda um porto
Que chames erroneamente de teu
Porque pra lá da tua rua
És in-teu, és o cheiro
da maresia de Copacabana à noite,
Noturno andando,
Passando pelas putas,
desacontecendo no Rio
como em Montevidéu,
São só cervejas e pratos típicos,
Trens levando bois
pra trabalhar,
Deuses pedindo preces
para salvar,
Os chicletes que nunca sairão do asfalto,
Um quadro na parede,
Me manda um alô,
Me diz que ainda és
em Santa Teresa.


(Aos 20 de fevereiro de 2009)