28.12.06

Renata Dantas

Por causa de alguns problemas que a Renata teve para postar seu texto, me foi concedida a honra de publicar mais uma pérola de sua autoria.
À espera

Ela só queria que ele aparecesse. Não queria beijo ardente. Nem pedido de casamento. Nem casal de filhos. Nem casa de praia em Angra. Só queria que ele aparecesse. Afinal de contas, havia estampado vestido novo. Salto alto nos pés. Esmalte rubro nas unhas. Batom carmim tatuado na boca. Cabelos caídos displicentes sobre os ombros nus. Seria muita desfeita...
Sentada no bar. Sozinha. Adornada com lâminas provenientes do ventrículo esquerdo, escolheu a meia sombra. Para livrar-se da desagradável sensação de que um dia sentiria o odor forte de enxofre e o estalido dos relhos estridentes do inferno.

Com um dedo, ordenou cerveja. Com dois, pediu cigarro ao rapaz na mesa ao lado. Nem fumava, mas ajudava a passar o tempo. "Garçom, outra cerveja, por favor!". E assim ela ficou durante algumas horas. Pedindo cerveja ao garçom, cigarro ao rapaz da mesa ao lado.

O pôr do sol ansioso começou a se espalhar. Banhou-se de crepúsculo para ter a tez cor de cobre e a boca malignamente em chamas. Mas ela sabia que devia ir. Já estava sem os sapatos. A roupa tinha sido colorida com a cerveja. O batom estava borrado. As unhas vermelhas, ruídas. Ele não viera – nem a passos curtos e lentos.
Voltou pra casa querendo quebrar o relógio. Queimar o calendário. Era seu aniversário. Ela tinha tanto. Ela teria. Ela teve um ter de haver havido e sonhar ávido. E ele havia passado por suas veias de poucas hemácias com tanta força que ela ainda sentia a fraqueza da falta do sangue jorrado.
Na manhã seguinte, acordou rápido, embevecida. Não fosse a esquina, teria tido um sono de paz imaculada. Mas sorteou ressaca das grandes. Decidiu comprar o jornal. "Sempre tem alguém que teve uma noite pior que a sua". Foi até a banca, pagou o do dia e uma carteira de cigarros. O jornaleiro: "Moça, cigarro mata". "Não" – disse ela - "o que mata é esperar".

24.12.06

Ar

Ar

(Suspiro)

(Suspiro)

O sopro boreal principia
O ataque medular ao meu controle:
O aluvião de memórias
Faz transbordar o copo –
E sento
E escrevo
E suspiro…

Tanto quanto água
Sou ar – ou antes
Não sou sem ar,
O éter da Terra,
O nada substante,
Laje do Reino dos Céus.

Decúbito em seu berço,
Desejaria voar,
Deambular livre
Das terrenas torturas,
Ingravitar
Por saber-me atravessado
De ar.

Os brônquios agradecidos…
As nuvens dos sonhos…
As brisas cisplatinas –
O aroma !

E desde o marco zero
A espera pelo retiro,
O acerto final
E o último… suspiro.

(Isaac Frederico, em 11 de dezembro de 2006)

23.12.06

Natureza

Os braços abertos num rodopio,
tentam colher a realidade.
O ácido da amada corroeu meu equilíbrio.
O orgulho trincou me as lágrimas.
E tudo na tarde é um quase ser,
um quase conseguir.
Tentativa vã de decifrar angústias.
Uma página lembrada de Rilke.
Uma vontade assassinada.
Abandono à inércia,
e salto na inconstância dos dias.
Um beijo na boca da ironia
(ela ainda consegue nos salvar).
Explode uma risada.
Humano,
tolamente humano.

Março de 2004.

16.12.06

Anatomia de um conflito


Que posso eu esperar,


Se

Deste teu olhar oblíquo e dissimulado –

Mal ancorado entre o riso e esta

Seriíssima ruga –

Cuja ranhura mais me prende que assusta,

Cujo vazio mais me instiga que envolve,

Não prevejo o que vai roubar-me;


Se

Ao preencher-te tenho a plácida

Ciência de que o mosaico que formarão as palavras

Será a prova de teu crime hediondo.

E, por fim,

Essa será parte tão primitiva de mim

Que me livrar da culpa provocará um doloroso remorso?


Que posso eu dizer,


Se

Tuas artimanhas levam a forma do meu cinismo;

E teu cinismo o benefício da minha angústia;

E tua angústia o receio pelo meu reinado;

E teu reinado a indiferença pela minha alma;


Se

O tumulto dos meus pensamentos

Enlaça tão bem o seu corpo;

E minha pólvora, ao revestir-se da tua brancura,

Explode naturalmente a muralha

Do mais medíocre entre os meus temores?


Que posso eu, doravante, considerar exclusivamente meu,


Se

Neste duelo no qual te encaro e me desmorono

Naufrago sempre junto a ti;

E renasço tão outro

que não sei onde termino eu e onde começas tu;


Se

Meu mundo tece as sombras que rabisco sobre teu relevo

E teu relevo ilumina o breu de onde saem esses seres

Híbridos, pluriformes;

Fotografias infiéis das desavenças e harmonias

Que tivemos,


Nós,

Poeta e papel.

Amotinados de tão parcas possibilidades?


(Vinicius Perenha – dezembro de 2006)

15.12.06

Crônico

Melancia é água,

Lápis é carvão,

Balão é ar,

Praia é areia
Com mar, que é vida,

Papel é árvore,

Ninho é cria,

Sono é sonho,

Circo é fantasia.


Eu sou amor de epidemia,
Crônico por você –

Que é poesia.



(Isaac Frederico, em 10 de dezembro de 2006)

12.12.06

Rafael "Grego"

Já apresentei diversas vezes a poesia do Grego aqui - ainda assim não me contenho de escrever algumas poucas palavras quando posto uma poesia sua.
Bebendo na fonte camoniana de não separar quartetos e tercetos, Grego mete um soneto alucinante atrás do outro, revirando sensações nem sempre floridas.
Vai aqui um antigo, inflamável.

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NO VENTRE DO VERÃO

No ventre do verão sem calma ou vento,
não tive a quem gritar. O sol queimante,
o suor, a febre, o espasmo delirante
secava em todo peito todo intento.
Era Dezembro, o mês do fingimento.
As ruas eu cruzava em pranto andante,
espremido entre a massa e o cru cimento,
sem ninguém que me ouvisse o grito arfante.
Em meio à gente tanta, solitário,
no ventre do verão incinerário
queimava os pés no solo e a pele no ar.
E em todos os rostos um sorriso,
tão belo, tão bonito e tão preciso
com prazo até Janeiro pra pagar.

(Rafael Huguenin, desconheço a data...)

10.12.06

Rafael Elfe

Ercília, minha estrela

Eu que diria de tuas falas esmaecidas
Mil chuvas cobrindo na janela à vista cinza
Eu que diria das manhãs voltando da escola
E em tua boca fina o cigarro pendurado,
fantasmas na fumaça - miasmas
E minha mãe à milhas dali, num escritório fundo.

Que diria de tuas roupas, a fossa no quintal
Eu tive um castelo aos pés do muro
Funeral de um playmobil e duas bolas de gude.
O que dirão delas?

O que diria teus cabelos sob o lenço, arredios?
Os guaranis berravam em teus olhos!
Índios de palavras tão doces quanto tuas ordens;
E eu me perdia com a vizinha atrás da casa...

À tardinha o café tão preto e solitário
e o pão sem manteiga...
O que diria desse gosto?
Era desgosto, e gosto afincados
Trancafiava tuas horas em mim, ai vó!
Eles sabem o que eu sinto, mas não me entendem.
O que diriam de você e suas velhas coisas
em suas velhas caixas sobre o armário de mogno

antigo?
Eles não sabem o que você sentiu àquela noite
vendo a casa ir abaixo... eles souberam nos jornais.
Souberam na patrulha do rádio, que ouvias pela

casa...
O vizinho de cima, Clóvis, o diabo em pele...
ateara fogo ao corpo, e esfaqueara a mulher...
Hoje os filhos são pastores - cheiro de carne humana

queimando.
As peles sobre o cimento riscado da cisterna.
Um punhal quase acerta o Zé.
Eu me lembro...

E o medo das noites de estrelas?
Algum ovni pousara naquele morro... à esquerda.
Enquanto, imóveis, dois móveis, sofás
dentro da sala pequena
em paredes pintadas de cal e xadrez azul,
gritavam a agonia de uma vida cheia de ínfimas

alegrias.

Lembro da moeda que engoli, ou bala soft?
Quanta falta de ar vó!
A senhora ainda me ouve?
E o telhado?
Ainda florindo o negro musgo?
Passei a infância ali de cima,
observando o mundo.
- Rafael!! Vem tomar banho! - e eu descia por uma

madeira oca e cheia de pregos...

Que diriam de mim vó?
A senhora, Ercília, nome tão lindo!
- "Bença" vó?
- Deus te abençoe...

Dá pra ser?

A S...

Dá pra sermos naturais?
Ou precisamos registrar em cartório?
Só quero um abraço,
Uma encostada, uma troca
De amor físico, permitido,
De fluir per si.

Dá pra ser?
Um curtir sem faina,
Sem-vergonha de bom,
Com respeito e fácil,
Satisfeitor,
Sem a culpa portátil
Do ter que ?
Pode ser?

Dá pra ser delícia
De 500ml
Sem a McSuplícia
Da culpa que repele?
Eu só preciso de você
O quanto você precisa de mim,
Você tão flor,
Tão linda, tão tesão-nato,
Eu tão seu, tão vai, tão vem,
Quase lácteo
Em minhas intenções,
Quase lácteo, quase lácteo, quase lá….
Aaaaaah !!!!

Dá pra ser, bebê?
Um abraço fraterno,
Um toque mútuo,
Um seio materno
Ou melhor,
Ambos os seios maternos,
Quase pintados, de tão perfeitos –
Não tenha receio!
Dá pra ser?

Dá pra me notar,
Eu tão louco por um abraço,
Um conquistador barato
Mas honesto
E louco de amor … ?

Dá pra ser?
Ou precisa de escrivão?
Pode ser o sim
Ao invés do não … ?

(Isaac Frederico, em 10 de dezembro de 2006)

8.12.06

hégira

salve presença!
este postema não é de ler,
é de ver.
espero que curtam.
abraço-abraço,
rafael.
_ _ _

hégira, 2006.
impressão eletrônica sobre papel,
1,60x1,05 m.

7.12.06

Mercadores da peste

colegas,

a impotência orgástica é a incapacidade de sentir troca no tento sexual.
os frustrados são rijos, mecânicos,
invejosos, sentem necessidade de punir
e, mais importante, de seguir as regras, necessárias para suas vidas inertes.
necessitam que um líder lhes diga o que se pode ou não fazer.

a impotência orgástica é oriunda de uma profunda repressão, quando crianças,
de sua sexualidade, de seus gestos naturais, de seu choro e sua euforia.

a descarga bioelétrica fica impedida pelo encouraçamento muscular oriundo disso.
o impedimento do fluxo da carga bioelétrica acarreta frustração.

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Mercadores da peste

Mercadores da peste! Seus versículos
Aguardam o messias que revogue
A condição de carcaça no açougue
De seus vis corpos, rijos. Os testículos

Adiposos de toda autoridade
Lambem, em afã de uma direção
Que lhes diga quando acatar ou não
As regras de que têm necessidade.

A inércia de seu tento sexual
Lhes imprime um ódio seminal
Ao curso saudável das vidas sãs

E armados de suas fainas moralistas
(As quais pintam com tintas progressistas)
Vivem, flácidos, existências vãs.


(Isaac Frederico, em 25 de novembro de 2006)

5.12.06

Reflexões do Interior

Caros,

posto aqui mais uma poesia do Leonardo Schuery, cujos escritos retratam, entre outros, o embate tão presente da fantasia com o real, que é responsável por desdobramentos dos mais intensos na personalidade de cada um de nós.
Muito desse embate se dá nas relações sensuais das pessoas (amigos(as), namorados(as), parentes) e os escritos do Leo redimem na medida em que nos fornecem pistas e análises para compreender melhor como se processa a coisa.
"Os sonhos que consomem a Vida..."


Reflexões do Interior

De acordo estamos então
Você olha, eu vou e você diz não
O roteiro preparado
Personagens etéreos aspirados pelo ar cansado
Vai dizer que não ?
No adágio do meu passo, a sua inquietude
Fragmentando a realidade
E constituindo nada, nada não
É a dialética tácita em vão
Vão de vazio mesmo
Desprovido de qualquer ão
Vai de quê agora ?
A tua diversidade insípida
Manifestos em gestos infestos
Que refletem meu vazio
Nesga de Vida do interior
Pródigos em expressões tépidas de amor
Mas não tem nada não
A tergiversação é consentida
Sustenta os sonhos que consomem a Vida
Mitigando a dor do real
E não há ubiquação alguma
Suma !
Eu falo para dentro.

(Leonardo Schuery, em 22 de maio de 2006)

4.12.06

Da vida

Entrou.

Fechou a porta atrás de si. Inebriou-se com o cheirando a guardado que reinava no cômodo antigo. Ensaiou passos trôpegos em direção à cama. Sentou-se delicada na beira do velho móvel de madeira escura. Como que não querendo despertar aquela que ali repousava.

No centro do colchão gasto, aquele peso afundava a espuma já sem força. Pôs suas mãos rosadas sobre a outra pele – pálida como a morte. Observou indiferente as unhas amareladas e compridas. O cabelo gasto. A boca enrugada e sem dentes. Os olhos descansando cerrados. As mãos unidas em forma de oração. A pele flácida depois dos anos. Pouco tinham se visto. Mas agora se sabiam mudas. Íntimas no silêncio imperativo. Atravessadas pelo fio de vida.

Não proferiu sentimento. Tomou o estilete na mão. Despedaçou a roupa que cobria o corpo de sua companhia com uma força violenta. Não rasgou uma lágrima sequer. Jogou fora os trapos impregnados pela naftalina. Abandonou a lâmina. Pulsou vida para brincar de boneca com a tépida presença. Com seu toque de sangue quente, revestiu aquele peito nu e vazio. A camisa era aquela que esperou as grandes ocasiões que nunca vieram. Vestiu, uma por uma, as pernas frias dentro da calça alva. E os pés magros, um por um, dentro das meias. Fez alinhados os fios e faceira as maçãs.

Não cogitou a dor. Ou o remorso por não supor a dor. Desaguou em sequidão. Sobrava ainda um pouco de café. Restavam alguns cigarros. A vela do Santo que não tinha sido acesa. E uma sensação inóspita que não cabia no quarto apertado. Logo depois ligou para a funerária.

Rio, 04/12/2006.

2.12.06

Descanso

Descanso

Dia de chuva fina,
chatinha que não quer passar.
Vou saltando poças.
Olhando as pernas grossas
da comedora de pastel
Sentindo uma proximidade maior das coisas
Reparando o olhar dos passantes encasacados
que nesses dias frios parecem mais frágeis
mais humanos.
Caminho em calma
num dia
em que nenhum xingamento me alteraria o humor.
Calmo
dentro da calma da chuva preguiçosa.
E nesta serenidade cada vez mais rara
em meio a tanto prédio e passo rápido
Ouço um ; - Boa tarde meu jovem.
Outra vez , mais acentuado
- Boa tarde meu jovem.
E reparo que se dirige a mim
Olho pro lado
e vejo o guardador de carros dizer mais uma vez
-Boa tarde meu jovem.
Retribuo o sorriso e respondo
-Boa tarde.



Julho de 2005.

rafael saraiva

rafael saraiva sou eu.
meu forte não é a rima,
mas prometo que vou me esforçar.
como entrei por último, posso ficar no gol.
honrado com o presente-convite,
por hora vou de:

espiral
sonho helicoidal
de rima ritual
primogênito desafio
que estoura ao infinito
a sinopse do tudo não pára
é a vida em dois fios
que corre e corre e voa
mas volta
na hipnótica revolução
do áureo sempre-pra-sempre
labirinto espiral

rio, novembro ‘06
_ _ _


1.12.06

A Arte do Iludir-se

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Já temos um time: quatro na linha e um no gol.


Bem-vindo mermão.

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A Arte do Iludir-se



A maior invenção do homem

É a imaginação.

Imagine o mundo sem

Anarquistas

Separatistas

Imperialistas

Nacionalistas

Franciscanos - niilistas

Marxistas - freudianos

E

Seus aforismos

Seus anarquismos

Separatismos

Imperialismos

Nacionalismos

Niilismos

E

Os demais exercícios

Dessa façanha.


(vinicius perenha - novembro de 2006)