10.5.17

Uma concha ao pé do ouvido


Poema inesquecível do William Galdino, como que um testemunho, que sempre vale a leitura, cada vez. Datado de 21 de março de 2009, Rio de Janeiro .-



Daquelas águas que conforme os dias variavam suas cores 
Verde 
Vermelho 
cinza, surgiam crinas, eram cabeças de éguas degoladas. 
Porcos inchados, cães saciando a fome de urubus. 
Cavalo morto atrapalhando o futebol dominical. 
Susto de verão para os banhistas 
nos tempos em que suas areias eram invadidas por incontáveis guarda-sóis. 
Mandalas reluzentes a beira-mar.

Jigogas. 
Cobras de duas cabeças. 
Minhas mãos revirando as surpresas trazidas depois da chuva. 
Carrinho sem roda, boneco sem perna, espinha de bagre. 
Baiacu sob o sol estufando até estourar. 
Naquelas areias catei figurinhas de chiclete. 
Roubei o doce da macumba pedindo respeitosa licença aos santos. 
Lacei pombos pelos pés, os brancos valiam mais.

Um trocado no bolso


Champagne de reveillon virando ficha de fliperama.

Meu corpo estremecendo num mergulho de verão. 
Era o bater das ondas misturado ao fremir das mãos.

Engravidando marés

Guerreei com amêndoas. 
Vi um tubarão (depois descobri ser cação) pendurado numa árvore. 
Tive pena dele, de bobeira veio se enrolar numa rede e foi morto a pauladas. 
Fiquei um bom tempo sem entrar naquelas águas, medo de avistar barbatana.

Pequenas ondas 
Hawaii de playmobil.

O barco de Iemanjá que carregamos pra casa e se tornou a nossa nau. 
Trampolim pros mais acrobáticos mergulhos.

Siri no caniço, tainha no puçá, espada no arrastão.

Rabo de arraia chicoteando a memória.

No almoço uma fritada de marisco com limão. 
Sem princesinha do mar, sem oceanos. 
Naquelas águas escuras estão as minhas mais límpidas lembranças. 
Praia da Bica da janela deste ônibus te vejo.

Penso no poeta Hart Crane e me lanço em tuas águas.

Onde tudo começa onde tudo termina.