5.11.12

Iberê Camargo


Os escritos de Iberê Camargo estão à altura de sua pintura.
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Mistérios da vida


Astronauta de uma nave cultural, a Terra, pendurado de cabeça pra baixo ou para cima, sem teto nem assoalho, navego num espaço que a imaginação não consegue limitar. Como um marinheiro embarcado à força procura ler o livro de bordo, para descobrir o roteiro desta inquietante viagem, consulto o mar, as pedras que são os documentos mais antigos e os alfarrábios amontoados nos cantos da nave. Alguns são de uma clareza obscura, outros de uma certeza incerta. Há muitas rasuras nesses velhos escritos. Sempre lhes falta a última página. Pergunto então aos viajantes mais antigos, mas nenhum deles viu os sinais que, dizem, outrora no céu apareceram. Olho para aquela Lua pisada pelo homem. Penso que ela seja falsa. A Lua, a minha Lua, é aquela que traz sobre a face Nossa Senhora montada no burrinho, carregando nos braços o Menino Jesus. É a minha Lua e a Lua da Chata, minha irmã de criação. Se isso não for verdade, então os velhos mentiram para nós.
Inquietante é a viagem da nossa nave, correndo pelo espaço sem fim...Nesta viagem, neste meu durar renovam-se os passageiros. É um embarcar e desembarcar azafamado. Muitos não se preocupam em conhecer o roteiro da nave nem o seu próprio durar, considerando que essa indagação rouba o prazer da viagem. Comportam-se como turistas. Eu não estou entre esses. Embora saiba que, abrindo uma porta, encontro uma outra fechada, continuo a abri-las uma após outra, indefinidamente. O homem quer conhecer.
Esse mistério que veste as coisas está presente também na arte. Jamais consegui explicar a alguém o algo misterioso que existe na obra de arte. Esse mistério está no quadro, nos olhos do gato, nos olhos do homem e na vida. E a tudo envolve e a todos confunde. É o real na sua concreteza.
Quando à noite, na minha cidade, ouço o trotear de um cavalo no asfalto da minha rua, eu imagino um ser fantástico a galopar no escuro pelo céu, pela Via Láctea. Este pensamento, que talvez pareça absurdo e pueril, é menos fantástico do que o cavalo troteando por essa rua, desta nave.

                                           Porto Alegre, 6 de maio de 1970

Do livro gaveta dos guardados. 
























2 comentários:

Isaac Frederico disse...

Sensacional o texto ... uma leitura muito peculiar da nossa existencia, somos passageiros nessa nave inacreditavel. adorei o texto, muito bom.

Anônimo disse...

Olha me respondam uma coisa, que estou cafufado ate hoje,

Por que a maioria das obras de artistas sao tipo um momte de rabiscos, de tintas jogadas ou tal., por que e sempre algo que parece que foi um cego que pintou ou algo asim,.,..,.eu garanto se fosse um macaco que pintasse vcs nao iam dar moral.,. ou se fosse uma criança que fizesse um monte de rabisco., ai sim eu acho que vcs ia dizer.,.nossa que bonito.,e tals,,.,.,podem dizer que nao sei oque e arte.,. mas pelo contrario .,.eu gosto de arte.,. mas so queria saber como pode isso.,.as vezes um monte de rabiscos vira uma arte