5.2.14

Estrela da manhã


Quero que tenhas um vento sujo
A entrar por tuas janelas
Varrendo, fétido, teus papéis e máscaras.

Quero que em teu pomar cresçam larvas
Maiores que maçãs
E que tenhas fome e as devore
E que limpe os cantos dos lábios, imundos
Com lenço alvo de agradável perfume.

Quero que sangres o bastante
Pelo nariz, prefiro
Diante dos teus mais audazes juízes
Diante dos teus santos patrões
E sob o olhar enojado das crianças.

Sim, quero que sintas a estocada
Quando estiver distraído
Quero que tua tosse possa doer por meses
Quero que teus amigos sejam cruéis
E que teus dentes apodreçam, mas permaneçam, impuros
Na boca que irá buscar, sublime, o amor. 
  
Só assim a alegria e o júbilo
Te sorrirão quando a ti derem as migalhas com que nos contentamos
Nós, de tão pura alma e tão escasso saber.

Aproveite o dia, irmão
Mastigue as agradáveis pedras que te forem dadas
A virtude não virá sob o doce aspecto da satisfação
Mas sob o áspero jugo humano
Da fome.

Vinicius Perenha, do Livreto Torres Homem, 278.

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