13.4.07

Apatia

alou presença !
posto um pequeno conto de um grande amigo, o Fabio Alves.
há anos filosofando sobre os atalhos, desde tempos imemoriais em cabo frio, a produção literária do Fabio não tem sido muito impulsionada por ele próprio, então nada melhor que a boa diversidade, colocar em jogo o máximo possível de pensamentos e malabares de palavras.

* * *

Quando cheguei em casa havia três horas após o meio dia. Coloquei a cadeira de praia no armarinho debaixo da escada. Subi para o andar de cima com os pés sujos de areia da praia.
Não quis comer nada. Avisei à empregada que estaria no quarto, para o caso de um telefonema ou eventual visita. Tranquei a porta.
O meu quarto ficava na cobertura de um apartamento duplex defronte à praia de Ipanema, de onde tinha vista plena do Arpoador até o mirante do Leblon, do movimento das “dondocas” rebolando seus belos corpos no calçadão e dos surfistas deslizando nas ondas doiradas pelo sol cor de abóbora em seu crepúsculo vespertino. O dinheiro e as coisas belas nunca foram escassas na minha vida.
Tomei um banho quente – que ardia-me as costas bronzeada pelo sol- e saí do banheiro ainda me enxugando. Coloquei uma bermuda confortável e deitei-me na cama: A apatia.
Só o som do Rádio, o vento gelado que saía do ar-condicionado e o calor da brasa do meu cigarro repousado no cinzeiro, faziam que alguma coisa material se movesse. No mais, era tudo parado e os pensamentos confusos. Não foi a partir daquele dia que tudo começou, mas dali descobri o que me reservara a vida e o que ela havia me dado até presente o momento.
Era justamente, e apenas, tudo aquilo que ali estava: um sol, belas garotas, dinheiro e alguns poucos amigos – que não sabia sê-los verdadeiros. E isto é tudo que realmente pode-se esperar. Então, compreendi a dor que às vezes me remetia ao maxilar, os dentes rangendo e a vertigem nas noites mal dormidas de todos os dias: A aflição.
“Viverei eu assim?”, pensei.”Será que é só isso mesmo? Tem que haver algo! Tem que haver!”. Mas as coisas não aconteciam, e dia após dia a rotina se instalava em mim. A dor no maxilar aumentara, além do surgimento de calafrios – outro sinal de que as coisas não iam nada bem. Não comia; a libido se reduziu a zero. Perdi a namorada e os poucos amigos que agora sei serem falsos. Um homem num parafuso que se atarraxa cada vez mais para dentro do buraco feito pela furadeira das idéias na parede da vida.
Passei a me escorar em garrafas de uísque. Assim, comecei a distanciar-me da realidade. Era o que eu precisava! Tornei-me ébrio permanente. Mas não deixara de morder os dentes. E o álcool se tornou, para mim, como o sol e as ondas douradas do mar, como o mirante, o mendigo e o caviar. Como tudo era: colorido e sem graça.
Fui internado pelos meus tios numa clínica. Achavam-me louco e viciado em álcool. Não me opus. Não me importava.
Foi lá que comecei a tomar remédios de tarja preta. Minha dor no maxilar cessara e os pensamentos começaram a se alinhar. Tive alta da clínica.
Com o passar do tempo, descobri que toda apatia é fruto de uma certa dose tragada de revolta, mas uma revolta tranqüila – mansa. E minha vida seguiu como era antes, com exceção das pílulas que tomava pela manhã e à noite antes de dormir. Apático e revoltado com alguma coisa que eu não sabia o que era, quiçá nunca saberei.

(Fabio Alves, 2007)

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