25.6.08

Trecho do diário sem floreios

“Me beija, me beija”. Fazia calor, ela tava tão pirada que tava pondo os peitos pra fora na frente de todo mundo. Eu falei pra ela maneirar. Ela disse “Vamo lá pra casa, minha mãe só volta amanhã”. Havia mais de um mês que eu não comia ninguém. Mas eu sabia que se trepasse com ela tudo ia voltar, as mesmas merdas de sempre. Eu lhe disse “É melhor não” Soltou um riso debochado e gritou “ Não gosta mais da fruta seu viadinho”
Tive vontade de dar um murro na cara dela. Ela se agarrou no meu pescoço e ficou “Vamo, vamo” .Eu disse não e ela continuou. Aí fiquei puto e dei um empurrão nela, ela bateu na vitrine e se esborrachou no chão, tentei ajudá-la a se levantar, ela deu um tapa no meu braço e começou a me xingar. Pedi desculpas, ela ficou histérica, virei as costas e a deixei lá. Atravessei a rua e peguei o ônibus. Fiquei mal pra cacete, achei que tinha exagerado, mas depois me perdoei , ela já tava passando dos limites. Do meu lado se sentou uma senhora que começou a falar sobre o desrespeito que sofriam os idosos por parte dos motoristas. Toda hora ela me perguntava o que eu achava de uma das suas colocações, a última coisa que eu queria naquele instante era conversar. Gostaria que existisse a pílula da invisibilidade pra poder tomar nesses momentos. E ainda tinha a minha mãe me esperando em casa pra mais um sermão. Puta que o pariu, eu realmente queria sumir. E a senhora do meu lado continuava “Não é mesmo, não é mesmo” eu concordava com um riso sem graça que escondia a minha vontade de mandá-la à merda abrir a janela de emergência e jogá-la de cima do viaduto. Tava no limite, a qualquer momento eu ia explodir, cólera, raiva de mim, incompreensão,falta de perspectiva, ódio pelo rumo que as coisas estavam tomando. Fechei os olhos para um cochilo pacificador. Acordei com o trocador me sacudindo “Ponto final”. Só faltava essa. O ônibus ficou uns quinze minutos parado. Do lado de fora uma mulher apertava incansavelmente o botão de uma máquina de refrigerantes, depois de muita insistência ela conseguiu a sua latinha, tinha o cabelo tingido e usava um salto alto comprado em algum brechó, eu fiquei secando os peitos dela, sempre tive tara por seios, nossa primeira fonte de prazer. Os dela eram fartos , daqueles de encher as mãos, fiquei pensando como deveriam ser os mamilos, rosados ou moreninhos? Aí ela percebeu que eu tava olhando e fez uma cara tão feia que me intimidou, o motorista deu a partida, só tinha eu e mais um estudante no ônibus.
(...)

André Luis Pontes, diário sem floreios, 1997.

3 comentários:

Isaac Frederico disse...

puta texto cara, achei fodão, me deu uma baita vontade de ler esse diário.
será que a forma de escrever é tão importante quanto o conteúdo de um texto ?
não rola de colocar esse diário pra jogo ?
vou ver se coloco os diários das viagens à ásia e pela europa em jogo.

Heyk disse...

òtimo né?

Legal, muito retrato mesmo. LEgal. Haja fôlego.

Esse viado, desse autor, desapareceu, foi isso, Willian?

william disse...

É Heyk como eu tinha dito no primeiro texto do andré postado aqui, As ultimas noticias que tive dele são de alguns anos atrás, estava em Montevidéu. o andré luis acabou seguindo os passos de um ´poeta que ele admirava, o Rimbaud, parou de escrever poesias, resolveu vivê-las.

E isaac aguardo pelos diários de viagem.