13.10.09

Diário do México - 8

Arte mexicana contemporânea


Exposição sensacional de lucha libre


Itálico As ruas da capital, vistas da Torre Latinoamericana


Subcomandante Marcos, retratado pelo artista contemporâneo Gustavo Monroy



Outro do Monroy


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.....03 jan

.....Acordamos mais ou menos à mesma hora de sempre, a Lígia não conseguiu dormir tão bem, eu dormi tranquilo. Um pouco difícil se acostumar ao ar extremamente seco, que aos poucos nos vai abrindo rachaduras nos lábios e dedos.

.....Decidimos voltar ao Centro Histórico, desta vez de metrô, para percorrer alguns locais que não conseguimos visitar ontem. Pegamos o metrô na Pino Suárez, de onde fomos caminhando em direção ao Zócalo.

.....Nossa primeira parada foi o Museo de la Ciudad de Mexico, um discreto museu se comparado aos medalhões que aqui existem; lá vimos uma amostra sensacional sobre a luta livre de personagens (estilo telecasting), aquela com lutadores mascarados, muito popular por aqui desde os anos 30. A exposição retratou a teatralidade carnavalesca e bizarra da luta, a carreira de diversos lutadores ao longo dos anos que se tornaram mitos, muitas das máscaras e pintura utilizadas, bem como as participações catárticas do público.

.....Ainda neste pequeno museu, do qual pouco esperávamos, vimos uma exposição sobre o aspecto cultural, ainda muito presente em cidades menores, do enfeite e celebração dos mortos, com grandes altares adornados de fotos, frutas e flores, verdadeiras obras antropológicas em homenagem aos respectivos mortos, frequentemente nos lares mais modestos e humildes possíveis.

.....Também havia uma pequena explanação sobre vida e obra do arquiteto mexicano Luís Barragán (1902-1988). Nascido no estado de Jalisco e educado engenheiro civil, Barragán foi auto-didata em arquitetura; recebeu em 1980 o Pritzer Price, a mais elevada honra (prêmio) da arquitetura nacional.

.....Deste museu fomos em direção ao Zócalo e depois, tangenciando-o, viramos na conhecida calle Moneda.

.....Nossa primeira parada na Moneda foi o Museo de la Secretaría de Hacienda y Credito Publico, do qual, a julgar pelo nome, não sabíamos em absoluto o que esperar; o que vimos foi muito além do que esperávamos, um apanhado honestíssimo de artistas contemporâneos mexicanos. Logo na primeira sala havia uma excelente exposição de quadros de Gustavo Monroy, denominada Polítika-Ficción, com basicamente todos os quadros monstrando personagens da política mundial e nacional, como Osama bin Laden e o subcomandante Marcos, empunhando armas contra a própria cabeça, muitos dos quadros sendo autorretratos do pintor na mesma posição e secundando-o figuras e cabeças humanas cheias de chagas.

.....Este museu foi certamente um dos pontos altos do dia; também vimos uma exposição de Antônio Ruiz - el cuerzo - outro pintor mexicano contemporâneo de formas muito coloridas e proporções perfeitas entre as figuras, seus volumes e interações, ainda que de traços pouco fiéis à realidade estrita; sua obra me foi uma surpresa deliciosa, fiquei encantado com os quadros.

.....Vimos também uma pequena exposição de fotos de denúncia social de Ambra Polidori, com sua impactante frase "la infancia no es un juego para niños".

.....À parte disso havia as menos encantadoras mas igualmente agradáveis exposições de Maribel Portela (esculturas em cerâmica - "Jardim onírico" - retratando formas de vida imaginárias de plantas marinhas), Jorge Marín (esculturas fabulosas em bronze, de uma precisão estarrecedora) e também uma coleção menos atraente de ícones religiosos russos.

.....Saímos desanuviados do museu e, observando que nossa próxima parada - o Museo Nacional das Culturas - estava fechado para reforma, compramos uns sandubas (muito apimentados, claro, como fugir...) e comemos sentados na calçada, observando o incessante fluxo de pessoas comendo e consumindo, às vésperas do dia de los 3 Reyes Magos.

.....A quantidade de gente no Centro Histórico é algo surpreendente ao mais impassível dos observadores, algo como um Saara cheio (na Uruguaiana) multiplicado por 100; ali ficamos comendo quietos observando as romarias pra lá e pra cá.

.....Finda a improvisada refeição continuamos com nossa peregrinação de museus partindo para o Museo José Luís Cuevas, outro artista contemporâneo mexicano de grandíssima expressão.

.....Já passeando pelo museu, me peguei pensando nas diferenças de minhas viagens com a Lígia para minhas viagens em carreira solo, de antes. Jamais, nas ocasiões solo, eu ia a museus e exposições, uma vez que minha prioriade era sempre a interação franca com as pessoas, a conversa, o encantamento tête-a-tête, as conversas aleatórias com estranhos na rua, interações estas que me parecem pouco atraentes em ocasiões como a de agora; senti nostalgia mas não desejo de "regredir"; também tive lembranças da minha última viagem solo, ao Sudeste Asiático, onde senti uma árida solidão, em parte pelo momento que vivia, em parte pelas muitas vezes incontornáveis diferenças culturais - incluso o idioma - em relação aos locais.
As viagens-doideira de antes, dos meus 22 aos 26 anos, já não caberiam em meu ritmo atual - será forçoso admitir? Talvez, ainda que o devir atual, não o trocaria por nada.

.....Como descrever as obras de Cuevas? Sua posição na arte contemporânea mexicana é absolutamente merecida, seus traços simples mas inteiramente comunicativos nos tiraram o fôlego; as cores simples das obras e a parte erótica da exposição são sen-sa-cio-nais, muito viajantes, muito dialogantes, os rostos das figuras quase sem expressão, caregados de significado, entretano.

.....A outra surpresa fantástica deste museu ficou por conta de uma exposição de Pedro Friedeberg, uma espécie de cartesiano com aquarelas com detalhes e formas muito minuciosas e trabalhadas, de cores muito vivas e títulos das obras fabulosos; foi uma grande dádiva conhecer ao mesmo tempo, no mesmo museu, José Luís Cuevas e Pedro Friedeberg.

.....De lá partimos para outro museu, desta vez o Museo Nacional de Arte e, putasquiospariu, já estávamos um tanto de saco cheio de museus, a esta altura do campeonato !
.....O Museo Nacional de Arte possui um grande acervo de pinturas barrocas, pouco interessantes senão pelo legítimo aspecto histórico das obras; percorremos, abatidos, os corredores e mesmo os Velázquez, Siqueiros, Riveras, Orozcos, Tamayos e Montenegros que vimos não nos levantaram o ânimo.

.....Já exauridos, ainda passamos pela Torre Latinoamericana que, do 40 andar, oferece uma perspectiva bastante interessante de toda a Capital, uma mistura de megalópole com superlativos, com sua história tétrica e bonita, seu solo esponjoso, seu ar seco e poluído e seu trânsito inacreditavelmente congestionado, seus costumes hermosos.

.....Pegamos o metrô de volta e desabamos na cama, após um banho reconfortante; amanhã será a vez de explorar um pouco a área de Chapultepec. Obrigado, devir.


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(Continua em 16.10.2009)

2 comentários:

william galdino disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
william galdino disse...

Um passeio e tanto pela arte mexicana, bastante para apenas um dia,haja fôlego.
Conheci a obrao do Cuevas há pouco tempo, já até tinha visto um trabalho dele exposto aqui no Rio,uma gravura em metal que ele realizou em parceria com o Marcelo Grasman mas na época ainda não sabia quem era o Cuevas. Foi através da professora Lourdes Barreto da Eba que tomei contato com a obra dele,é impactante mesmo ,excelente.
grande abraço marujo.