30.8.06

Poluto

Bem-vindo a Poluto! O nosso planeta.
Nossos rostos fulvos, sem expressão,
Nossos corpos em decomposição
Nos explicam de maneira correta.

Almas de raposa, olhos de cão –
Predar é nossa grandiosa meta:
Consumo endêmico, tal anti-asceta,
É nossa mais orgulhosa missão.

Encetamos a hecatombe completa
Dos irmãos da nossa raça seleta –
Tudo que é vivo! Nenhuma exceção…

Avançamos, firmes, à solidão,
Satélite inata do grave Não,
Nosso mais disseminado profeta.

(Isaac Frederico, 30 de agosto de 2006)

28.8.06

Entre Tanto pt. 1

William Galdino é um amigo da Ilha do Governador, que não vejo há tempos e tempos. Na última vez que o vi, havia lançado o livreto Entre Tanto, o primeiro e único, até então.
Recheado de elementos absurdos, kafkianos; a inconfundível marca de uma fase solitária e introspectiva se revela seca a um primeiro olhar, mas não tanto em alguns tropeços inevitáveis durante a leitura, que sugerem uma sensibilidade afiada, dentro do estilo bem desenhado e confuso das paisagens presentes nas linhas.

Delírios

Assumir qualquer impotência,
E sumir na nuvem da pacificação.
À noite os velhos voavam insanamente.
Estrondosas gargalhadas cortavam o ar.
Enquanto isso,
Eu observava os movimentos bruscos,
Das estrelas despedindo-se,
E me acalmava junto a um copo d’água.
Feito bêbado sem lar,
Comunicava ao luar minha existência numérica,
Gritava ao céu:
Sou e estou! Nada além disso!
Tomei conhaque em bares sujos,
Acompanhado unicamente pelo senhor de chapéu de palha,
Que insistia em se dizer invisível.
Adormeci nas escadarias de uma breve rua,
Que levava-me a lugar nenhum.
Sumi e despertei onde estou,
Frente ao espelho.

(William Galdino – fevereiro de 2004)


27.8.06

Dizer adeus, com delicadeza

Agora reparo
Que vejo ao longe
Uns tênis sujos com as minhas pernas
Seguidas de um tronco que é meu,
Os braços longos e um cabelo louco
Que me tapa a cara
A face, o rosto
O que será feito de mim?
Será que me perdi?
Ou ainda não me encontrei
Que pena
Que desgosto
Que perda de tempo
Falta de tacto
Será que vale a pena
Lavar os tênis
E
Limpar o rosto
Acho que não,
É falta de gosto

... Mas se me der na telha
Sou capaz de enlouquecer
E ainda se me lembrar
Sou capaz de me esquecer
E mandar tudo praquele lugar

Depois...
Hum... depois, sou bem capaz também de fugir com você
Para onde o luar nos levar
Para bem longe da angústia,
Sem quês
Nem porquês
... Sem bons dias
... Como estão meus senhores
... Sem concertezas
... E muito obrigado

Assim vamos sair,
Seguimos o luar
Fechamos a porta
Dizemos adeus
Com
Delicadeza


(Milu Petersen, em março de 1982)

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Milu Petersen nasceu em Moçambique na cidade da Beira, em 1956 e hoje é artista plástica residente em Cabo Frio, RJ.
Esboçou alguns versos na década de 80, período de seus vinte e poucos anos, refletindo angústias e incertezas de uma jovem com um filho recém-nascido, em meio ao establishment da sociedade portuguesa dessa época, onde viveu.
Sua poesia alterna expressões da inocência redentora da paixão amorosa, tão viva e importante nos jovens de todas as décadas e séculos, com as sombras das cobranças de uma sociedade pouco aberta aos "idiossincráticos" hábitos dos jovens egressos das então colônias de Portugal.

24.8.06

Controvérsia

A chuva e os raios
São o que são -
Não precisam ter
Suas trajetórias mapeadas,
Seus mistérios revelados.
Hoje é assim:
Trovão de x decibéis,
Família, gênero e espécie;
Chuva mediana,
Tantos mililitros por gota.

Me deixem fora dessa faina;
Desvelar o universo
Em compasso incessante:
Pavimento controverso
De um caminho frustrante.

(Isaac Frederico, agosto de 2006)

22.8.06

André Bentes

O André é um amigo dos tempos de calouro, na filosofia da UERJ. Agitador inquieto, já andou divulgando seus escritos pelas ruas, centros culturais e etc.; atitude que, embora inúmeros exemplos possam depor contra, ainda creio louvável.

Hoje, embora o contato seja sempre de tempos em tempos, distante quase sempre, creio que está ocupado com outras tentativas e preocupações. Recebi recentemente seu novo livreto, Recortes do Tempo, do qual o poema a seguir foi retirado.

A poesia do André, ainda que para quem conhece outros trabalhos mais antigos seja claro o amadurecimento de alguns temas recorrentes, me parece sempre orientada por novas descobertas pessoais e cravada de reflexões filosóficas, geralmente angustiantes e evidentemente experimentadas na pele, pelo autor, o que por si só já legitima o espaço ocupado e a força dos seus escritos.

grande abraço André!
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Fenômeno

Idéias não suportam o pulsar sanguíneo
E como vapores d’água que o corpo expulsa
Exilam-se no véu oculto de um sentido
Que explode em sensação, como a alma busca

Insiste em estar viva a veia latejante
O dedo já se move por vontade própria
A língua é enrolada dentro da garganta
No peito a redundância de amor e ódio

São átomos e células, tecidos e órgãos
Os músculos que estendem também se contraem
O cérebro da casa fica lá no sótão
E os sonhos são amantes que não se encontraram

Transborda o sentimento e a palavra cala
O olho lacrimeja sem ter um motivo
O pescoço se traduz como um arrepio
E o tato todo gira como uma mandala

O dente apenas morde e a ferida sangra
Aberto o apetite, sabor e aroma
vermelho traz a fome, fome traz a dança
a sede nos caninos é só um sintoma

O corpo submisso exige mais um pouco
E as unhas são a águia sobre o meu pescoço
A alma está segura pelas minhas coxas
Some o pensamento sem nenhum esforço

Agora é só o peso, e grato à gravidade
Procuro a tua boca, olhos já cerrados
Sou o universo inteiro dentro de uma flecha
Outrora eras meu alvo...agora és meu arco.

21.8.06

Ouço sons... e acordo

Ouço sons... e acordo
Abro os olhos... e vejo
Pela janela, o lampejo
De um novo dia cedo.

Sinto o sublime calor
Do corpo amigo... mas mortal,
Mente alerta, tento compor
Os restos de sonhos... e o real.

Tantas vezes repetidos
Esses ricos instantes de se ser
Passam até despercebidos.

No divino valor de se ter,
Em cada rotineira alvorada,
A nossa vida despertada.

(Marcelo Pontes, MG)

18.8.06

O jogador

Existe um preço a ser pago por cada atitude, não se pode escapar dos resultados disso ou daquilo. Um homem tem que lidar com o fato de que seu tempo começa a expirar a partir do primeiro momento e, creio eu, isso poderia funcionar como um alarme constante a lembrar que ninguém melhor que você mesmo pra decidir quais caminhos trilhar. O erro é achar que existem desvios.

Para Flávio Brandão


No dia em que você voltou, chegou em casa exatamente quando eu já contava vinte e sete cachorros no portão. Não pareceu curioso ou mesmo interessado no fato, e pude reparar que, coincidência ou não, todos silenciaram enquanto você passava. Nenhum deles estava livre de pulgas ou feridas, grunhiam, brigavam por espaço e rosnavam enquanto se acomodavam sob as flores da entrada. Ainda chegaram uns tantos em levas posteriores e por fim, isolaram toda a fachada da casa, o jardim e os portões. Acredito que naquele dia nenhum dos cães vadios da cidade desviou da mais insólita matilha de que já tive notícia.
Lembro que você me pediu que buscasse uma cerveja, que tossiu no primeiro trago e pediu que eu também esperasse esquentar um pouco para bebermos juntos. Conversamos durante horas no sofá branco e surrado da sala, quase sempre sobre suas histórias de uma juventude longínqua, em tempos imemoriais e lugares esquecidos, casos tão vivos e formidáveis, que eu infantilmente imaginava se não passariam todos de invenção. Você falou bastante sobre as árvores do jardim, especialmente da mangueira atrás da casa e de um pinheiro que nunca deveríamos plantar, salvo se quiséssemos atrair a morte. Irritou-se quando atencioso, respondi que não, ao menino que perguntava do portão se poderia pegar as romãs caídas no quintal. Estranhamente não havia nenhuma.
Você foi ao quarto, vestiu a blusa amarela de mangas compridas e penteou os cabelos amarelecidos, voltou à sala para assistir ao jornal, mas não esperou que começasse a novela, tamborilou os nós dos dedos no tampo da mesa e cantarolou uma ou duas vezes algo que não consigo reproduzir exatamente, mas parecia uma daquelas músicas do carnaval carioca dos anos quarenta. Antes de deitar para dormir foi resoluto ao portão e expulsou a força todos os cães, que não pareciam dispostos a abandonar sua estranha vigília, porém em nenhum momento foram hostis, mesmo quando você espancou um mais pesado e teimoso que insistia em manter seu lugar. Entrou e deitou-se sem desejar boa noite ou reclamar do volume da televisão. Minutos depois, lá estavam eles novamente, mais de cinqüenta vira latas espalhados no caminho que vai do portão à varanda. Não dormi bem e notei que durante a noite o número de animais diminuía pouco a pouco, até que na última vez em que levantei, vi somente uma cadela preta em meio as roseiras, com as patas sobrepostas e o peito manchado de branco.
Acordei ao fim da manhã e descobri que naquele treze de junho você partiu enquanto eu dormia. Haviam levado você, atravessando silenciosamente a sala onde eu estava em um colchonete. Não estranhei quando disseram que todos os cachorros da cidade haviam sumido e a tarde tive vontade de abrir seu armário. Encontrei dezenas de romãs e umas fotos amareladas de pessoas que não conheci, entre elas a do time do São Cristóvão de 1937. Não pude encontrar seu baralho nem as fichas de jogo.
Hoje, percebo que lembranças como essa morrem todos os dias com os homens e eu também um dia irei sobreviver somente na memória de alguém, por algum tempo. Gosto ainda de imaginar que você acenou quando passava por mim, carregado pela sala naquela manhã e agora, deixo um pouco de você nestas linhas, para que sua memória possa me ultrapassar. Assim, um dia nossos tempos e estados coincidirão mais uma vez e talvez queiramos beber novamente, em um sonho, em uma conversa, alhures.


Vinicius Perenha- julho de 2006

Portas

São portas demais
Onde deveriam haver
Espaços abertos;

O monstro desossado
De um desafio sem sentido -
Girar mais maçanetas
Para chegar a lugar algum,
A nadificação dos seus esforços:
Abrir portas para obter corredores,
Cada vez mais infinitos,
Nunca o rutilante vão
Do espaço aberto da redenção.

(Isaac Frederico - 18 de junho de 2006)

17.8.06

Rude

rude

Estar livre é o grandioso sonhar.
Isso sonha quem anda preso.
Que isso de sonhar ser livre
É pensar e não fazer.
Óbvio.

Se chove demais não há muito o que se possa fazer
Mas sentar na chuva e sentir
Que a água escorrendo na cara é um sem contas
Preferível
Que três minutos de lamentos
Já vale a gripe do dia seguinte.
Porque de fato
Esperar a chuva passar é uma estupidez sem proporções.

Vale no jogo
O que do jogo faz parte.
Você fica pra trás
E reclama
E alguém na fila de trás passa à da frente.
Na sua frente.

Continue sonhando,
No banco de trás.


vinicius perenha - talvez abril de 2006

Ar

AR

Teus sonhos e histórias
Tuas questões sem solução
E tua marca na areia
O ar fragmentou
E borrifou no ar

Teu perfume em águas distantes
Tua raiva em terras hostis
Teus terrores no fogo de um inferno algures

O ar é a promessa do infinito
E a garantia da subversão próxima
É a plena ausência das colunas
Que pensavas existirem abaixo dos teus epitáfios risíveis

Que medida de tempo tens pela frente?
Mísero ou grandioso
Tu
O ar
E mais nada.

Vinicius Perenha – 15/08/2006

12.8.06

Água

A água leve,
Tão pluma quanto fresca,
Tão mera quanto o pacto
Do duplo hidrogênio
Com o só, quase fato,
Do uno oxigênio.

A água me leve,
Tão boa quanto o gozo,
Tão linda quanto o nulo,
De reação sistêmica
Tão simples porque absurda,
Do par de hidrogênios
Com o um, quase todo,
Do entrópico oxigênio.

(Isaac Frederico, 2 de agosto de 2006)

volta às atividades !

caros,

o blog volta à ativa, com o ingresso do vinícius perenha nesta empreitada.

ainda estamos procurando um novo nome para o blog, que abarque nosso intuito de divulgar as poesias que escrevemos, há mais de 10 anos.

também procuramos divulgar escritos de amigos poetas que não podem ser lidos de outra forma, em virtude de sua pouca expressão mas não pouca qualidade.

um grande abraço e boa leitura !

isaac frederico