6.2.09

Fração de Segundo


Estava lá, nos óculos, no reflexo dos óculos de Mário Prata.
Entre as persianas da janela, escondendo a tarde clara de um bairro qualquer do Rio.
Enquanto isso, o câmera mudava o close, a sombra mexia o braço lentamente. Senti o prazer de suas mãos tocando o fundo do bolso esquerdo, um caramujo bolinando folhas no pequeno vaso sem plantas.
Estava na quina da tela agora, e escorregava para desaparecer. Quando
o rosto do cronista surgiu enquadrado à direita, já não era mais sua imagem negra no vidro iluminado, cercado por aros grossos - estava guardada tua existência. Fiquei com o pensamento na ponta dos dedos equilibrando, deixei aquele peso dobrar-me os braços. Avancei para o controle da tv, aumentei o volume, me senti um pouco mais sozinho.
A sombra esteve ali, alguns segundos antes daquela última pergunta. Milhões de pontos coloridos apagaram-na para sempre. Vou perseguir a reprise do programa de entrevistas. Talvez reavê-la - fração de segundo. Me apaixonei por uma sombra no relfexo dos óculos de Mário Prata. Não pela mulher, ou pelo sujeito escorado na janela, sem sexo aparente, mas pelo ardor que queimava àquela tarde em plenos 1997. Me pareceu preocupada, ou preocupado. Esperava por alguém, de relance, mirava a rua. Renegava a equipe de filmagem dentro da casa, Mário Prata, as câmeras, todo o burburinho que se deu, acendendo aquelas horas. E o autor, nem se atentara ao fantasma sob seus olhos, respondia algo sobre seu último texto. E o corpo permaneceu imóvel em meu registro imemorial dos últimos dias, delineado pela tarde branca que se consumiu por detrás da janela daquele apartamento, em plenos 1997, num bairro qualquer do Rio, dentro da minha sala, na tv, no reflexo dos óculos de Mário Prata.

2 comentários:

Isaac Frederico disse...

porra sen-sa-cio-nal .! dinâmico, detalhista, insólito, muito louco (o cara se apaixona pela imagem no vidro do óculos do "mário prata"), várias ruelas, mto maneiro.

Maria disse...

Linda poesia! olhos abraçados na lente do obscuro. O que dizer da poesia! Tão bela, tão intensa e tão rápida...rapida como um gozo que se explode...mas mesmo assim;bom, bom, bom....pra começar tudo de novo.