31.3.07
Seixos ao rio
do novo livro do poeta a ser lançado a qualquer momento - ao qual felizmente tive pré-acesso, temos "Seixos ao rio"
* * *
Estou feliz, estou cantando.
Estou dançando, estou escrevendo.
Estou pensando coisas boas e lindas.
A alegrar-me na alegria de outros,
Que somadas aos meus próprios sorrisos,
Perfazem o desenho de um rio gelado,
Que corre baixinho, assoviando
Paz aos ouvidos desalmados.
Que sopre o som e refaça minha voz,
Refaça minha paz, minha harmonia,
Meu paraíso pretendido.
E se possível, como por mágica,
Construa as casas que nunca pude ter,
E o silêncio infinito que sempre quis respirar.
Permaneça a paz, o amor, e o sagrado
Do rio, a descer a passos largos e lentos.
A levar os seixos ao alcance das mãos,
Para podermos, no pôr do Sol,
Jogá-los de volta ao seu berço.
(Felipe Sandin, do livro "Poesias ao vento", 2007)
27.3.07
Câncer
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Vagar.
Devagar,
divago à luz
do câncer.
O câncer que respiro.
O câncer que alimento.
O câncer
Que enxergo.
Orgânico.
Cresço, desenvolvo e
amadureço.
Tal o
tumor
em que me reconheço:
Escuro
Amargo
O carcinoma
O invasor.
Metástase!
Sim,
amplio os horizontes.
Consumo obsessivo.
Degenerativo, o desarranjo.
Suicida.
Essencialmente suicida.
Consome o próprio hospedeiro.
O câncer,
Deus,
O devir.
Toda a crença é homicídio.
Toda a fé é homicídio.
O hábito, é letal.
(vinicius perenha - Rituais de ver e olhar - 2003)
24.3.07
História
Apaixono-me.
Poeto-te.
Aceitas-me.
Unimo-nos.
Multiplicamo-nos.
Desaparecemos.
(Schiedam, Holanda, em 10 de março de 2007)
22.3.07
Fenômeno
Idéias não suportam o pulsar sanguíneo
E como vapores d’água que o corpo expulsa
Exilam-se no véu oculto de um sentido
Que explode em sensação, como a alma busca
Insiste em estar viva a veia latejante
O dedo já se move por vontade própria
A língua é enrolada dentro da garganta
No peito a redundância de amor e ódio
São átomos e células, tecidos e órgãos
Os músculos que estendem também se contraem
O cérebro da casa fica lá no sótão
E os sonhos são amantes que não se encontraram
Transborda o sentimento e a palavra cala
O olho lacrimeja sem ter um motivo
O pescoço se traduz como um arrepio
E o tato todo gira como uma mandala
O dente apenas morde e a ferida sangra
Aberto o apetite, sabor e aroma
vermelho traz a fome, fome traz a dança
a sede nos caninos é só um sintoma
O corpo submisso exige mais um pouco
E as unhas são a águia sobre o meu pescoço
A alma está segura pelas minhas coxas
Some o pensamento sem nenhum esforço
Agora é só o peso, e grato à gravidade
Procuro a tua boca, olhos já cerrados
Sou o universo inteiro dentro de uma flecha
Outrora eras meu alvo...agora és meu arco.
(poema integrante do livro Recortes do Tempo, lançado por andrezinho em 2007)
20.3.07
Insignificacional
Do auge de seu status sexagenário, eis que me remete a pérola "Insignificacional"... não sei ao certo se o Presença deveria abrigar os versos beligerantes deste guerrilheiro, mas em nome da diversidade aí vão.
* * *
O mais triste
É ser covarde o suficiente
Para culpar todos os demais;
Ser pomposamente incapaz
De julgar a própria ineficiência.
Continuar metralhando o sistema
E se barricarAtrás do ego.
Ou ser masoquista o suficiente
Para culpar apenas a própria inaptidão
E redimir todos os demais bostas
Desta Grande Tragédia;
Se barricar
Atrás do perdão alheio.
Oral, genital, anal…
Tua saga, isso sim,
É insignificacional.
(Afonso Nives, em 17 de outubro de 2006)
15.3.07
Anarco-significante
Vamos,
Com mais carne que boca,
Mexer as coisas.
Desafiar o consumo.
Alfinetar a vigência.
Assassinar o sentido.
Punir com ironia.
Agrupar com afinidade.
E avacalhar a teoria toda
Com cinismo.
Todo mundo junto.
Depois de cada um,
Sozinho.
(vinicius perenha)
12.3.07
Apolíneo sob as rodas
No acerto final,
O significado nas terríveis sentenças,
A ferrugem nos membros,
O vazio no arbítrio,
Precisarão de fibras impossíveis.
O absurdo em cada escolha.
Breve e irreversível
Vão, mas indizível...
Nada nos manuais
Nem uma única forma segura de agir.
Sete imprevistos e um plano.
Três palpites antes da queda.
E mais dez anos passaram;
Fobias curadas,
Fantasias no sótão,
Espaços em branco.
Árdua tarefa; reunir peças,
Concatenar vexames pretéritos
Com orgulhos vazios.
Desenterrar verdades esquecidas
(o potencial do esquecimento...),
Traições não reveladas
E medo.
Medo de olhar e encontrar a chave
Do fundo do poço que abriga
As lâminas
E mantém sob controle o dark side.
Ferramentas de cólera,
Tempos de guerra.
Breves tempestades que arrancam
Raízes
Desnecessárias
E atrelam à mecânica do olhar
Visões oriundas da finitude.
Nalgum obscuro canto
A lógica do sentido
Zela pelas sentenças do porvir.
10.3.07
Madrigais

Caros, o primeiro lançamento do selo, como já anunciado pelo prório, foi o livreto Madrigais, do Isaac. Alguns poemas do livro já estamparam as páginas do presença, mesmo antes do lançamento, mas agora o filho tem cara, e é esta que aí vai, junto a um dos poemas que mais me chamou a atenção.
Divirtam-se!
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Desilusão
Encanto extemporâneo,
O meu que se choca
Em tua fortaleza de quês;
Na peanha teu busto cerrado,
Atribulado.
Não tarda e vejo fechares o tempo,
Em estampido de ira,
Despetalando minha cortesia,
Reduzindo-a a íon.
Feneço, entristecido,
Desaparecido - órfão.
Recolho-me ao sótão,
Respiro os versos que te dediquei -
Me pergunto onde errei,
Revejo rimas, refaço estimas,
Acalento a pequenina chama
Que inda me resta
E que para si reclama
A proximidade infesta
Da paixão que lhe inflama.
"Inexiste solução, vassalo",
Uma tua carta me versa.
Teu amor tergiversa,
Afunda-me em névoa
De angústia mordaz.
"Abdica", pede-me o coração;
"Escreve-te um foguete,
Vai-te embora para Plutão".
(Isaac Frederico)
9.3.07
Noivos
Guto irá lançar um livro por uma editora do Rio (Guto mora em SP), desconheço ainda os detalhes que envolvem este lançamento, mas desde já convido os demais "presentes" a abrir as portas das instalaçoes da Editora Presença para o estimado poeta, o que significa, talvez, a nossa cerveja de calçada e lua cheia na lapa.
presença !
* * *
Noivos
lenços anzóis
uns para cada lado
nem paralelos
nem perpendiculares
ao chão
suspenso
vão rimados no oculto
como promessas
as mãos superficiais
com medo
de furar a água
de mau jeito
trocam-se marolas
delicadas
até se deixarem corpos
desprevenidos
um do outro
luzes brancas
nas
velas da onda
refletindo infantes no equívoco
entrecaracolados
seguem lisos
do alarme
no ponto do tempo
em que podem
suas histórias fabulosas
no ápice
arfam estridências submersas
além da abóbada
celeste
do quarto que os envolve
para cansarem-se em instantes
novamente silêncios
lenços
azuis
demoras
rimados em dobra
sem destino pronto
(Guto Leite)
5.3.07
O homem que não conseguia morrer
Queria fundir-se a algo inerte. Queria deixar de ser. O peso das correntes curvava ainda mais o corpo ferido. Não lembrava qual era a cor do céu, há anos os olhos só vislumbravam o que estava abaixo de sua cabeça. Meteu nos bolsos as mãos sujas (por mais que as lavasse, elas nunca estavam limpas) e encontrou o pequeno espelho. Ao encará-lo, teve novamente diante de si uma imagem embaçada, indecifrável. E desta vez, resolveu encarar-se até o limite e assim fez até os olhos queimarem, mas de nada adiantou, os segundos a mais não lhe trouxeram novidades. Arremessou o espelho contra o chão e o que sobrou foram milhares de cacos minúsculos. Queria chorar, não conseguiu, estava seco. Agarrou com força o aço das correntes e num golpe brusco, as lançou contra o pé esquerdo. Soltou um grito assutador. O sangue manchou a calçada. Continuou a caminhar, dizendo coisas sem sentido. Ao chegar à ponte, a madeira rangeu, sob seus pés, em uma das tábuas, estava escrito uma frase: Ninguém se livra do que é. O corpo estremeceu, fechou os olhos e lançou-se ao precipício. A queda durou mais do que imaginara. Ao alcançar o solo, abriu os olhos e viu seus braços ilesos no centro da multidão. Ergueu o olhar e nada. Só haviam gargalhadas a lhe estuprarem os ouvidos.
Rio de Janeiro, abril de 2005.
3.3.07
Madrigais
lancei no dia 01 de março meu novo livreto, chamado "madrigais", uma espécie de homenagem aos poetas clássicos (na forma dos versos) e sobretudo à fantasia irrestrita, na forma dos conteúdos abordados.
na ordem numeral é meu sétimo libreto, contando os dois em parceria com o Vinícius Perenha.
vale lembrar que todos os libretos estão à disposição de quem interessar possa.
Imanifesto - Presença
Em nossa presença não será deflagrada a guerra por ou contra flâmula alguma. Nosso movimento é simples, fluido; porque consiste somente em mover-se. Se existe na empreitada algum mérito, este será então o fato de que simplesmente trocamos o que era antes pelo que é agora.
bom final de verão a todos !
1.3.07
Começou a reler a carta. A letra, tremida, trazia lágrimas em versos - versos do vice-versa da vida. E vice-versa. Enquanto suas duas mil e cinco gotas arrancadas manchavam as linhas com a tinta da caneta, ela buscava uma razão para tudo aquilo lhe acontecer. Estava apaixonada e completamente assustada. Não sabia se podia continuar vivendo aquele sentimento. Preferia não saber de algumas coisas que a carta contava. Mas estava mais tranquila por tudo ter chegado a um ponto final.
Era domingo. Dia enfadado. Vestido de preguiça, de guarda-chuvas azuis. As camisas quadriculadas no varal, misturadas à vertigem, provocavam-lhe um estado ébrio e hipnótico. Ela havia desmembrado as palavras que lera, para ficar com a parte boa das coisas – doce, acaso, merda, interessantíssimo. Sabia que não havia para onde ir. Só havia a espera. Na carta, ele explicava que tinha um plano e já estava resolvendo todos os detalhes. Ela deveria se arrumar e esperar o próximo pôr-do-sol. Seria a hora.
Helena começou a preparar sua pequena mala vermelha que havia usado em uma viagem para o interior. Pôs duas calcinhas novas, um par de meias, um livro do Llosa, poeminhas para viagem, uma fita k7 com coleções de romancinhos, um casaquinho e um par de sandálias franciscanas - as mesmas sandálias que seu amor havia lhe dado no aniversário passado. Ela queria mostrar que amava. Mostrava com as sandálias. Coisas de ser humano.
No cair da noite, ele veio no velho Fusca do pai. O motor roncava alto. Ela trancou a porta da casa e jogou fora a chave. Decidiu seguir a vida como ele havia lhe pedido nas palavras - de olhos bem fechados, apenas sentindo as coisas com o tato. Fugiu com seu padastro para longe do peito da mãe, que nunca mais soube dos dois. Com um sonífero de tarja preta, deixaram-na sonhando com os jantares das noites de sábado e os romancinhos de sofá do começo do namoro.
Rio, fevereiro de 2007.