4.7.08

Quase topo

Na esteira das últimas leituras que tenho feito da poesia do Heyk, venho revisitando alguns escritos que lancei em 2006, com o foco, de então, de mostrar as possibilidades oriundas da sublimação da palavra, mostrar como a semântica pode gerar confusões que, na verdade, nem existem. Trilhos wittgensteinianos de então, dentro do parco compreendimento que tive da obra do grande filósofo.
Abraços a todos e presença !

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O pouco que consigo tocar, Deus, como é frustrante estar sempre tocando o quase-topo,
aguardando a aprovação diletante do inexistente, como um baixo grave que entrará nos
ouvidos e nunca mais sairá, permeando sua tentativa na existência de fundo musical
eterno;
E tão geograficamente próximo da escuridão mais torcionária que pode haver, a câmara
estanque do absolutamente intolerável, a piração do incompreensível, do
semanticamente absurdo, como uma gota de eletricidade que num primeiro momento
não pode ser e num segundo momento, de assalto, coça o coldre para alvejar,
massacrante como uma incessante coceira de pena na sola do pé, o campo inteiro do
seu compreendimento, a coisa mais raiz que você pode carregar, comparável em âmago
somente ao toque da boca no seio da mãe.
E a dor mais aflitiva e pungente, o não ter como, o tergiversar, o derrubar dias como peças de
dominó, a torção do caule, a delação, o bug do milênio, ninguém atinge, ninguém sabe o
que é.
A um passo da plasticidade da mercadoria, a um passo do sol no quintal, uma grande noite de
12 anos, por estar tão perto e tão longe dos dois extremos, a noite do “a um passo de”,
a busca da chave do cofre que não existe – meu deus, pode algo ser tão diabolicamente
vil a ponto de não apresentar solução cognoscível?!
A má novidade – o seu limite do horrorizante está deveras mal-acostumado, o número irracional,
a incongruência mais severa, o negativo da segurança do dia-a-dia – estão muito aquém
do que sua pequena cabeça pode admitir.
É fogo no milharal, o necessário incêndio neurótico para conseguir voltar a caminhar, manejar a
cadeira de rodas com segurança, esta sim sua nova aquisição – não que precise mas o
desejo foi mais forte, o desejo da derrota rápida e indolor mediante o vislumbre da
chance zero da vitória, o desejo de ter o nome gravado pra sempre na insignificância
mais extrema, não incomodar nem ao nível da contra-indicação, ser uma bula de um
remédio inrastreável, fabricado por, interações medicamentosas, posologia,
medicamento fitoterápico tradicional, uso oral.
Um elogio – um novo sol. As pessoas são felizes porque são limitadas. Você, não. É tudo um
estado de espírito. O homem é fruto dos seus atos.
Sai, cara, sai dessa, exorciza, esquece todos os aniversários, não compra mais o modelo, sorve
a seiva da poesia sem te agredir, sem te mutilar com a concentração de sentimento por
centímetro quadrado. Toca a tela de cristal líquido, abrindo mais uma opção que nunca
será a derradeira, explode o labirinto com o brilho dos teus olhos, chora a lágrima mais
linda que a existência já testemunhou com a doçura dos teus olhos, sobe e desce, saiba
subir e descer, sorria por saber subir, salve o sorrir por saber subir, separe o “salve o
sorrir por saber subir” do truque métrico.
Tudo passou. É triste, mas tudo passou. Não vou me matar tentando permanecer na sua vida. O
triste mais intenso, o triste de te ver mudar, de não te reconhecer mais – esse triste se
avizinhou, o triste de perder a esperança, de perder a vontade de continuar seguindo, de
continuar te admirando.


(Do livreto "Reações ao Grande Absurdo - A Palavra", parte integrante de "Acontecente", lançado em 2006)

4 comentários:

william disse...

Com esse texto-prosa-ensaio mantém o nível lá em cima isaac. O quase topo o quase conseguir, e isso nos faz humanos nas nossas capaciadaes e limites, há imagens fortíssimas por todo o texto
"coça o coldre para alvejar"
"ao toque da boca no seio da mãe"
Continue coçando seu coldre contra o plástico da mercadoria.
Um texto que nos faz abrir os olhos e erguer a cabeça.
Abração marujo e até o sarau.

mari lou disse...

é.

acho q ainda precisamos nos contentar com a precariedade da nossa exitência, para ñ ficarem esses "quases", onde quase existimos, quase sentimos... pq aí o topo é sempre um "quase topo"... nunca nos percebemos no auge d coisa alguma, porq sempre tem algo ainda a ter na mão... a própria vida ñ significada nada para nós. impressiona. é uma pena, "coceira de pena na sola do pé".

precisamos é sentir o rés do chão. virar areia e vento sem se incomodar, sem contar quantos grãozinhos foram perdidos nas trasformações... que sejamos, então, o ciclo, os círculos, o sol, a chuva e tudo mais. sem protetor solar e sem sombrinha. queimar, nem que seja uma vez na vida, por mais aterrorizante que possa parecer.

lembrei da "marília", do bacana.

isso aqui, então, pesa: "a coisa mais raiz que você pode carregar, comparável em âmago
somente ao toque da boca no seio da mãe". é bom receber uns tabefes vezenquando! hehehehe e ainda, pra ñ perder o piqe: "o derrubar dias como peças de
dominó, a torção do caule, a delação, o bug do milênio, ninguém atinge, ninguém sabe o
que é."

e eu, q quase nunca lembro sequer q o tempo passa, e ninguém entende, encontrei: "Sai, cara, sai dessa, exorciza, esquece todos os aniversários (...) sorve
a seiva da poesia sem te agredir, sem te mutilar com a concentração de sentimento por
centímetro quadrado", porq o inferno não está nos outros...

e, no fim, só pra ñ perder o hábito, ainda mais uma tentiva, "Toca a tela de cristal líquido, abrindo mais uma opção que nunca
será a derradeira". e como a gente vaga... vagar e vagar. tateando, pulando, tentando tocar o dedo indicador no céu. ui ui ui. precisa-se d amortecedor.


adorei o texto tabefe na cara! heheehhe pra mim, termina como se, numa espécie d monólogo num teatro, as cortinas se fechassem, densas, escurecendo.


bjoca,

té!

Isaac Frederico disse...

oi pessoal
não costumo comentar os comentários, mas estes foram análises que valorizaram bastante o texto, total agradecido !
versos a todos, bons blogs oferecendo, além da poesia de qualidade, a possibilidade do intercâmbio.
abraçãos

Mara faturi disse...

"Quase topo", sempre em nós e em tudo...na poesia então ... Adorei!
obrigadíssima pela visita,
todos aqui serão muito visitados por mim,
gracias querido poeta,
grande bjo!