14.11.06

Espaghetti a la Pecadora


Brasa, fervia os homens antes do fatal balde de água fria. Os deixava com um eterno nó na garganta e uma sutil corda no pescoço. Se olhava no espelho e via alguém que gostaria de ter conhecido um dia. Trazia marcas no peito e nos pulsos. Saía vestida com sua melhor roupa para pecar. Porque o vermelho se reserva em sua mais forte tonalidade para aqueles que vivem de entranhas. No açougue, apontava os corações. “Quero a tripa mesmo”. No bar, pedia sopa de arame farpado. Porque era dessas que gostava de arranhar.

Acontece que um dia conheceu um que gostava de socar. Ele pediu um cheiro. Ela olhou assim. Pediu um beijo. Ela fugiu sem traquejo. Pediu perdão. Ela disse não. Mas, em um impulso inconseqüente, cerrou os dentes. Fez bico e abriu arestas, mesmo que improváveis:
- O que você quer, afinal?
- Te descobrir. Até que teu frio me peça um abraço
Ele continuaria com perguntas para as respostas dela por um bom tempo, mas decidiu tentar outra vez. Pousou os seus naqueles olhos – e era preciso um verão inteiro para haver um eclipse naquele olhar. Arriscou:
- Você me pediu 24 horas, baby. Passou.

Ela abriu o coração e nele escreveu: “somente tráfego local”. Resolveu ligar o foda-se. “Ou melhor, o foda-me” - mais por diversão que por necessidade. E assim, sem A nem B, disse na lata:
- Quero dar pra você.

O vulcão chamado desejo não parava de fazer barulho. Mesmo vestida de sombra, ela lhe iluminava o dia. E pouco importava a luz, se ela estivesse acesa. Ela lhe lambia os ouvidos. Passeava sobre a sua carne nua, crua. E inventavam uma nova língua - para traduzir o que não se explica. Depois, ele desfalecia em um ato egoísta. Pequeno suicídio diário. Ela não. “Quando eu dormir, vai ser de uma vez só”. Era nessas horas, então, que ela lhe sussurrava pequenos segredos de fronha e travesseiro. Permaneciam segredos.

Mas, como num passe de mágica, a mágica passou. Meio hora de sumir. Porque havia certas coisas que ele não podia evitar. Sua canalhice, por exemplo. Não queria mais nenhuma das mulheres que a habitavam:
- Sua companhia me faz o mais solitário dos homens. Saltei em um vôo livre de você. As idéias me têm.
Chegou a inventar uma úlcera fortíssima. Porque doença traz um certo charme ao efêmero. Dá credibilidade. Destilou veneno e bebeu vinho. Descobriu-se murcho, insano e monstruosamente leviano. Com o coração dela na mão, disparou:
- Dona, esse aqui já era.

Só que o último beijo é sempre o começo de uma outra história. Ela não julgou. Tampouco negou redenção. Mirou na testa. Pum. Acertou no coração. Imediatamente apaixonou-se pelo cadáver. Romântica, a canibal começou sua refeição pelo coração. “Escrevo nas paredes o que você rascunhou na minha carne”. Só a dor é fiel.

Goodbyes são always badbyes.

(Renata Dantas. Rio, dia 1, mês 11, ano 2006)

5 comentários:

Anônimo disse...

ainda nao li porque nao tive tempo, mas adianto: quem é esse cara com meu nome? nao admito!

Anônimo disse...

Fantástico, intenso, rápido e sensual. Continue assim, gatinha :)

Isaac Frederico disse...

bem-vinda, re !
o novo controle de qualidade do 'presença' vai barrar meus poemas, depois do "espaghetti...". =)
fodão, fodão mesmo.
a relação dos personagens vai patinando num jogo de palavras e sentimentos sugeridos muito eficiente, e talentoso. irado!

Anônimo disse...

Simplesmente maravilhoso a apaixonante, Rê! Adorei.

william galdino disse...

Assino em baixo dos ditos acima, prosa fluída , imagens cortantes...senhorita telentosa essa Renata.