28.12.07
Heyk Pimenta
Durante o lançamento do livreto-presente "Elementar", em novembro passado, recebi em mãos um exemplar de seu belíssimo "Neuronóseles", então recém-lançado em outubro de 2007, que traz gratas surpresas da chamada poesia de rua.
A melhor poesia do dito livreto, "O pop", já foi postada aqui, se não me engano em setembro ou agosto deste ano.
as poesias são bastante diretas em sua expressão mas ao mesmo tempo carregam conclusões fundas e desconcertantes.
é como se fosse um tiro. de plástico.
Posto aqui, do supracitado livreto do Heyk (por enquanto o único lançado deste poeta mineiro de 20 anos, residente no rio), o poema "O bicho a gente"
- - -
Na sala
e em roda
que se fecha o ciclo
respirar conjunto
........o todo é um novo ser vivo
o esqueleto do bicho é o violão e o
.........................poema escrito
papel petisco copo de plástico com vinho
......o olhar brilhoso é que esquenta
......risada é batida do coração do bicho
o fluido fio dourado da paixão bem dito
................é o pé batendo
........................a palma o bom ouvido
........É um texugo tamanduá bonito
........forte gordo enquanto não termina o rito
........depois esquartejado
..................não morto
...........para ser montado
...........um outro
ao som de um novo
....poema poema organismo
(Heyk Pimenta, outubro de 2007)
27.12.07
Gasolina
Aos que têm falta de combustível - e isso é sazonal, acreditem - nunca é demais um galão de "gasolina". Feliz 2008 !
- - -
Um tom me chama –
Um tom ou um silvo?
Ora me encanta,
Ora me agita
Em todos os dissonantes palatáveis
Do viver calmo.
É a estrada, senhores,
A estrada é a vida e é ávida
E clama por mim, ordens expressas
E pouco dóceis.
"Desancora que és partícula no rio,
Abre os braços, vai ao céu
Que a vida é uma só"
E das pedras que rolam
Cria-se a fagulha
À deprê inflamável
Do sentar e aceitar,
Milênio a milênio,
A mesma carroça, o mesmo apego,
A mesma curva pra distrair,
A mesma cura
Da doença que não há,
E sentar e cansar,
Paciência de druida –
1 bilhão de existências
De inerte aceitar.
(Aos 21 de janeiro de 2006)
23.12.07
A tempestade filosófica
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Em tempo, caros amigos:
desejo a todos boas festas e positivas vibrações pra 2008.
o momento da virada, tradicionalmente, nos inunda de reflexões, passa aquele filme na sua cabeça.
lembrem-se - e o digo sob o risco de parecer panfletário - a positividade interfere diretamente no curso dos fatos. se você pensar "que merda" mil vezes, então isso terá um peso na projeção do por vir, ainda que um "que bom!" posso anular de uma só tacada os negativismos.
feliz 2008 - cerveja gelada e poesia de calçada - Presença !
- - - - - - - -- - - - -
A tempestade filosófica
Oh… lá vem a avalanche catastrófica
Das dúvidas que beiram a demência,
O vazio inerente à existência…
Mestres: a tempestade filosófica.
Do cerebelo, ligeira ela escorre
(E é tão bela, permita-me dizer),
A tempestade urgente de viver !
Instigante, como o olhar de quem morre.
Sou ? O QUE sou ? POR QUÊ ? Se sou, é vão?
Rebento do Acaso ? Uma chance ? Ou não ?
Desafia-me a leveza do Ser …
E eis a chave ! Meramente existir !!
Tudo é caos, a nevasca do Devir,
Ciclo infindo de viver e morrer.
(Aos 21 de fevereiro de 2003)
19.12.07
Meditação
Não aceito que acusem meus erros de não terem tentado.
Cada um deles teve a glória da tentativa
Enquanto houve a fantasia da possibilidade.
E cada um foi realidade
Enquanto a fantasia se dissipava.
Mas não carrego comigo cadáveres.
Fico apenas com a sorte da experiência
E a sensação boa do rastro.
Pedro Lermann - 1986
17.12.07
Pequeno
Palavras expectoradas e cuspidas
Na cara do santíssimo
Um desalento
E depois aceitado
Em desânimo demasiado
Sentei ao meio-fio
De todo resto destacado
Mas em pouco como deveria
Ser quebrada a monotonia
Ouvi o barulho das ondas do mar
E as aves que a esmo planavam
Então toda praga – o desencanto
Toda água que ao rosto é pranto
Secou-se pois me olhando descobri
Quão pequeno sou – não preciso ter pra onde ir
11.12.07
"Manhã expressa"
risca a manhã
em teus lábios superiores.
Sopramos na ânsia
um beijo.
Toma-nos densa a espuma
frase em meus lábios - fica
e já não vejo
nos teus,
nem espuma
nem beijo.
Sopramos a manhã
no café.
Expressos,
passam por nós:
a ânsia, a espuma
e o desejo.
7.12.07
O nojo
da enciclopédia de cumprimentos,
das rotinas estabelecidas,
niponicamente seguidas,
os hábitos que eu mesmo fiz
quando o caminho não mais é feito
de tijolos de ouro
e me deixo conformado
amargamente deitado
sob o sol de protocolos
onde, estático, me doiro
quando o bom-dia é peso-morto
lançado à revelia
nos peitos já sem resposta
dos pálidos colegas,
oitàscinco trajetórias
em escritórios glaciais
quando o cianureto não se faz
em cavalar tiro solucionático
mas de peça em cartaz,
pra todo sempre em cartaz,
em doses homeopáticas
e o orgasmo convulsivo,
outrora redentor,
passa sorrateiramente a ser
um mais-ou-menos prazer
aí então é fechado um ciclo,
o ciclo do nojo,
e ai de mim, irmãos,
não percebê-lo,
não acontecê-lo para, enfim,
renascer da abjeta lama,
o afiado mosqueteiro
trovador-fênix do eu a mim;
na esquerda o verbo,
na direita o rojão,
insolúvel como um anti
que se faz em paraíso
de mudança e levante.
(Isaac Frederico, aos 07 de dezembro de 2007)
6.12.07
Diálogos
- Vai sair?
- Sim, vou.
- E vai aonde?
- Descubro indo.
- Mas como assim?
- É.
- Mas fazer o quê?
- Continuar.
- E continuar o quê?
- Sendo.
- Mas que tipinho mais manjado esse... acordou dramático?
- Pensei nisso, mas acho que não.
- Algum problema, então?
- Os mesmos que aí já estavam.
- Não sei, isso tá estranho. Alguma coisa mudou?
- Claro; tudo.
- Tudo o quê, criatura?
- Tudo.
- Menos os problemas, que são os “mesmos”, certo?
- E com essa retórica se vai a algum lugar?
- Sim, claro.
- Aonde?
- Descobre-se indo.
[e continua, e continua, e continua...]
5.12.07
reflexões de um anfeta-jovem
Dezembro 2005
O fardo da atuação, vestido voluntariamente. Por quê a atuação? Por quê não só a contemplação? Que desejo tão intenso te levaria a sacrificar o corpo, a gastar tantas preciosas horas? É válido que haja tão intenso desejo?
- Envelhecer é perceber que qualquer sofrimento é possível. A vida pode te trazer desgraças, das formas mais intensas. Amadurecer é perceber que isso não é nada pessoal.
- A devastadora imensidão de palavras, de possibilidades de combinações de palavras... e, no entanto, são só palavras. Tão ineficazes em comunicar o que quero, e até isso: será que há um “eu” que quer comunicar algo, anterior à linguagem?
Posando para fotos
Que nunca veremos
Não temos tempo…
rumo ao chile !
CORRENTEZAS SUJAS - I
29.11.07
“C o n v e r s a p o é t i c a”
R. Elfe diz:
Vislumbras tão pequenas tíbias
R. Elfe diz:
que alfazemas cozem ante o céu majestoso.
R. Elfe diz:
Num redemoinho de cores
R. Elfe diz:
um jardim terno e bondoso.
R. Elfe diz:
Onde as cores vão surtir aos olhos
R. Elfe diz:
com o palatável aroma que percorre à brisa
R. Elfe diz:
e teus nomes são vários, comuns e tão plenos
R. Elfe diz:
quando nas flores, a flor assim me arrolho.
R. Elfe diz:
Vai bater tuas asas à gentil libélula
R. Elfe diz:
que repousa um beijo fractal ensimesmando
R. Elfe diz:
vai descer as lenhas dos afazeres, as crianças vêm arrancar-lhes as folhas.
R. Elfe diz:
Que o caule bom sirva aos pequenos de varinha que dança a fada
R. Elfe diz:
assim na magia podeis trazer teus olhos,
R. Elfe diz:
e em menina te formas, de flor os pés no barro
R. Elfe diz:
a voz que o vento alto vai cantar sobrevoando
R. Elfe diz:
assim algum toque divino e claro
R. Elfe diz:
das águas que rodeiam os vales
R. Elfe diz:
a flor que eras agora só em cores
R. Elfe diz:
traz o pensamento um riso que colores.
Segunda parte, “o agradecimento”:
R. Elfe diz:
tenro abraço terias de mim agora
R. Elfe diz:
sem vantagens do corpo
R. Elfe diz:
sem nada
R. Elfe diz:
queria voar pra longe
flor diz:
sem nada?
R. Elfe diz:
pr´algum monte cheio de luz
R. Elfe diz:
verde e céu baixo
R. Elfe diz:
para ter com o vento essas imagens
R. Elfe diz:
aqui onde pareço vivo
R. Elfe diz:
só morro.
R. Elfe diz:
e o morro que quero não me sustém
R. Elfe diz:
bateis as asas comigo se puderes
R. Elfe diz:
e leves nos deixemos como ventos de estação
R. Elfe diz:
o vinho mais novo, pisado por pés velhos
R. Elfe diz:
é esse o que quero ao coração.
Fantasmas
após o sucesso do lançamento do "elementar", posto poesia do Rafael "grego", um dos poetas independentes mais talentosos de que tenho notícia, pelo conjunto virtuoso de sua obra.
segue o "Fantasmas". um grande abraço a todos.
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Fantasmas que fitais
na madrugada elétrica:
simples ruídos banais
que me cobrem de susto.
Em cada sombra, um rosto.
Em cada rosto, a dúvida.
Os passos baixos que oiço
decerto me perseguem.
Passos parar jamais
por becos becos becos
de um hálito sombrio.
Ai fantasmas tão sólidos
entre os dentes trincados!
24.11.07
Nada posso quanto ao poço.
Ainda tropeçava em sombras pela casa, quando percebi o ronco da sala, respirando, minha mãe ainda dormia. Meus irmãos estavam longe, no quarto. Um deserto se estendia até lá. Eu ainda era o filho, ainda era o irmão mais velho; de alguma forma me confortava saber. Estirei-me para o banheiro mais próximo. As sombras se multiplicavam pela casa. Meu medo era uma faca cheia de manteiga pronta a me acertar o pescoço. Nada demais pra quem, minutos depois, usou a mesma faca para abrir a caixa do leite e emplastrar o pão.
Com alguns livros prontos a serem devorados no parapeito da janela, reparei na cor da manhã. Repentina luz que rebentara, sem que meus olhos guardassem o ato. Cinza? Dentro do verde das eras que nervosas cobriam a janela, era branca e incisiva como o dedo escorregando até a virilha. E esfregava os olhos pra torcer o cinza e ajeitar um nome àquela luminosidade vaga. Nisso especulei sobre qual livro abriria meu dia. "Humilhados e Ofendidos" me veio à mente - saímos da confeitaria... o velho morrera, seu cão morrera; alugamos o quarto do velho. Não. Não queria àquela hora, adentrar o quarto do velho morto. Nem esperar por notícias suas em outros rostos. Abstive-me então em deixar o meu tocar o punhado de amarelo chumbo que brotava no cinza.
Meu irmão já acordara, rastejou pra dentro do breu, quase iluminado. Agora, cinco e trinta e cinco da manhã. Ele me pedira para acordá-lo quinze minutos depois dali. E estaria eu vivo? Sempre pensei em morrer como um Nosferatu, fulminado pelo sol sob a janela, com uma das mãos ao peito e outra tentando cobrir-me usando a inútil sobra que cinco dedos magros desenham. Preferi fechar um pouco a janela, o vento frio da madrugada ainda rasgava. Mas, rezei pra que a manhã soubesse como entrar pela casa. Pra garantir, deixei um fiapo de janela aberto. Um fiapo de morte pra mim. Como se esperasse algum amor tardio.
Entrei no quarto onde o computador se esconde, me escondi. Tornei a porta quase fechada. Na brecha, vi que o sol já cruzava toda a casa, tocando o vaso de vidro sobre o aparador antigo de madeira. Respirei aliviado. Coloquei Jeff Buckley pra cantar, junto dele "atravessei o jardim das meninas louras". Reli alguns textos. E com um gosto úmido e entre cortado de luz, escrevi este.
(O primeiro parágrafo do texto foi perdido entre o colar e o copiar do bloco de notas para o word. Mas reescrito às pressas, pra não deixar escapar uma imagem se quer, com o sabor das palavras ainda quentes sobre a língua rósea da mente.)
22.11.07
Frases que sobreviveram pra contar...
"Somos muito pequenos pra tanta poesia."
"O vinho é uma navalha."
"Ainda há amor?"
19.11.07
Entre poetas...
é tu mesmo??????????????? rs
R. Elfe diz:
engraçado imaginar que eu possa estar falando com um cara que deu um estalo no meu cérebro
R. Elfe diz:
se for, ou se não for, é bom que saiba por mais uma pessoa que há aquela famosa compreensão da imagem que tu escreves
R. Elfe diz:
pois me espelhei
R. Elfe diz:
e sei que essa ponte pro autor é a maior coisa
R. Elfe diz:
também escrevo e estou me caçando há muito tempo, e teus rumos me deram maiores incentivos e melhores lumes surgiram nesse lodo
Fabrício Carpinejar diz:
obrigado, meu amigo
Fabrício Carpinejar diz:
lumes e lodo, bela combinação
R. Elfe diz:
é verdade
R. Elfe diz:
é de onde viemos né?
R. Elfe diz:
somos lumes no lodo
Fabrício Carpinejar diz:
a poesia fica cutucando
R. Elfe diz:
e vice-versa
R. Elfe diz:
demais
Fabrício Carpinejar diz:
tm um covelo largo de rio (deve ser: tem um cotovelo largo de rio)
R. Elfe diz:
rs
R. Elfe diz:
é verdade
R. Elfe diz:
e nos assombra
R. Elfe diz:
quando te li percebi o quanto te assombrava rs
Fabrício Carpinejar diz:
nunca farei uma queda-de-braço com o rio
R. Elfe diz:
pois estive nessas linhas
R. Elfe diz:
eheheh
R. Elfe diz:
nunca!
Fabrício Carpinejar diz:
prfiro boiar do que mostrar força (prefiro)
R. Elfe diz:
apesar de tentar ser uma pedra pra desviar às vezes os rumos
Fabrício Carpinejar diz:
risos
R. Elfe diz:
é mais sábio boiar
Fabrício Carpinejar diz:
vou lá, tenho que dar aula agora de tarde
Fabrício Carpinejar diz:
grande abraço
R. Elfe diz:
idem
18.11.07
Canção de Balthus
acende a boca de fala úmida
Abre-se o botão entocado
Desabrochar de flor vermelha
Torna-se fruto
Amadurece junto aoslábios
Faz-se roxa
Amora madura
Despenca em fuga
Um gemido
(corda esticada)
Prenúncio
do tenso e aberto sorriso.
Novembrode 2007.
17.11.07
Elementar

A confraternização acontecerá no Arco-Íris da Lapa, a partir das 19h, na quarta (21/07) e todos estão convidados a comparecer e garantir seu exemplar, que tem tiragem limitada e custa o preço de uma gentileza - cerveja, é óbvio.
Reproduzo aqui o prefácio de Renata Dantas:
Este livro versa quatro elementos. Aqueles considerados desde a ciência antiga os componentes do universo físico. Água, fogo, terra, ar. Cada poeta – Vinícius, Isaac e William – nos apresenta sua versão sobre eles. De quebra, a introdução de André Gide, com um trecho de seu "Os novos frutos".
Dos quatro elementos, qual o mais essencial? A Terra, que dá chão, frutos, segurança? Destino final de toda raça humana. Terra que pode ser derrota, mas também bênção, como lembra Isaac. Terra que nos dá espaço para percorrer, mas nos mantém presos a esse solo. Pés fincados por "sapatos muito bem amarrados", diz William. Impedidos de alçar vôo (sonhar alto?), Vinícius lembra que "somos nada diante da firmeza de propósito do chão". O chão da Terra que bebe o ar.
Ar que relativiza. A pulverização. Fragmentação. Ou, segundo Vinícius, "a promessa do infinito". E, ao mesmo tempo, a frustração. O símbolo da incapacidade humana de levitar, de se ver "atravessado de ar", como sonha Isaac. O mesmo ar que nos ergue suspensos no espaço, faz a bailarina de William despencar no chão como pedra. Ar que alimenta o fogo.
"Utopista, o fogo é alma, só alma", esbraveja Isaac. Sem amarras, sem limites, sem controle. "Hipnose, ira, magia". Energia vital, força propulsora, motor que impulsiona o homem a se manter em constante movimento – eterno queimar dos pés, mesmo quando um outro recomeço parece impossível, enfatiza Vinícius. E chama que queima os pés, também faz arder a pele dos embriagados de paixão, como escolhe William. Chama de fogo que esfumaça a água.
Água que, como elemento químico descrito por Isaac, sacia a sede e dá vida aos oceanos. A mesma água que desmancha castelos humanos feitos de areia e afoga. A profundidade turva que atrai pelo mistério do desconhecido e assusta pela tentativa irresistível de sedução – o canto da sereia, remete William. Água que dá vida à Terra.
Dos quatro, qual o mais primitivo? Nenhum. São interdependentes. Estimulam um ao outro. Se retroalimentam.
Ar, terra, água, fogo. Oposição. Equilíbrio. Contradição. Harmonia. Primitivo. Complexo. Seria o homem a união desses elementos? Talvez nem todos carreguem em si essa elaborada quádrupla mistura. Mas nossos poetas sim. São elementares – não elementais. Como cada poema dessa pequena obra.
12.11.07
Remendos
Impressões
Depois de mais uma visita ao JLA.
(Instituto feminino de correção para as menores infratoras)
10.11.07
Imperatriz
Efervescente do dia.
Os paranóicos irrompem
Em seus gastos de energia,
O trabalho e sua filosofia –
O sol-yang é o dia.
A noite é o escoar fino
E a lua sua força motriz,
A musa integralmente perfeita
E sua égide de giz,
Os cílios grandes, a tez pálida
Dos mistérios mil e, gélida –
Na abóboda os passos lisos
Da yin-imperatriz.
(Aos 05 de novembro de 2007)
6.11.07
Trecho
e o poeta a poesia.
Tornara o verso, uma mecha de cabelo,
uma estrofe algum gesto - sorrir vazio no espelho.
Logo, nasceram-lhe galhos, ramos e uma roseira.
E a poesia figurava no homem, assim como o poeta nas videiras.
Logo, a poesia tornara-se o poeta, amargamente,
e o poeta inteiro a poesia."
(publicado no Sem Digitais)
5.11.07
Lá Se Deram...
não fui tempestade, nem sol
arquétipo de inverno trancado
e detestava as mais bonitas
era um ardor ser parte do grosso falatório
em que as bandeiras de maio inflaram
foram mais alto!
Reverdeci dessas cinzas, minas hercúleas...
meus risos me ataram
eram lenhadores enormes, fazendo sombra
algúrios que cantei mais baixo,
pra dormir repentino
e nada ser repetido,
muito menos essa vida cheia de vales.
Eis que parto prum sonho:
"Azaléias, mármores lunares nascendo
mil navios do futuro, balsâmicos
sob à minha língua sintética
um quarto de outros enormes sintetizadores
e a lua pareceu maior, menos morta...
Lá Se Deram em mim as vagas
areias cobrindo olhos, d´alguma foz ou gruta
cruzara no alto, um pássaro cinza - no instante
infâmias! eu, menor, cada vez mais...
chorava o indulto, nem pensava o quanto
acorrentado aos pés do céu
me atormentavam os riscos rápidos
das estrelas... fotografias modernas.
Lá Se Deram...
e fui ter comigo um papo eterno...
mas ecoaram sobre os ombros
minhas tétricas falas:
- Não! Não é a lua que se pendura lá, não é...
Não percebes? É um furo! Sim! - e ria medroso.
É um furo besta e ridículo,
mostrando a ponta do que há por trás!
Luz maior, pronta à nos cegar!
Não percebes? - erguia as mãos tentando rasgar
de vez o pano negro que cedia...
A lua é um buraco no céu! Não percebes?
É um buraco...
2.11.07
Que rima se esconde ?
E fico estático, escutando o elóquio
Silente do olhar que, ávido, estoco –
Poema visual de ausente escólio.
Alguns meros fonemas te dedico
E maiusculizo-os: ÊU-TÊ-Ã-MO;
São quase táteis, tamanho é o ânimo
Que me euforiza, exultante fico.
E se decassílabos me faltarem,
E se as rimas todas se evaporarem?
Que fim terá minha pequena ode?
Meu próprio arrebatamento responde
"A tão bela moça, que rima esconde
Sua aparição, que ao poeta acode?"
(Isaac Frederico)
12.10.07
Manhã de paz
Como dia que raiou doirado agora
Cansado e a vista... Escura
Como as clausulas que te trouxeram
Ao contrato que assinou outrora.
Pensa no absurdo, e Nada
Que é sonho é realidade
Dois joelhos ralados - dobrados
E dos amigos deitados sem Vida
Que se vê e não se Chora
Sede honesto camarada
Valeu a pena?
Pena? do que?
Do EU jamais... nem do VOCÊ
É... esta manhã "Vitoriosa"
Os carros carregam as cruzes ENCARNADAS
Os hinos soam com glória
Não chora... sede homem!
Sede aquilo que não amou
Soldado.
(Fábio dos Santos)
10.10.07
Instruções.doc
Acorrentado a teus desejos,
Xeque-mateia teu ego
E seus sutis ensejos,
Enceta a compreensão
Do teu fundo interior
E salva o arquivo
No teu eu-computador.
(06 de agosto de 2006, poema integrante do livreto "Absinto", publicado em setembro de 2006 parceria com Vinícius Perenha)
5.10.07
Guerra e convívio
O meu inimigo da casa ao lado
Penso no meu antro sossegado
De noite de luz – apagado
A potência nuclear com telhado
Um lar bi polarizado
Na cama eu e minha esposa
Cada um pra cada lado
Minha mesa de trabalho
O escritório entrincheirado
Olhares-morteiros, estilhaços
Na campanha do dinheiro desesperado
A batalha naval da piscina
No clube ao domingo ensolarado
Bombardeio nas em’costas’
Do companheiro subjugado
Meu pelotão de neurônios
Em conduta – silenciado
Por mais cautela que tivesse
De assalto fui tomado
É o revezamento um x outro
Passando os cajados do poder
Medindo forças na alarmante pista
Que dá voltas até não sei quando
1.10.07
Cata um, cada dois
Das tempestades da minha cachola, sobraram umas três pequenas árvores de jabuticaba, peroba e juá. Miúdas. Também uma pequena casinha com movéis estranhos e umas paredes coloridas. Acabei achando uns três livros do Caio Fernando Abreu numa sala de leitura escura. Sem contar com uma pequena vila de amigos e uma fábrica de cerveja. Ufa! Pelo menos isso. Mas a tempestade também me levou os planos e até a tinta da minha caneta. Uns pensamentos positivos, quatro rolos de filme e cinco carteiras de cigarro. Matou meu cachorro e ainda me arrancou a máquina de pinball preferida do bar. Tenho três fichinhas aqui no meu bolso. Ah! Maldita tempestade. As roupas do varal, todas voaram. Minha regata, meu tênis azul e até uma blusa do Che Guevara autografada pela Coca-Cola. Raríssima. O grande problema é que, quando a tempestade veio, eu não estava nessa terra. Eu fui lá nos céus dos demônios, procurar paz em outros olhos, beber alguns ácidos e acabei por me encontrar perdida por lá. Me achei, me amarrei e resolvi voltar. Pobre de mim, que encontrei minha terra sem um fio de linearidade. Todas as cores invertidas, as palavras embaralhadas e vários sons de moscas cegas, que não vêem em que merda pisam. Agora que vejo o horizonte se formar, começo a erguer uma casinha simples no alto de um morro verde, com três girassóis na frente e quase mil nuvens com formatos diversos - feito biscoitos sortidos - flutuando no meu altar. Só preciso de um varal.
22.9.07
Poema de asas
O poema sente –
Uma urgência de anteontem,
Um desespero de fluir
Pois que é chegado seu tempo
De rebentar asas
E partir.
Asas ……………………………..….… asas
“Eu não aguento mais
Ser na jaula de um papel;
Inconseguir para sempre
Num parágrafo vil;
Nutro
Asas ………………………………….…………….. asas
Que arqueiam aos limites da folha”
Asas ….. asas
Asas asas ………. asas asas
ASAS ASAS ASAS ……………………….. ASAS ASAS ASAS
Ruflando,
O filho não-servil
Do absurdo das palavras
E da caneta que lhes pariu.
(Isaac Frederico, aos 14 de setembro de 2007)
14.9.07
"Som das luzes"
dos refrigeradores
aquecendo.
Você não funciona mais!
O som dos olhos revirando
a noite
fazendo sombras na mente.
O som que fica - some.
O som das luzes
que não se pode abafar.
E dormir sem saber como,
sem peso
a-morte-cer na queda
e revirar poucas palavras.
Você não funciona mais!
não é o refrigerador,
não é a luminária,
nem o poço de silêncio receoso
não é o torpor dos seguranças
no meio da madrugada,
rangendo os pés e te acordando:
- Senhor, infelizmente...
Você não funciona mais, obrigado!
não tem o ruído sinfônico e cruel das luzes,
não tem o valor numérico de Cristo
quando acelera a máquina fria da manhã que surge
você não funciona mais pra mim
velho jogo de armar
que eu já nem armo
Nem o som das luzes,
você nem brilha
e eu acordando
de um
em
um
minuto
de
cinco em
cinco segundos
s
e
g
u
i
d
o
s
olhos roendo outra semente
no vaguear
de moscas
e de passos leves,
pequenos elefantes mórbidos
que não existiam.
O velho rebuscava o espírito
os jovens giravam
a noite de trabalho, escalas...
mas os cigarros nos cantos dos bancos
não me abrigavam.
E você não funcionava ali
O samba etéreo e vago que ficou ecoando
quando, dos letreiros eu pude trocar a pele
vi descosturar
a sopa de estrelas
e resolvi ficar pra ver onde iria.
Vem lá o trem negro outra vez
E o som das luzes adormecendo
tic
tac
tic
e o violão serviu de encosto
e o corpo serviu de barco
o mercado mais familiar,
cemitério imenso
nós, fantasmas, só luzes ruidando.
É o som das luzes ofuscando
e você?
Não, obrigado...
não funciona mais.
* Escrito depois de uma noite em claro,
perambulando, e tentando achar um canto pra dormir
num hipermercado 24 horas, da linda e triste zona sul.
12.9.07
O Trem
Comprei a passagem do trem
E com ela na mão
Não pude embarcar
Insuficiente bagagem
Alguém me falou com podres dentes
Que um dia tentara alegremente
Mas acabou frustrado e deprimido
E hoje mostra aos outros seu sorriso contido
Excesso de bagagem
Então, vi antes da porta fechar
Um homem de terno adentrar
Ao vagão da primeira classe
Sentou-se e foi servido com uisque
Subornara o bilheteiro.
(Fábio dos Santos)
"Sem título"
Aprendi a guardar gotas d´água na barba
e dali gotinhas de luz entre os fios.
E que a barba é um segredo bobo,
mas as mulheres jamais terão. (algumas)
Aprendi que sou mais chato com fome que criança com sono,
e que com sono, sou uma criança com fome.
Aprendi a atravessar os dias um à um
assobiando alto, fazendo algum barulho com as mãos
pra alertá-los.
Para os relógios não gritarem no meio-dia:
- É hora de abraçar!
E eu não abraço.
Aprendi que a solidão é esse gostinho amargo
da vontade de estar junto,
e se não fosse, seria o estar junto,
esse gostinho amargo
de não estar só.
Tenho aprendido.
Que quase nunca aprendo nada.
A não ser o que escrevo e releio,
boa memória fotográfica, salvas ao cerebelo.
E das músicas que façopoucas vão pro disco,
poucas vão ser cantadas novamente.
E que felizes são as que não são cantadas.
Pois, cada dor sabe a dor que é,
se não sabe, dói assim mesmo.
Aprendi que apêndice
é dor. (pr´alguns)
E adendo.
Qualquer coisa que se adicione ao texto depois,
mesmo que essa adição não tenha lá tanto sentido.
Aprendi:
Encher é sempre esvaziar.
Aprendi que ela é uma menina
que ela quer ser uma menina
e sonha ser uma menina
até age como uma menina
mas ralha como uma velha mulher cheia de câncrios.
E que nenhuma de suas perucas esconderá sua vontade de ter cabelos.
Tenho aprendido.
Ensinando só desaprendo
aprender é fingir que sabe
Só se aprende mesmo quando não entende
que se está aprendendo algo
Aprender é solitário
e tudo que é solitário faz bem
pois não depende de outrém
Sem egoísmos, no fundo sabemos
que no fundo mesmo,
estamos sempre sozinhos.
Tenho aprendido.
Que aprender a amar
é aprender a aceitar que mesmo
com tanto tempo,
ela é a mesma pessoa que conheci aquela tarde
e que todas as vezes me parece uma diferente.
E que dentro dos risos que ela larga
eu me apego aos mais sem graças
que são os que deixam os ossos de fora
e que mesmo com tantas aparências
estamos sempre buscando o verso das pessoas.
Mesmo sabendo que pra cada verso claro,
um lado escuro está pra ser mostrado.
Tenho aprendido,
urgentemente
que escrever é um remédio ofegante
e que nenhuma palavra guarda segredo da outra
e estão sempre contando seus meios
já os fins, estes nós mesmos os ditamos.
11.9.07
Discurso de Jesus, o nazareno
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O grande erro é crer ser Deus bom associando sua bondade à tua pessoal boa-ventura e êxito, havendo conflito em tua fé quando há dor e tragédia em teu caminho e no dos teus, quando tantas vezes o êxito de uns depende do malogro de outros, todos filhos de Deus que somos.
Deus não é bondade na ventura; sendo Deus o Devir, ele é a punição ao estático, em forma de decaimento e doença – e tua dinâmica, que só de ti depende, é teu prêmio na medida em que permite que tuas fibras possam acontecer, ir de encontro às chaves que te faltam.
A bondade de Deus é a dinâmica = permitir que nada seja definitivo, nenhuma derrota, tampouco nenhuma vitória.
O castigo de Deus é o estático = o Diabo, isto é, não-Deus = a fermentação nociva nas águas paradas, o sucesso de outros organismos e fibras que parasitam as fibras sedentas de hábito e preguiça de ser.
9.9.07
Bodas de inchaço
Que, úmidos e anelantes, se beijam
A pulsante paixão eterna sejam
Em poucos minutos, se forem sábios.
Tocam-se os corpos e, por muitas vidas,
Serão estradas de um amor titânico
Que, tal um bom flerte copacabânico,
Não durará as eras prometidas
Sem que nisso haja o gérmen do fracasso !
Amo-te já! Sem as bodas de inchaço
Da longeva aturança inatural
Que se vende na TV – e compramos!
O desgaste das pessoas que amamos
Por um engessamento irracional.
(Poema integrante do livreto "Cânion", Rio de Janeiro, em 10 de dezembro de 2006)
8.9.07
Não deixam
Abraços a todos !
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Não deixam o poeta escrever
Não o querem
O trabalhoapenas o trabalho
é a parte que lhe cabe.
Afogado em folhas
ele busca afago
em um poema estreito
todo interno
todo entranha
que não é luta nem é fuga
É artimanha.
(Rafael Huguenin)
6.9.07
Póstuma
Tudo flui, Presença !
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Se a traça não devorar,
Se o fogo não consumir,
Se a água não desfizer
Minhas palavras serão a lembrança
De minha existência,
E poderão conhecer-me postumamente
E mesmo que ninguém se importe,
Elas ecoarão mudas pelo mundo
Não porque seja eu
Mais transcendente do que outros,
Mas porque o que estou sendo,
Basta como espelho de qualquer alma
As trilhas que meus pés fizeram,
A paisagem que mudei,
A energia que dissipei,
Tudo que sofri e as lágrimas que evaporei,
Ainda serão a contínua passagem invisível de meu espírito
Nesta terra oca de significados
Descobrirão que não há teleologia, não há verdade,
Não há matéria sem magia, e assim exaltarão os antepassados sem glória
Que conquistaram os dias tentando encontrar a si mesmos
Assim, minhas palavras farão o sentido que toda busca evoca;
Encontrar-se enfim,
Pleno com a vida que pulsa pelos séculos,
Em nós e no Universo.
PANTA REI ! TUDO FLUI !
(Felipe Sandin, do livro "Poesias ao vento", ainda por ser reproduzido e lançado)
3.9.07
Poema mecânico
Da série "sonetinhos que eu compunha quando tinha 20 anos", saco este "poema mecânico", que escrevi para uma professora da faculdade.
Os sonetos desta época não são brilhantes, mas já eram todos decassílabos e fazem parte do aperfeiçoamento ao longo da trajetória.
A título de curiosidade, o poema foi entregue à minha musa acadêmica de então e ...
Vida longa !!
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Polimento, densidade, dinâmica,
Fluidez, resistência ao ar e à corrosão...
Estudo, porém dói-me o coração:
Sem ti estou neste mundo da mecânica.
Revendo temperatura e pressão
Fracassado sou na missão titânica
(Por entre aço inox, cimento e cerâmica)
De te esquecer e prestar atenção.
Vejo passarem lentos os segundos
E os escombros de estudos, moribundos,
Vazam com eles, desapercebidos.
E nada mais consigo imaginar
Senão tu, em tanta graça a me encantar,
Matando os raciocínios concebidos.
(Isaac Frederico, aos 06 de janeiro de 1999)
28.8.07
Cronologia
E as palmas das mãos
Chupeta e mamadeira
Ensinamento é aceitação
O corpo de pé
E os pés no chão
Dedo no umbigo e meleca
Pensamento em formação
Entusiasmo orgiástico
Amizades e diversão
Mãos nas vergonhas
Mito e repressão
Brinco na orelha
Tatuagem de dragão
Faculdade e bebedeira
Fumaça e revolução
De terno e gravata
Sapato lustrado - anel por convenção
Dinheiro e agenda
Filhos e preocupação
Serenidade aparente
Saudade e desilusão
Vontade de voltar no tempo
Impotência perante a vida
Caixão.
(Fábio dos Santos)
27.8.07
Analógico
“Esse peixe é tão lento que até um sujeito analógico o pesca”, menosprezou o cidadão-digital. Os peixes modernos, como tudo o que é contemporâneo, não dão conta das expectativas depositadas sobre eles – ou são as expectativas de hoje em dia que colapsam qualquer objeto de sua incidência, na medida da nanotecnologia e a ultrainformação condensada em uma impressão digital, acessível somente aos nervos, toda a cartografia de tudo que já se pensou em todos os segundos de todos os big-bangs desde o instante AA#B00345772-21.
Isto é obviamente uma piada, esta é a impressão que tenho, mas ao mesmo tempo é difícil, eu diria inatingível, se ver livre da correria que, quanto mais distante do epicentro, menos sentido tem. É um fenômeno de textura que, apresentando um padrão de mosaicos, na escala natural, revela imagens concomitantes em escala cotidiana, e se apresenta ao tato com sofreguidão e piedade, na escala macro, quanto mais macro, maior, por definição, e maior, linearmente, a palavra-semente, ruim, àspera, sobre a boa nova, que de nova tem o bilhar AA#B00345772-21 de anos.
A perdição e náusea vieram a galope para os visionários deste fato, os magros que andaram, andaram, andaram e andam, carregando em suas faces a face solta do fato dependente do tempo para ser fato; sem vértebras somos reféns da gravidade e não podemos andar para diante, talvez a condensação da informação e a rapidez que nos é exigida sejam a vértebra necessária – ou talvez a vértebra a mais que nos pune com um desequilíbrio do nosso centro de gravidade, quem sabe?, quem tem referencial suficientemente cósmico para afirmar? E aí estamos outra vez nos terreno pantanoso da dúvida eterna, eterna desde sempre, a contingência nunca utilizada, o continente pan, uno, a questão que nos é inseparável desde… e lá vem outra vez o “desde”, o tempo, a informação, o labirinto, o desmembramento, pedaços cognoscentes de Deus e servos obedientes do Eu.
(Escrito do livreto "Reações ao Grande Absurdo - A Palavra", parte 2 da obra Acontecente)
20.8.07
O PoP - Heyk Pimenta
Mais uma vez, o blogger não me permite a diagramação original do poema. Uma pena. Todos os poemas do Heyk têm diagramação muito bonita e marcante, mas, infelizmente, os leitores terão que ficar exclusivamente com o conteúdo. Eu ia escrever "apenas" ao invés de exclusivamente, mas, nesse caso, não é apenas, é coisa demais!
Presença!
*********
A Semana de Arte Moderna não foi
popular
o pipoqueiro não entrou pra ver
A inconfidência mineira não foi popular
o escravo o capitão do mato e a gentalha
não pediram bis
A semana de vinte e dois vanguardista
popular como pele de chinchila
de massas como o aldente venesiano
que custa 80 euros na praça San Marco
não foi vista nem lida
Os homens descalços não puderam entrar
e nem leram nos jornais
já que eram iletrados
A inconfidência do ouro mineiro
30 dinheiros daqui para o além
não incluiu mucamas nas fileiras
o iluminismo só reluz em quem tem
dourado no corpo
Dependurado pelo pescoço
qualquer homem é santo
reconhecido o herói depois de morto
é mais claro que é heroísmo
e é só em vida
os tropeços na forca não predizem
a futura aceitação magistral do herói
Como antes foi o filho do jogador
das peças brancas e pretas do xadrez
depois o médico argentino
no meio o hindu embrulhado no lençol
ainda cairão heróis por terra
Será que os soldados da guerra santa da
cocaína
serão embalsamados à bronze
e postos em cima de cubos de mármore?
exemplos de
bravura e
paixão
para o próximo século
Minha vida continuará a mesma
pacatos só são heróis na bíblia
Popular era o angu a mandioca e a couve
hoje são os copos de guaravita
o cimento nas calçadas com ou sem
papelão
e as capas de revista
investimento gratuito
parar na banca para ler a manchete
ela é popular
a gata da hora é popular
Um real não salva a vida do homem
com as costas na urina
unhas encravadas
sorriso preto às oito da noite
cabelo encebado atrás da orelha
Mas garante a cana o solvente a gata da
hora
um
outro
ou outro
Um real não é herói
Uma semana é popular
a semana de fevereiro
a semana de um ano inteiro
por voto ela fica
a que não quer passar
abre as portas do ano
dos heróis
do sorriso preto
herofagismo com arte
um real é popular
17.8.07
Fuligem e Fulgor - William Galdino
Vermelho abria-se em sorriso à estupidez disfarçada. Fez de cego pros fatos. Horas mortas no corpo estático. Uma cadeira velha. Um dia de chuva. Pouco via. Há muito havia ido embora a compreensão. O mundo era do tamanho do que os olhos alcançavam e num quadrado minúsculo eles cegaram. A mente era um saco de retalhos. Uma imagem por segundo, não, muito mais que isso. Velocidade que impossibilitava qualquer assimilação. A náusea. O coração acelerado quando a sobriedade gritou mais alto e trespassou as barreiras dos artifícios. Por terra o muro que circundava o real. Incompreensão. Apenas tolices ditas para manter a conversa. E no fundo ele queria cair sobre ela e fodê-la com raiva. Era o corpo que não reagia às vontades. Era o cansaço e o som estridente dos garfos arranhando a parede. Era sul, era norte, era confusão. Não havia o certo, não havia o errado. No corredor do hospital ele a sentiu como há muito não sentia, a vida crua. Era preciso deixar o silêncio do esconderijo. Cair nos fatos. Chocar-se com o mundo.
16.8.07
A Bula da Ordem - Heyk Pimenta
*******
Como como como
só vomito
me perdi no tempo
mas entendi o ciclo
sensivelmente duro
me tornei pacífico
e regurgito gaivota
porque sardinha fabrico
pra me livrar de tantas vezes
em que meu tesão intensifico
faço pausa pro bom grado
e os outros homens imito
então corro corro corro
porque não há tempo
e assim contemplo
o que como como como e vomito
Heyk Pimenta
14.8.07
"Risos"
amargo
destes esquecidos
sob guarda-chuvas,
atravessando a rua
para sempre.
Prepararei este riso
amargo
povoado de outras menores
doçuras,
cheio de outras delicadezas...
dessas pequenas mentiras.
um riso amargo
para ferir tudo
o que ainda
não fui capaz de sentir.
13.8.07
"Operários"
gira o ponteiro mais veloz
uma e meia numa tarde absurda
operamos dinheiro dentro das máquinas
operamos o tempo
gira o torno e torna a girar
o sangue frio nos tubos de aço
um riacho vermelho e prata
éramos ópera
cantávamos o apito das dezoito
a noite banhava o sol
uma lua de sabão em pó já apertava os olhos
cantávamos às solas de sapato no barro
a ópera moderna
girava o torno noutro turno
nós a caminho de casa
a família e os filhos da janela
comemos do pão pela manhã
durante o dia o estômago quente
agora a noite, uma sopa do almoço
o p e r á r i o s
mordemos os lábios numa reza vaga
apagamos as sextilhas, deixamos os versos
noutra manhã manchada, marchamos em frente
operários de o p e r á r i o s
vamos operar a rota validez do esforço
o ignóbil agir no arado escravo
e festejar as sombras
beber nesse escuro vão entre as casas
que a noite esconde nos quintais
onde podemos ver a vida mais leve
onde podemos entender os cães
a atirar-lhes estrelas
e ajeitar-nos no sofá remendado
para um momento de paz
operamos o inferno
o p e r á r i o s
operamos um decênio
o p e r á r i o s
operamos as máquinas
e matamos nossos corações maquinários
operários surdos
operam seus dedos
nessas letras
nessas teclas
opero por vocês
que me operam
e operam minha voz
Anônimo
rio verde de pequenas veias
salientes
para fora da pele,
sob a penugem amarela
e magra
a cobrir-te na extensão
que és tu agora,
quando penso.
Avisto que tua boca
sela neste resquício o que dizes
sem por muitos me focar - sufoca-me.
No que não pensas?
Assim, o nu de teu corpo
no branco lácteo de meus pequenos dentes
instala-se avaro
como o gosto da carne
e aquele cheiro
cheio de suavidades
vem demonstrar que eu ainda preciso
dentro dessa minha força raquítica
abrigar o desejo obeso de
te esquecer.
10.8.07
É fogo
posto nova poesia do saudoso presente Vinícius Perenha.
este poema já é posterior ao lançamento do seu último livreto, o "Levante", do início deste ano.
abraços a todos !
---------------------------------------------------
Aceno
Com meus sonhos e idiossincrasias.
Projeto a vitória quando seus olhos antecipam que
Vai sorrir
E responder meu aceno
Com seus sonhos e idiossincrasias mais.
Vai chegar perto
E
Trezentosessentagraus-ear
A ordem lógica das coisas.
Com um aceno tão simples descubro que
Seeuparardevocê
Me afogo.
(Vinícius Perenha, agosto de 2007)
6.8.07
Regresso
************************************************************************************
Desliguei a luz do farol
Acendi a luz interna do carro
Aproximando-me lentamente
Do sentinela ali parado
"Identifique-se por favor"
Interpelou-me
Mostrei-lho um documento
Autorizou-mo
Adentrei ao lugar
Olhei novamente o documento
Guardei-o
Não sabia ainda quem eu era.
(Fábio dos Santos)
O primeiro último encontro
Ao leito quente onde sonhava seguro
Quimeras de amores feitos
À língua mole e coração duro
Mas pedregoso céu ainda escuro
Na janela onde ia à passos curtos
Decretou mora ao cobrado juro
À bagunçada cama onde dormiam juntos
Enquanto se realizava a aurora
Que doirava os olhos pequenos e molhados
Vermelhos tristes que tinha à hora
Aumentava-se a distância dos braços dados
Há muito seus atos foram julgados
Revés dos perdões que teve outrora
Punido pela rotina e desleixo conjugados
Refugiados na bebida agora chora
Fora um belo caso
Que quisera a corrente do rio
Terminasse raso
Terminasse frio
Fora apenas uma noite
Navio que desatraca do cais
Não merecia esse adeus - maldito açoite!
Não merecia... um até mais.
(Fábio dos Santos)
5.8.07
Catecismo
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Ave, bispo.
Seca a lágrima vespertina,
Vã,
Libertina,
Do sofrimento arrebanhador,
A bata puída,
A crença grávida
De fervente louvor,
Prenhe de párias
Do deus-dor,
Sofricêntrico.
Pendura no varal
O gafanhoto descido da cruz,
O ídolo hanseníaco
De tão castigado
Que carimbaste com "J.C.",
INRI,
Ri
O vicário das mucosas abertas,
Sacerdote desconexo
Da punição limítrofe
Do anti-sexo.
(Johanesburgo, aos 10 de dezembro de 2006)
2.8.07
23.7.07
Sexta-feira Lúcia - William Galdino
Seus dedos bailam no ar, e você sente uma tristeza fria como estas noites de agosto. Dói tanto, mas não há pranto, você já não sabe chorar, as lágrimas endureceram e ficaram cravadas no fundo d’alma, e como pesam. Ergue o corpo e segue na caminhada. Não sabe se volta pra casa ou continua andando, não sabe. Estanca o movimento, sente o mundo girando e tem de vontade de gritar, mas não grita, silencia e volta ao lar. Eu te sigo. Ao chegar os cães lhe fazem festa e você os enxota aos pontapés, sente raiva de si, sente demasiadamente. Curva-se e os acaricia numa tentativa de desculpas, e eles as aceitam. Entra no quarto, tira as roupas e as arremessa sobre a cama, deita-se nua no chão frio, sem saber o que fazer desta noite e assim fica, imóvel por um longo tempo.
Na sua memória passeiam as lembranças de todos aqueles que pareciam te olhar de uma maneira diferente, e realmente alguns deles te olhavam. Mas você sempre se achando indesejável, sem-sal, embora no fundo desconfiasse que as outras não tinham um terço do seu valor. Você tinha um mundo no peito, mas parecia não haver ninguém para ouvi-la. De uma daquelas tardes distantes, ressurge a imagem do cara que esbarrou contigo na saída do cinema. Seus olhares se encontraram e naquele segundo vocês pareciam descortinados um para o outro, mas as palavras não saíram, e ele se perdeu no meio da multidão. Desde então aquele rosto nunca mais se apagou da sua lembrança. E vieram outros verões, alguns encontros, bem menos que desencontros, e a terrível sensação do tempo que passou sem ser vivido.
Na buzina de um automóvel, você desperta das lembranças e volta ao presente. Observa a luz do poste que invade o quarto e pousa sutil no bico do seu seio, decide levantar-se e diante do espelho solta um riso discreto. É hora de voltar à vida. Escolhe o seu vestido mais bonito e sai mais uma vez à procura de uma noite diferente.
19.7.07
Um só (comotodos)
Parti de um simples traço vertical
Em direção ao infinito
No sentido contrário do que se é
Subvertendo a ordem da imposta
Rotina onde meu cansado corpo se encosta
Do simples saber que não se é
Aquilo que minha mãe julgava eu ser
O óbvio que o mundo esperava ver
É que tive a grande iluminação
Apenas mais um milho
Apenas mais um grão
E o seu doutor advogado
Policial civil, militar ou o viciado
Exercem cegos suas funções de merda
Esperando que a glória os alcance
Tolos! Ainda não sabem que a morte
É um instantâneo - um rápido lance.
Sorte minha que descobri
Que parte de mim ficou aqui
Nestas linhas simples e sem sentido
Para aqueles que só aprendem com os ouvidos
E nunca sentirão o que senti
Eu sou parte de você e o mundo é de mim.
E envolvi com os braços
Aquela fria coluna de mámore
Como se fosse ela minha irmã.
(Fábio dos Santos)
18.7.07
O encontro das águas - William Galdino
Arranha-se na quina do edifício.
Enquanto um brinda
O outro se atira.
Há um cão em cada esquina
E talvez um deles cheire
E coma aquele beijo de despedida
Que desabou no chão.
O marujo holandês sorri por suas escolhas.
Renúncia do leito em troca do mar.
Bocas falam vitórias
Criando suas próprias medalhas.
O enamorado dança.
Como a única coisa a ser feita.
Ter os olhos e os pés dados.
Salva-vidas pros dias de naufrágio.
Clariceano, anseia uma morte bonita.
Daquelas de se fechar os olhos e partir levando o melhor.
Sobre as calçadas da Lapa
Desinteressadas
As cobras-voadoras
Seguram na boca a luz da noite
Banhando as barbas sujas de alguém que já sonhou.
William Galdino, julho de 2007
14.7.07
Renascimentos
Poesia sempre densa e reflexiva, retrata estados sutis, a percepção do próprio ser não apenas enquanto cognição sentimental, mas como um conjunto onde o corpo desempenha papel essencial e participante.
A poesia que posto hoje, "Renascimentos", é carregada porém muito bela e traz um sentimento pujante de vigor e superação especiais.
________________________________________________
O encontro dos corpos cansados
Tocando a morte material
Na face destruída pela dor
Da consternação de saber que não há mais vida
Pelo ar o odor fúnebre das lamentações
Acúmulo de restos, resquícios dos destratos
Na alma conspurcada pelas desilusões
Não há mais nada
E refaz-se o corpo
Milagre inesperado da regeneração natural
Sem deturpações e torpores inconsistentes
É possível o amor
Dorme fundo em auspiciosos sonhos
Mesmo cercado de perigo
Faz amanhã um abrigo
De luz própria e nada mais.
(Leonardo Schuery, em 26 de junho de 2006)
9.7.07
Por ocasião da minha formatura, fui responsável pela homenagem a ser feita aos pais falecidos, inclusive o meu próprio.
Resolvi fazer um soneto, que acabou se tornando o primeiro poema que declamei em público. Este poema não está em nenhum dos livretos que lancei.
As luzes do ambiente se esvaecem,
Moléculas de ar brecam o som;
Denso se torna este festivo tom
E nossos olhos, lassos, umedecem.
Este é um momento particular:
A recordação do abraço ausente,
A perda repentina de um parente –
Segundos de caráter secular
O olhar triste sucumbe à gravidade;
O açoite inexorável da saudade
É elevado à última dimensão.
Mas é hora dos passos adiante,
Essa sim é a homenagem gigante
Aos que conosco não mais estão.
(Isaac Frederico, em 2002)
6.7.07
5.7.07
Balcão
Que daqui de fora vejo
Por onde anseio passear a língua
Encardida de desejo?
Tamanho encanto te deste a sorte
Ao sem querer nascer com tal sorriso
Onde querem tocar meus lábios
Ansiosos submissos
Gaguejo ao interpelar-te
Quando chega em mim a fila
Transformando um coração
Que é de pedra em argila
Queria eu ver-te completa nua
Ver rosar teu rosto augusto
Pois definir a crueldade - para mim
É ver-te só o vestido busto
("São quatro reais, senhor."
Diz-me sem emoção
A mulher da padaria
Por detrás do seu balcão)
E então, pago-lha com o cobre!!!
E desço a rua sorrindo... feliz só de ver.
(Fábio dos Santos - para o livro LASCIVO)
30.6.07
Ama
E rubra calorosa a face fica
Trépidos os atos e as pálpebras
Dos meus olhos teimosos que te fitam
Desejosos os meus lábios ficam mudos
Conquanto bêbado lhes diriam quase tudo
Ansiosos em tocar-te a boca - almofadas de veludo
Furto-me olhar-te direto aos olhos
Tal com servo não faria a sua senhora
E submisso recolho-me ao amor
Egoísta e só meu que tenho agora
Umedecidos os olhos ficam
Como desejo ver-te as íntimas nuâncias
Onde afogaria meu instinto primitivo
De dar a ti um presente - uma criança
Herdeira de tua beleza e ternura
Que mostraria a todos nosso amor
Ao brincar alegremente pelas ruas
Furto-me a dizer-te direto aos olhos
Tal como mudo fico à sua presença
E que me faz teu servo - teu escravo
Sua nobre e senhoril indiferença
(Fábio dos Santos)
29.6.07
O cosmo
não me lembro se já postei este poema, originalmente do livreto Lanterna Mágica, de setembro de 2006. De qualquer forma, aqui vai - O cosmo
As estrelas estão ao meu lado,
Caminho sobre elas,
Pontos de luz
Sem voltagem palpável.
Um andarilho tão impossível
Quanto absolutamente palatável,
Um pescador que deduz
O absurdo das selas
No cavalo alado
Das sãs seqüelas
Irreproduzíveis,
Tanto quanto extraordinárias,
As experiências místicas
Das sensações visionárias,
Absolutamente indescritíveis;
O anzol que reluz
O impossível das velas
Nos campos de vento
Do pó das estrelas,
Inimagináveis
Tanto quanto factíveis –
O cosmo.
(Isaac Frederico, aos 02 de agosto de 2006)
22.6.07
"O ato peremptório pede um final ausente."
"A rosa que escala o inverno,
vem nascer na lama."
"O espinho que fere o menino,
é o espinho que serve escada aos insetos."
"O menino é um inseto no retrato antigo,
o retrato antigo é um inseto morto no quarto."
"A rosa que marcha para o alto não é rosa apenas,
é um soldado, rosas não marcham; e nunca rosa, apenas vermelho."
"As cores se inventam, assim como primários os cães sob as rodas, vermelhos."
"O vermelho é o amarelo do sol junto ao magenta do homem."
"O marrom é o fumo descabido e o rim aberto sob luzes fluorescentes."
"A casa está para o corpo, como o copo de chope para as bolhas."
"Meticulosos são os dedos de Cristo, infalíveis os dentes do demônio."
"Boas mentiras se contam sorrindo, boas verdades chorando."
"Quando o mau em miligramas, o bem em átomos."
"Paixão: em tudo é preciso; mesmo sabendo que tudo há de se tornar impreciso."
"Melhor saber que saber de cor suas qualidades, é enxergar nitidamente seus limites."
"Ela precisou morrer algumas vezes para exemplificar aos filhos o valor da vida."
"O homem cuja arma é o amor,
jamais encontra adversários à altura, quando numa guerra soldado for."
"A lagoa que somos precisa de sombras para que não nos evapore por completo o sol."
"És de tamanho igual ou menor que meus punhos cerrados,
mas possui mais liberdade que todo o meu corpo."
(aos pássaros - às portas de uma penitenciária)
"O poeta está sempre a se casar com a vida,
mas segue por ela eternamente apaixonado pela morte."
"Poetas nascem póstumos."
"Tudo o que precisamos ouvir, já foi dito, reescrito, pensado, diluído...
mas não da mesma forma. E é o poeta este gerador combinativo."
(r. elfe)
16.6.07
Rosa
Um barco me faz ausente de ti –
A engenharia sorri, exata,
Triunfa a lógica nímia,
Soberba, dos números infrenes,
Dos litros de óleo,
Dos donos solenes
Do absurdo empresarial.
Mas se faz prenhe de raiva
E rasga-se de dor:
Meu ímpeto sonhador
Vem tão puro
E invariavelmente –
Avassalador.
O idílio que te faço,
O deâmbulo que traço
Até toda ti, toda porque una,
A lira mais doce que já ouvi,
A rosa mais lira que já vi,
O ouço mais claro que senti.
A lembrança do teu toque
Beija meu eu-poeta,
Apaixona-me por apenas ser
E implode, sem nem querer,
O castelo pateta
Do barco de óleo e aço,
Neste poema que te faço…
(Isaac Frederico, em 16 de junho de 2007)
15.6.07
De boca aberta
vai aí um poema de Urhacy Faustino, um poeta que conheci através da wendy, e ela através do site de poesia erótica cseabra.utopia.com.br/poesia/
o site é muito bom e vale uma conferida de perto, definitivamente.
vida longa ao presença, poesia pra sempre...
* * *
Em nossas brigas não voam televisões,
nem há corporais agressões:
o verbo é a flecha que nos perfura
mesmo nos tempos e modos que a gente se censura.
Trocamos o costumeiro texto sacana
por verborrágica luta insana
e, se alguém se sente em desvantagem,
apela pra figuras de linguagem,
misturando metáforas, pleonasmos,
com licenças poéticas, no orgasmo
ao medirem forças dois titãs.
Até que já sem fala, de manhã,
mais sedentos que famintos, como taças
nos bebemos um ao outro, extasiados
de repente sem palavras, embrigados,
(eis que a língua se enrola, a gramática falha),
nos lambemos em nossa cama de batalha,
onde desejos e tesões explodem atômicos
em delírios guturais, gozando afônicos.
(Urhacy Faustino)
13.6.07
Samba levanta poeira
posto hoje uma música do Felipe Schuery, com o título acima, que tem uma letra belíssima.
abraços a todos !
* * *
Tombei do bonde do amor,
Montei na dor do pranto meu
Com pinga sou Galileu,
Passo a observador...
O céu escuro faz-se brilho só,
Avisto uma estrela linda de dar dó
Piso na lua, a natureza não me deixa não.
Apesar de derrotado,
Me mantenho levantado, braços dados com o mundo
Agora ouça, de você já me esqueci – com mil fiéis amigos posso me divertir
Caixa de fósforo, garfo no copo e violões
Fazem fundo pro meu canto que encanta corações
Te esqueci pra valer !
(Felipe Schuery, Samba levanta poeira)
8.6.07
Ponto do escritor
posto uma poesia do flavio nascimento, poeta vanguarda e que conheci numa das idas ao beco do rato, com vinicius e william.
abraços,
--------------------------------------------
Pega no teu livro para ler
Pega na pena para escrever.
Vem anunciar
o que você tem
pra dizer.
A gente quer ouvir
A gente quer saber.
Vem divulgar
proclamar
a tua profecia.
Vem fazer nascer
um novo dia.
Vem sonhar
construir
a tua melhor fantasia.
Vem espalhar
alegria
Vem falar de Nosso Senhor
Vem anunciar
trazer
o Cristo Redentor.
Eu não sou digno
de segurar a tua mão
Mas vem me banhar
nas águas do rio Jordão.
Traz tua graça
tua inspiração
tua energia
tua iluminação.
Faz um poema
pra gente recitar
Faz um verso
pra gente mostrar
Faz uma peça
pra gente montar
Faz uma ópera
uma ária
uma toada
pra gente cantar.
Pega um lápis
pra redigir
Pega um desenho
pra colorir
Faz uma canção
pra divertir
Faz esse povo
gargalhar
brincar
sorrir
Pega um pincel
pra pintar
Pega uma máquina
pra fotografar
Pega um filme
pra documentar
Pega uma luz
pra clarear
A tua palavra escrita
copiada
anotada
redigida
Mostra que a Vida
tem sempre uma saída
Mostra que a Esperança
não está
totalmente
inteiramente
completamente
PERDIDA !!!
(Flavio Nascimento, "poesia popular participativa", no dia do escritor, 25 de julho de 2006)
5.6.07
Sem titulo
abraços a todos.
__________________________
O que eu não conheço,
não me faz falta.
O que não sei,
não temo.
Quanto tempo,
não me preocupa.
De que maneira,
não me interessa.
Isso tudo não faz sentido para mim
Porque já é.
E ser me basta.
Não preciso de contratos
De prazos, de promessas
Na verdade não preciso.
Mas quero,
quero só o que já é
e o que é, não é só.
É o bastante.
(Ligia Pinheiro, em 2006)
29.5.07
Pluma
Perder chão, carregar só distância
Que pesa tal pena,
Um grama apenas – e errante,
A pluma do tão-somente,
O ser edificante
Do mero acontecente –
Eis o dicionário
Da língua dos pássaros,
Do rumor das árvores ao vento,
Do meu mor-preenchimento,
A molécula que vai,
Á água e ao ar –
Vão o vento e o rio
Pois que não sabem ficar.
(21 de maio de 2006, extraido da parte 5 do livreto "Acontecente")
25.5.07
20.5.07
Rafael Elfe
Quando eu morrer,
paguem aos violeiros, os mais antigos
pra na fumaça das violas
meus restos evocarem...
Dêem meu violão ao primeiro menino pobre que surgir...
minha alma vai estar lá dentro,
e ele vai saber exatamente o que fazer,
eu já tive a idade dele...
e também nunca tive um tostão.
Façam chorar o couro dos banjos...
Deixem voar os corvos!
As galopadas do bumbo
me levarão junto às rodas marginais de blues,
e saltarei de dentro das gargantas dos que cantam com dor,
onde eu me ilumine.
Deus está em cordas novas!
Deus está em meus acordes!
Deus é minha voz dizendo essas coisas...
Minha poesia!
É o breu e a luz!
É a rabeca chorando...
A gaita que rasga!
E eu sou o breu e a luz.
Digam a eles que eu não volto mais...
peguei um trem que vai pr´além de mim,
pr´além desse mundo de fábricas e feriados...
e mesmo quando tocarem o último acorde,
enfim, continuarei por aí,
rolando e assobiando com o vento.
19.5.07
Minha mulher e o céu
Cobre-te as espáduas um vestido roçagante
E enlanguesces, toda minha, ancorada em meus braços,
Afagando-me a fronte e beijando-me, possante…
A delicadeza célica em meus sonhos crassos.
Apenas rudes em seus ensejos animais
(Meus cálidos instintos ao segurar-te as ancas)
Mas românticos nos veementes madrigais,
Ditirambos ao picante amor que me alavancas.
Galante, a alcova deixas, o céu aurirrosado
Acende-te todas estrelas e um teu gracejo
Reconhece-lhe o estro deveras arrojado
Enquanto que a esta cumplicidade doidejo,
Uma quimera de mulher e o celeste estrado
Haurindo o torpor do mar de amor onde velejo.
(14 de dezembro de 2006, extraído do livro "Madrigais", lançado pelo Presença em 2007)
15.5.07
7.5.07
Tranquilo
um verdadeiro divisor de águas no continente africano, onde os velhos quase que inexistem.
* * *
Você é velho,
Usa aquele óculos geriátrico.
Orelhas e nariz imensos, não param de crescer,
Nem por um minuto.
Vem ao meu escritório
Mostrar o banco de dados
Da sua empresa de engenharia.
O jeito de quem nasceu há séculos
E aprendeu informática com esmero.
Um hálito amargo abominável
Sentido a três metros de distância
De quem tomou café a vida toda,
O estômago fodido.
Um bom velhinho informático,
Sem coragem de deletar um documento.
Engenharia é rapidez radical.
Celeritas, neuro-cibernética, anfetamininformação.
zzrrt zongingsocingsoc frrr
Não leitinho na mesa de cabeceira.
Seu velho, seu merda.
(Afonso Nives, Johannesburgo, em 2004)
3.5.07
É o que se tem
posto mais uma pérola niilista do Fábio Alves, que tem surgido com surpresas impressionantes.
creio que o poema é carregado de uma reflexão comum a muitos.
* * *
Um quadro negro
E um caderno em branco
Por que estás sentado neste banco
Oh! Juvenil criatura?
Filho de uma mãe a mais
Por que não vive sua vida?
Por que não cura a ferida
Que o mundo se incumbiu
De te dar?
É que você já nasceu devendo
E só falam em dividir
Você quer multiplicar
Passa feroz o tempo sujo
E o que é que você tem?
Nada.
(Fábio Alves, 2007)
29.4.07
No sol, em prata e no grão.
Junto ao salto vai o frio na barriga.
Desce ao fundo, sem peso.
De volta à tona,
o sol em meia-luz lhe cora o rosto.
No corpo, uma sensação de não ter onde, nem quando.
Volta e meia pequenos medos;
Avistar barbatana, canto de sereia, mão puxando pro fundo.
Na imersão vai o cardume,
ao encontro das redes.
E as ondinhas quebram,
desfazendo lentamente pequenos castelos.
28.4.07
Rafael Elfe
Eu fui aquele sujeito,
sem jeito
que um dia deixou
de encantos cair
e por ti
num conto
permaneceu fadado.
Aquele que cruzou a rua, num mar de gente
e esbarrou teu ombro, e nem sabia o que diria
e você a pensar na família
dentro de outros problemas
Fui aquele sujeito perdido
numa noite apática
num sinal vermelho
a lhe pedir informação
e bêbada, ao som da época
trouxe-me a metafísica do teu frio olhar de soslaio
E eu, o olhar vazio que te segui à fio
nas Áfricas nebulosas de tua mente
e reverdeceu o pasto colorindo as vias
enxergando a primavera febril de teus lábios
as alfazemas
que brilharam no ardor
que borbulhara ao sol de julho.
Fomos aqueles desconhecidos que se conheceram
num sábado de aleluia
pagãos órfãos de pai
a nova contra-cultura do país
os comunas anti-horários
os novos olhares pseudo-aristocráticos
éramos sós naquela manhã
uma pulga de ouro na avalanche da vida.
Fomos aqueles que desmudaram o destino
o mesmo que nos uniu e nos separou
pelas forças estranhas da paixão coletiva
da rudimentar forma de se pedir, num adeus que seja
e levantar as mãos orando pela compaixão de cristo
nas suas lavandas brancas e seus riachos de lágrimas e sangue.
Onde por horas estivemos?
Quando a bastilha caíu, quando berlim se separou
quando as torres gêmeas desfiguraram um dia inteiro
Onde por horas estivemos?
Quando o cão suicida do vizinho
mordeu o baço do velho
e caídos, ambos, gritaram de uma forma cômica
e tiveram as línguas adormecidas pela ambulância.
Onde por horas estivemos?
Quando harley cruzara o zênite, 67 anos depois
quando as janelas finitas dos subúrbios
de um ponto ao outro fez estrados azuis dobrarem-se
e deixaram os olhos maculados pela vida inteira.
Onde foi que nos deixamos?
naquele relógio amaldiçoado?
sempre 35 minutos para às uma de algum tempo
enfeitiçado, congênito, dentro de todas as formas da casa
descrevendo a nossa doce e amarga despedida.
Onde foi que nos deixamos?
naqueles beijos intermináveis
no final do banco dos coletivos irrisórios
cheios de estrelas nos cabelos
e canelas de areia e mar de ipanemas noturnas?
Onde foi que nos perdemos?
a avenida brasil está parada agora
e nos aguarda àquela tarde
quando o sol castigáva-nos
e entorpecia-nos de amor eterno
como se a eternidade fosse séria
ou qualquer tábua de nietzsche no jornal alemão
Onde foi que nos deixamos?
lembra?
quais fotografias foram reais?
quais as imagens mais cruéis agora?
onde fomos deixar as alegrias
que nos permeavam de dias sem indultos
de horas sem pêndulos de flores em nossas capelas
Quais refeições? Quais talheres destrincharam
o que as bocas adorariam dizer
e engoliram apenas
ou mastigaram todo o infinito rude dos nossos mudos olhos
quais copos de vinho nos cederam a verdade
pra quando deitamos lesos de algum pedido
e deixamos o corpo responder aos instintos
ou tão somente dormir, aquecido um pelo outro.
Quantos dias?
Quantas horas contadas?
Nada, diria...
nada mais do que a máquina fria da vida
nada mais do que a voz indizível do tempo
Fomos e seremos ainda, muitos outros
e nunca deixaremos de ser o que somos
e o que fomos será sempre o que deixamos de ser
quando o que somos será sempre um passo atrás
do que desejaríamos
e esta réstia de seres está à perambular em nossos espaços
e deixar pegadas fundas nas praias espirituais
e nada, diria novamente
nada poderia ser tão mágico e simples.
27.4.07
A ausência
Caros, dessa vez não vim poetar, mas tão somente delinear apropriadamente um conceito.
A ausência
Não é a simplicidade da falta
Que faz uma coisa que se procura e
Não mais
Se encontra.
Ou mesmo
O resíduo do que se perdeu
Definitivamente.
A ausência
É uma tristeza calada
Posto que é o fim da ligação
Entre
Algo que se tem por dentro
E aquilo que dantes se encontrava próximo
Por fora.
_______________________
vinicius perenha - abril de 2007
26.4.07
As mulheres e o tempo
de uma reflexão absurdamente desnorteante, releio "as mulheres e o tempo".
aos mais desavisados recomendo coletes salva-vidas...
* * *
I
Jamais é um tempo que não acaba nunca
Que nem por alto, dá pra se fazer idéia
Jamais
Transcende. Porque nunca também começou
Ironicamente ainda pode ser falado
Mas só quando supõe o sempre
E sempre que assim for
É adequado.
Jamais?
Adequado?
Estranho
II
Vai que ela diz:
jamais falo contigo de novo
Vai
Que ela diz: te amo
Pra sempre
Vai, que ela chora
E sempre que chora
Diz que nunca vai te perdoar
Ou que ela some
Vai morar num bueiro, sei lá
E nunca mais volta
Vai que ela tem razão
Tá bom, tá bom...
Isso nunca
Mas vai que ela pensa que tem
Sempre?
E nunca mais deita do teu lado
Segura tuas mãos
Mexe nos cabelos
Etc., etc., etc
III
Adequado é que não pode ser
Uma coisa dessas
Só uma, vai que mata
Imagina todas elas juntas?
Elas deviam pensar mais em nós
Ser mais frágeis, eu acho
Não sempre,
Mas às vezes seria muito melhor
(Vinícius Perenha, do livro "Poesia pra toda obra")
22.4.07
O sol encobre toda a superfície do meu corpo
já publicada no tomo VI do "acontecente"
* * *
O sol encobre toda a superfície do meu corpo.
O bom e só sol.
Sou Caeiro estendido,
Não penso nem tento
Mas logo me ocorre que
Alguma fração de uma história de bilhões de anos de existência
Do Astro-Rei
Me adentra, fazendo parte de mim indelevelmente.
Tenho agora algo do sol.
Absorver vitamina E e processá-la
É como que o reconhecimento orgânico desse fato.
20.4.07
O louco na praça
me caiu esta bomba na mão, um dos melhores poemas do Fábio Alves, repleto de estímulo aos sentidos - principalmente ao sentido do atordoamento. um dos melhores e mais fortes poemas já postados no presença, em minha opinião e gosto.
alou presença, rumo ao milésimo post !
* * *
Sob o sol do meio-dia
Reflete as cores brancas
Calorosas e frias
A praça de bancos
Repleta
De pessoas
Vazia
Sob a torrente de luminosidade
De soslaio olhando
Atordoados se dedicam
À rotina de contratempos
Repleta
De amenidades
Vazia
Sob a barba e terno negros
Maltrapilho e suado
Prega a palavra desesperada
De significados
Repleta
E de lógica
Vazia
Sob as asas da doutrina
Os transeuntes nem mesuram
O valor do qual desatina
Que mostra ser
Repleta
Nossa vida
Vazia.
(Fábio Alves, aos 17 de julho de 2007)
18.4.07
O timoneiro
O timoneiro recebeu as visitas
Na sala de estar
E virou o messias
Do barco da vida das pessoas,
O barco que elas são
(O barco que elas somos…)
O timoneiro diz às pessoas
Que somos exatamente tão importantes
Quanto somos mera matéria sendo,
Tanto chance
Quanto bênção
E… elas podem entender isso?
(Isaac Frederico, em abril de 2007)
16.4.07
Ostras
posto mais uma excelente poesia do Guto Leite, lembrando que o blog-tosco-spot não me permite manter a diagramação original proposta pelo poeta.
a analogia do poema é intensa e bonita, e sua reflexão é firme.
um abraço a todos !
* * *
a Hume
nunca vi de perto uma ostra
nem pretendo
sei de sua natureza imersa
e fria
como as jóias
imagino-as pedras vivas do oceano
escuro
que começa nos abismos
quanto valem
sempre está turvo
azul
além das imensidades
as almas dos artistas
são ostras degeneradas
de presença
nunca poderão ser tocadas
ou salvas
pela pérola
(Guto Leite, 2007)
13.4.07
Apatia
posto um pequeno conto de um grande amigo, o Fabio Alves.
há anos filosofando sobre os atalhos, desde tempos imemoriais em cabo frio, a produção literária do Fabio não tem sido muito impulsionada por ele próprio, então nada melhor que a boa diversidade, colocar em jogo o máximo possível de pensamentos e malabares de palavras.
* * *
Quando cheguei em casa havia três horas após o meio dia. Coloquei a cadeira de praia no armarinho debaixo da escada. Subi para o andar de cima com os pés sujos de areia da praia.
Não quis comer nada. Avisei à empregada que estaria no quarto, para o caso de um telefonema ou eventual visita. Tranquei a porta.
O meu quarto ficava na cobertura de um apartamento duplex defronte à praia de Ipanema, de onde tinha vista plena do Arpoador até o mirante do Leblon, do movimento das “dondocas” rebolando seus belos corpos no calçadão e dos surfistas deslizando nas ondas doiradas pelo sol cor de abóbora em seu crepúsculo vespertino. O dinheiro e as coisas belas nunca foram escassas na minha vida.
Tomei um banho quente – que ardia-me as costas bronzeada pelo sol- e saí do banheiro ainda me enxugando. Coloquei uma bermuda confortável e deitei-me na cama: A apatia.
Só o som do Rádio, o vento gelado que saía do ar-condicionado e o calor da brasa do meu cigarro repousado no cinzeiro, faziam que alguma coisa material se movesse. No mais, era tudo parado e os pensamentos confusos. Não foi a partir daquele dia que tudo começou, mas dali descobri o que me reservara a vida e o que ela havia me dado até presente o momento.
Era justamente, e apenas, tudo aquilo que ali estava: um sol, belas garotas, dinheiro e alguns poucos amigos – que não sabia sê-los verdadeiros. E isto é tudo que realmente pode-se esperar. Então, compreendi a dor que às vezes me remetia ao maxilar, os dentes rangendo e a vertigem nas noites mal dormidas de todos os dias: A aflição.
“Viverei eu assim?”, pensei.”Será que é só isso mesmo? Tem que haver algo! Tem que haver!”. Mas as coisas não aconteciam, e dia após dia a rotina se instalava em mim. A dor no maxilar aumentara, além do surgimento de calafrios – outro sinal de que as coisas não iam nada bem. Não comia; a libido se reduziu a zero. Perdi a namorada e os poucos amigos que agora sei serem falsos. Um homem num parafuso que se atarraxa cada vez mais para dentro do buraco feito pela furadeira das idéias na parede da vida.
Passei a me escorar em garrafas de uísque. Assim, comecei a distanciar-me da realidade. Era o que eu precisava! Tornei-me ébrio permanente. Mas não deixara de morder os dentes. E o álcool se tornou, para mim, como o sol e as ondas douradas do mar, como o mirante, o mendigo e o caviar. Como tudo era: colorido e sem graça.
Fui internado pelos meus tios numa clínica. Achavam-me louco e viciado em álcool. Não me opus. Não me importava.
Foi lá que comecei a tomar remédios de tarja preta. Minha dor no maxilar cessara e os pensamentos começaram a se alinhar. Tive alta da clínica.
Com o passar do tempo, descobri que toda apatia é fruto de uma certa dose tragada de revolta, mas uma revolta tranqüila – mansa. E minha vida seguiu como era antes, com exceção das pílulas que tomava pela manhã e à noite antes de dormir. Apático e revoltado com alguma coisa que eu não sabia o que era, quiçá nunca saberei.
(Fabio Alves, 2007)